Imagine investir na pecuária leiteira, sem preocupar-se com as cotações de insumos, como os farelos de soja e milho, itens da nutrição animal que representam mais de 50% nos custos com a atividade. Imagine, também, produzir leite sem acompanhar as cotações das principais bacias leiteiras do País ou quanto os laticínios de sua região estão pagando pelo produto. Pode até parecer um sonho, mas os produtores de leite Sérgio Siqueira Duarte e Maurílio de Souza Siqueira, da região de Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, fazem isso. Eles investem na produção de leite sem se preocuparem com preços e ainda têm o lucro garantido.

A tranquilidade nas operações tem feito a produção de suas propriedades dar saltos gigantes nos últimos anos, mas isso só foi possível depois que Duarte e Siqueira passaram a fazer parte do programa Gold, criado em 2010 pela francesa Danone, dona de uma fábrica de laticínios no município. “A Danone conquistou a minha fidelidade na entrega de leite depois que passou a oferecer uma margem de lucro calculada”, diz Siqueira. “Com o Gold, comecei a ter perspectiva de crescimento”, completa Duarte. A empresa francesa, que neste ano prevê um faturamento de R$ 2 bilhões com a venda de lácteos frescos, como iogurtes, leite fermentado e petit suisse, detém 38% desse mercado no País, à frente da gigante Nestlé.

O programa Gold funciona como uma espécie de mercado futuro para o leite. É como se os produtores fizessem hedge, que nada mais é que um mecanismo de redução ou até mesmo de eliminação de riscos do negócio, com o compromisso de entrega física de uma mercadoria. No caso da Danone, o produtor fecha um contrato de entrega diária de leite, por um preço mínimo predeterminado. “A maior vantagem do Gold é a margem de lucro no longo prazo e, com isso, a possibilidade de fazer caixa”, diz Carlos Eduardo Garcia, gerente de leite e ingredientes lácteos da Danone. Para chegar ao preço do leite, os cálculos são baseados em indicadores de desempenho de produção e de qualidade do produto. Entre eles estão a quantidade de proteína e de gordura no leite, essenciais ao processo industrial. “Também há o preço mínimo garantido, reduzindo os riscos relativos às oscilações do mercado”, diz Garcia.

Para os produtores Siqueira, Duarte e outros 23 pecuaristas que participam do programa, a garantia de preço pesou para que fechassem contrato com a Danone. Afinal de contas, quem não gosta de manter-se na atividade que escolheu e ainda viver dela, com a garantia de dinheiro no bolso no fim do dia? Mas não foi somente o preço do leite que atraiu os criadores. O Gold nasceu como uma das ferramentas do Programa de desenvolvimento dos Produtores de leite da Danone, o danleite, para dar assistência técnica aos produtores. “Do Danleite para o Gold foi um pulo, porque com ele consegui elaborar um plano para crescer”, diz Duarte. “E continuo crescendo.” Quando Duarte começou a fornecer leite para a Danone, a produção da fazenda Campainho, em Cabo Verde, era de 800 litros de leite por dia, em 2007. Hoje, são 3,7 mil litros, mas a meta é atingir seis mil litros diários até 2016. “Isso já está traçado”, afirma o produtor. “Vou conseguir porque os resultados têm sido sempre positivos.” Em 58 hectares, de um total de 300 hectares, o pecuarista mantém um rebanho com 301 fêmeas holandesas, das quais 143 estão em produção. O restante das terras é ocupado com lavouras de soja, milho e café. “Se não fosse o projeto, não estaria sobrevivendo do leite”, diz Duarte. “Acho que teria investido mais na agricultura.”

O Gold também fez com que retornassem à empresa, como fornecedores, produtores que já haviam passado por ela e não acreditavam mais ser possível ter lucro com o leite. É o caso de Siqueira, que chegou a fornecer leite para a Danone antes do início dos atuais programas de assistência ao produtor. “Por causa da falta de laços e de uma política de preço, houve um período em que rompi com a Danone,” diz ele. “Vendia para a indústria que pagava mais.” Mas, desde 2006, Siqueira voltou a ser um fornecedor fixo. Em 120 hectares são produzidos, atualmente, 8,2 mil litros de leite por dia, com 270 vacas em lactação e um rebanho total de 570 animais. Antes, com essa mesma quantidade de animais, a produção diária era de 2,8 mil litros de leite. “Além do planejamento estratégico que funciona, sou remunerado de maneira justa e tenho os custos reduzidos”, diz Siqueira.

O valor pago pela Danone pelo litro do leite é calculado de acordo com os custos reais de cada fazenda. Para chegar a ele são levados em consideração os custos fixos e os variáveis, formados por despesas com insumos, como caroço de algodão, polpa cítrica, mais a soja e o milho. Também é acrescida ao preço do leite uma margem de lucro definida por sete indicadores de eficiência, entre eles a produtividade de vaca por lactação, o volume de leite planejado e o de fato entregue. Esses itens estão estabelecidos na tabela de Pagamento por Qualidade Educampo, um programa coordenado pelo Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae).

No planejamento de gestão, realizado com a ajuda de veterinários e zootecnistas, o pecuarista se compromete a aumentar a produção de leite em pelo menos 15% ao ano. “Quanto mais eficiente for a produção de uma propriedade, mais ela vai receber”, diz Garcia. “É por isso que no Gold não importa a cotação do leite no mercado.” Segundo ele, o produtor passa a enxergar sua propriedade como se ela fosse uma empresa e começa a ganhar eficiência em todos os processos. Na fazenda de Siqueira foi o que aconteceu. No ano passado, por exemplo, enquanto o litro de leite era vendido a R$ 0,80, o programa pagava R$ 1,05. Já neste ano, em que o litro de leite está valendo R$ 1,20, o Gold continua pagando R$ 1,05. A diferença no período, de R$ 0,10 por litro, significa um adicional de quase R$ 600 mil em dois anos para o produtor. “É a possibilidade de ganho real no longo prazo que desperta no produtor e na empresa o desejo de crescer”, afirma Garcia.

A Danone, com uma participação de 38% no mercado de lácteos, que movimentou R$ 5 bilhões, em 2012, tem crescido 15% ao ano com a ajuda de iniciativas como o Gold. No fim do ano passado, o programa contava com a participação de 11 pecuaristas, ante os 25 atuais. Hoje, o Gold representa um volume de captação entre 60 mil litros e 72 mil litros de leite por dia, equivalente a 12% do total de 600 mil litros diários coletados em 500 fazendas localizadas em um raio de 400 quilômetros de Poços de Caldas. Segundo José Pollastri, gerente de captação da Danone, a meta para 2014 é fazer com que a coleta de leite através do Gold chegue a 25%. “Nos próximos dois anos queremos ir para 40%”, diz Pollastri. O Brasil é o quarto maior mercado da multinacional Danone, depois de Estados Unidos, França e Espanha. O mercado global de lácteos movimenta cerca de US$ 380 bilhões por ano, com o Brasil na quinta posição entre os maiores produtores.