A prefeitura de Belo Horizonte e o partido Cidadania acionaram neste domingo, 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a decisão do ministro Kassio Nunes Marques, que liberou a realização de cultos e missas em todo o País. O entendimento do magistrado, que proibiu Estados e municípios de suspenderem atividades religiosas, provocou desconforto no tribunal e foi duramente criticado pelo decano do STF, Marco Aurélio Mello. Na avaliação de magistrados, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) não possui legitimidade para entrar com uma ação no Supremo contra decretos estaduais e municipais. A expectativa de integrantes da Corte é a de que a medida seja revista.

“O novato (Nunes Marques assumiu uma cadeira na Corte em novembro do ano passado), pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu a Associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF (tipo de processo que discute cumprimento à Constituição)? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!”, disse Marco Aurélio ao Estadão. O decano tem aposentadoria marcada para julho, abrindo uma segunda vaga para indicação de Bolsonaro.

Em novembro do ano passado, o ministro do STF Alexandre de Moraes rejeitou uma ação similar movida pela Anajure contra decretos municipais que impuseram toque de recolher noturno, interrompendo a realização de atividades religiosas.

Naquela decisão, Moraes destacou que, para entrar com “ações de controle concentrado” (que discutem se medidas do Executivo violam a Constituição, por exemplo), as entidades precisam cumprir uma série de requisitos, como representar determinada categoria profissional e estar presente em pelo menos nove Estados. A Anajure entrou com um recurso contra a rejeição da ação, mas perdeu. Por 11 a 0, inclusive com o voto de Kassio Nunes Marques, o STF decidiu em fevereiro pelo arquivamento do caso, ao concluir que a Anajure não é formada por associados vinculados a uma única e homogênea categoria profissional ou econômica.

Coração

Após informar no sábado, 3, que não seguiria a determinação de Nunes Marques, Kalil foi intimado pelo STF para cumprir o entendimento que liberou cultos e missas. “Por mais que doa no coração de quem defende a vida, ordem judicial se cumpre. Já entramos com recurso”, escreveu o prefeito em seu perfil no Twitter.

Mesmo com a mudança no tom, Kalil entrou com uma ação para que o presidente do STF, Luiz Fux, derrube a decisão de Nunes Marques. Para a prefeitura de Belo Horizonte, a autorização para missas e cultos coloca em risco a proteção de vidas na capital mineira, devido ao avanço da contaminação pelo novo coronavírus.

“A crise sanitária é enorme e os sistemas locais de saúde estão operando acima do limite de capacidade de atendimento dos casos graves. Estados e Municípios estabeleceram restrições às atividades religiosas presenciais à luz das peculiaridades do avanço da pandemia em cada local, bem como tendo em conta a capacidade real de oferecer atendimento médico adequado aos indivíduos em cada uma dessas localidades”, afirma a gestão Kalil.

Segundo o Estadão apurou, no entanto, Fux não quer suspender sozinho o entendimento de Nunes Marques, o que poderia provocar desgastes internos. Ministros defendem a análise da controvérsia pelo plenário da Corte, que já garantiu no ano passado a Estados e municípios autonomia para tomarem medidas de distanciamento social. Nesta segunda-feira, Gilmar Mendes deve decidir sobre uma outra ação, apresentada pelo PSD, contra decreto do governo de São Paulo que barrou atividades religiosas coletivas na pandemia.

Além da reação de Kalil, a decisão de Nunes Marques também foi contestada pelo Cidadania. Segundo o partido, a autorização dada para missas e cultos cria um “verdadeiro privilégio odioso à liberdade de culto” sobre outras formas de liberdade de associação. O Cidadania também questiona a legitimidade da Anajure de entrar com ação no Supremo para derrubar os decretos de prefeitos e governadores

Para a presidente em exercício da Anajure, Edna Zilli, a decisão do Supremo que liberou cultos e missas é “histórica, importante, e vem reparar inconstitucionalidades que vêm ocorrendo desde o ano passado”.

“A quantidade de pessoas enfermas e de óbitos demonstra a gravidade da pandemia, fundamentando a manutenção da cautela, prudência, e a adoção dos protocolos de biossegurança. Contudo, o Poder Público deve buscar maneiras de conciliar as medidas sanitárias com a proteção dos direitos e liberdades fundamentais, como a liberdade religiosa”, afirmou Edna. (Colaborou Pepita Ortega)