Eles não são engenheiros, tampouco cientistas. São apenas agricultores comuns, que, com seu engenho e arte, foram responsáveis pelo desenvolvimento de alguns dos mais interessantes e inusitados instrumentos rurais dos últimos anos. Em comum, esses homens têm muita criatividade, determinação e, principalmente, o sonho de encontrar um parceiro que leve adiante seus projetos. Conheça os inventores que, sem nenhuma estrutura ou patrocínio, criaram equipamentos que facilitam o trabalho no campo

“Ninguém vira inventor por acaso”, garante Antônio Chaves Martins, 68 anos, morador de um assentamento no interior de São Paulo. Ele sabe o que fala. Nascido em Minas Gerais, o agricultor está há mais de 30 anos na região de Araraquara, onde cultiva milho e hortaliças para o sustento de sua família. Humilde, conquistou sua primeira porção de terra há poucos anos e desde então tem que se virar para manter a produção. Sem dinheiro para investir na estrutura da propriedade, teve de improvisar.

Na falta de um maquinário apropriado para fazer a aplicação dos defensivos, Martins desenvolveu um pulverizador com tração animal. “A idéia surgiu da necessidade. Como não temos dinheiro para comprar um trator, tivemos que fabricar um pulverizador por conta própria. Foi feito tudo na marreta, lá em casa mesmo”, conta o inventor. “A gente fazia, tentava e não dava certo, até que uma hora deu. Levou três anos, mas nós conseguimos”, continua.

A engenhoca nada mais é do que uma carroça com um tanque preso na parte traseira. A parte mais complicada, de acordo com Martins, foi projetar o sistema de bombeamento automático, que funciona de acordo com o andar do animal. Com o giro das rodas, os defensivos viajam através de uma mangueira até os bicos injetores, que despejam o produto no solo. Quando a carroça pára, o fluxo é cortado, sem nenhum desperdício de veneno.

O sistema é simples e vem se mostrando muito eficiente. “É tão bom quanto um trator, mas com a vantagem de não compactar o solo nem gastar com combustível”, comemora o produtor, que já tem novas invenções em mente. “Já temos um novo projeto em andamento, mas ainda é segredo. Não posso falar”, completa, misterioso.

Se uns começam a “carreira” de inventor para melhorar o desempenho de sua lavoura, outros o fazem por pura necessidade. É o caso de Lino Justiniano, 51 anos, ex-agricultor que perdeu tudo o que tinha após a desvalorização do feijão, anos atrás. Sem ter para onde correr, seguiu os conselhos de um amigo e começou a fabricar palitos de churrasco a partir de bambu. O processo era demorado, então decidiu fabricar uma máquina para auxiliar no trabalho. “Comecei a fazer artesanalmente, mas com o aumento da demanda tive que inventar uma máquina para me ajudar”, lembra Justiniano, que quadruplicou a produção e hoje fabrica cerca de 20 mil palitos por dia e os vende por R$ 20 o milheiro, principalmente para açougues e carrinhos de algodão-doce. “Abandonei de vez as hortaliças e estou trabalhando apenas na fabricação de palitos. Vou investir em novas máquinas e devo ganhar muito mais dinheiro do que antes”, diz ele, que conta com a ajuda de sua esposa, da sogra e do sogro para produzir. “Graças a Deus o negócio vai muito bem.” Vai tão bem que o inventor pensa até em expandir os negócios e partir para a fabricação de palitos de dente. “Eu tenho um monte de projetos, mas o que falta mesmo é dinheiro. Sem dinheiro você não consegue fabricar nada”, completa Justiniano.

PULVERIZADOR: o tanque é preso na parte de trás da carroça. Conforme o animal anda, os defensivos são bombeados através de uma mangueira e jogados na lavoura. Tudo automático. Se o animal pára, o bombeamento é cortado. O sistema não afeta os burros, pois joga o veneno quatro metros para trás.

Outro que também deixou a produção de lado e partiu para o laboratório foi o gaúcho Zalias Antônio Vicente, 42 anos. Especializado em hidroponia, foi desafiado por um professor a desenvolver um método de irrigação automático eficiente. Depois de quase um ano só pensando em possibilidades, precisou de apenas três dias para montar um sistema simples e eficiente, baseado na lei da gravidade.

De um lado vai um vaso irrigado e do outro um contrapeso, para que fique perfeitamente equilibrado.

IRRIGADOR: de um lado da balança coloca-se um vaso irrigado e do outro um contrapeso para que fique equilibrado. Conforme o vaso perde líquido, fica mais leve e sobe, ativando um interruptor, que libera a irrigação por gravidade. O método gera grande economia de água e energia elétrica. Pode-se colocar até mil vasos na mesma rede.

MÁQUINA DE PALITOS: o bambu é colocado num rachador, que corta o vegetal em talas mais finas. Depois, só tem o trabalho de fazer o acabamento. O inventor conta que já trabalha no desenvolvimento de um outro equipamento, agora elétrico, que deixará o produto pronto para venda.

PASTEURIZADOR: o leite é fervido em um recipiente e depois leva um “choque térmico” durante a passagem pela serpentina elétrica, que usa um motor de freezer. O produto resfria rapidamente e, em poucos minutos, cai já pasteurizado em outro recipiente. Além de acabar com o desperdício, a engenhoca ainda faturou o Concurso Inventor Rural.

Conforme o vaso perde líquido, fica mais leve e sobe, ativando um interruptor, que libera a irrigação por gravidade. “É tudo automático, de acordo com a perda de líquido, o que gera uma grande economia, tanto de água quanto de energia elétrica. Quando o dispositivo injeta água nos vasos, já manda a medida certa. Não existe desperdício”, explica Vicente, vencedor do Salão Nacional do Inventor no ano passado.

Premiado, o ex-agricultor de alface já está decidido a mudar de vez de profissão. “Deixei as verduras hidropônicas de lado para partir em busca de algum investidor”, conta.

Além do irrigador automático, Vicente também desenvolveu um vaso auto-irrigável, movido por um pavio, que espera apresentar ao público em breve. “Eu sou um inventor nato”, sentencia o novo cientista.

Já no caso de Alex Sandro Cantoara, 33 anos, a história foi um pouco diferente. Produtor de leite, reservava parte da produção para a fabricação de queijos, mas tinha muitas perdas devido às bactérias. Então, decidiu buscar uma forma eficiente de pasteurizar o leite e garantir sua longevidade. Sem equipamentos especiais, teve de ser criativo. Montou um sistema parecido com o de uma chopeira, utilizando um velho motor de freezer que estava encostado em sua casa, e iniciou o processo de produção.

“Foi tudo muito rápido. Eu já tinha uma idéia de como deveria ser feito, então demorei cerca de 15 dias para construir o pasteurizador”, completa o inventor, que não se considera um inventor, mas mesmo assim faturou o Concurso Inventor Rural em 2007. “Se ganhar com o próximo invento vai ficar bom, heim?”, brinca Cantoara.

Casos como estes só servem para comprovar que, mais do que estudos, o que faz de um homem um inventor é a necessidade. Nesta reportagem, apenas quatro histórias foram relatadas, mas, com certeza, muitas outras ainda estão escondidas pelo interior do Brasil.