Após quase quatro meses de tensão, a deputada Isa Penna (PSOL) conta que teve sua primeira noite de sono tranquilo, ontem, depois da aprovação unânime da suspensão de 180 dias de seu colega Fernando Cury (Cidadania) por importunação sexual. Mais do que a vitória no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo – a punição original, definida pelo Conselho de Ética da Casa, era inferior a quatro meses – Isa comemorou a decisão como um marco, capaz de “abrir um precedente” para outras mulheres vítimas de assédio.

Desde o momento em que ela foi tocada na lateral dos seios por Cury, em dezembro, durante sessão transmitida ao vivo pela TV da Alesp, Isa cobrou a cassação do parlamentar. Mesmo sem alcançar esse objetivo, ela já mira adiante e quer aproveitar a grande repercussão do caso. Na próxima segunda-feira, por meio bancada do PSOL na Câmara, a parlamentar participa da apresentação de um projeto de lei para garantir a paridade de gênero e raça nos Conselhos de Ética das casas legislativas do País.

Não é por acaso. Foi no conselho da Alesp que Isa enfrentou as maiores resistências ao longo do processo. O passo seguinte (e ela não esconde a ambição de alçar voos mais altos na política) é lutar pela aprovação de uma lei que tipifique o crime de assédio. O projeto que ela menciona é, a seu ver, a primeira medida “de um pacote contra a cultura do estupro” no Brasil. “Já há elementos para construir uma lei que criminalize o assédio. Essa é a minha próxima missão.” O Estadão procurou Cury, mas ele preferiu não se manifestar. A seguir, os principais trechos da conversa com Isa Penna:

A sra. disse, na sessão de anteontem, sentir-se exaurida. Como foram esses 113 dias desde o episódio de 16 de dezembro?

Acho que esses meses foram os piores da minha vida. Porque era uma sensação de sobressalto. Em todas as reuniões eles tentaram obstar o nosso avanço. Eu tive que me impor. A força que busquei foi muito nas mulheres que me cercam. Aí entram as mulheres do 342 Artes, as do Vote Nelas (entidades que organizaram uma campanha pública pela cassação de Cury). Mas a sensação foi de humilhação recorrente, de exposição absoluta, de tentativa de me fazer assinar embaixo, no papel da feminista histérica que queria destruir a vida do Fernando Cury. É difícil. Sou uma mulher que estudou muito a luta feminista, conheci a Marielle Franco. Nada para as mulheres veio sem luta. Muitas morreram sem ter nem essa vitória.

Em mais de uma ocasião nesses quatro meses a senhora disse que foi “revitimizada”. Pode dar exemplos?

Eu já fui procurada por algumas instâncias que querem levar esse caso como demonstrativo da violência política institucional de gênero. A diferença é que é um processo político, então tudo está sempre em disputa. Essa violência toda não foi uma tentativa contra a Isa. Foi uma violência contra a presença das mulheres na política e nos espaços de poder. Não acho que fui revitimizada, acho que fui vítima de uma sequência de episódios de assédio. Me refiro especificamente aos deputados no Conselho de Ética, em especial o Wellington Moura (do Republicanos, que elaborou a proposta de punição de 119 dias).

A sra. disse, desde o início, que queria a cassação de Cury. Vai manter essa luta?

A bola, nesse caso, não está mais na minha mão. Os próximos passos são aguardar o Ministério Público, a conclusão da expulsão dele de seu partido, o Cidadania, aguardar o mandado de segurança. Acima de tudo, a minha luta é contra esse sistema.

Esse resultado pode ter um significado na política brasileira?

A vitória de ontem (anteontem) é, em primeiro lugar, um marco para as mulheres como um todo, que em seus ambientes de trabalho vão poder usar esse caso como precedente. Dois, é um marco para a democracia. É o Estado, parte dele, na maior casa legislativa da América Latina, reconhecendo que existe uma violência política que é de gênero – e isso, por si só, é uma validação do nosso discurso pelo Estado brasileiro. Um marco para dentro do Parlamento e para os assediadores. Eu não quero o mal da família do Cury nem compactuo com práticas de violência ou linchamento contra a família dele. Acho que ele tem que pagar pelo que ele fez e se rever como homem.

Do ponto de vista legal e jurídico, o que acha que deveria mudar no País?

Tem duas dimensões importantes. A primeira, do ponto de vista interno das casas legislativas: nesta segunda-feira a gente já vai protocolar no Congresso Nacional e em todos os parlamentos do Brasil uma proposta, a primeira medida de um pacote contra a cultura do estupro. Essa primeira medida é pela paridade nos conselhos de ética. Isso é muito importante, a gente tem que almejar a paridade entre pessoas não brancas e brancas, entre pessoas não cis e cis.

E a segunda dimensão?

É a respeito do texto criminal. Sempre pensei em sair para deputada estadual, mas o quanto que eu não tenho que estar em âmbito nacional, porque a gente precisa mudar. Assim como tem a lei do feminicídio, a gente precisa também ter uma lei que tipifique o assédio. Já temos padrões de comportamento sobre como o assédio se desenvolve no Brasil, sobre como a encoxada acontece no transporte público. Vamos tipificar a encoxada, ela é crime. O que quero dizer é que já há elementos para construir uma lei que criminalize o assédio no Brasil. Nesse momento, essa é a minha próxima missão. Mas não sozinha. O meu caso é só a ponta do iceberg. Porque a gente está falando da violência que vem dos espaços de poder. Isso, no Brasil é absolutamente recorrente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.