À s margens da rodovia BR-101, no município de São Mateus, na região Norte do Espírito Santo, uma penitenciária construída no final de 2010 mantém em cárcere 585 homens. Mas nem todos permanecem exclusivamente trancafiados, apesar de condenados a regime fechado para o cumprimento de suas penas. Entre eles, desde o início do ano passado, 14 detentos vêm tendo uma oportunidade rara no País, a reinserção social através do trabalho. Além desse grupo mantido em regime integral, outros 36 presos de várias penitenciárias do Estado, que cumprem suas penas em semiaberto, também estão tendo a mesma oportunidade. E embora os dois grupos não se conheçam, seus 50 integrantes têm algo em comum: o agronegócio está mudando definitivamente as suas vidas e dando a eles a possibilidade de um futuro melhor. A Leão Alimentos e Bebidas, do Grupo Coca-Cola, que faturou no Brasil R$ 24,6 bilhões em 2014, começou a desenvolver dois projetos de reinserção social no Espírito Santo, Estado no qual a empresa mantém duas unidades destinadas ao processamento de suco de frutas. O projeto Semeando a Liberdade é destinado aos presos em regime fechado e o Reeducando reúne os do regime semiaberto. “A agricultura tem todo o potencial de transformar a vida das pessoas”, diz Axel de Meuûs, presidente da Leão. “Para isso, basta uma oportunidade de trabalho digno.”

O modelo da Leão, de acordo com o advogado Eugênio Coutinho Ricas, secretário de Justiça do Espírito Santo (Sejus-ES), é único no País, por uma particularidade. “Em geral, as empresas compram a produção de detentos em penitenciárias, mas não se envolvem no processo produtivo”, diz Ricas. “Não é o caso da Leão, que está no campo ensinando uma profissão a essas pessoas.” No Estado, atualmente, há 20 projetos de reinserção social da população carcerária. Entre eles está o da gigante mundial de celulose Fibria, do grupo Votorantim, que compra mudas de eucalipto numa das unidades prisionais e as doa novamente ao Estado. No ano passado, foram aquiridas 100 mil plantas.


“A agricultura tem todo o potencial de transformar a vida das pessoas. Para isso basta uma oportunidade de trabalho digno” Axel de Meuûs, presidente da Leão Bebidas e Alimentos

Para o projeto Semeando a Liberdade, que nasceu em fevereiro de 2014, além da parceria com a Sejus-ES, a Leão contou com a ajuda da Cáritas, uma ONG ligada à igreja católica, e com o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). Cada um tem um papel particular na história. O Incaper cedeu uma área de 100 hectares ao lado do presídio de São Mateus, onde funciona a fazenda do projeto. A Sejus-ES dá o suporte legal, enquanto a Cáritas faz a seleção dos presos aptos a participarem do programa. A Leão, por sua vez, ensina os internos a conduzir os trabalhos de campo, do preparo do solo até a colheita das frutas. Para colocar o projeto em pé, a empresa arcou com investimentos iniciais da ordem de R$ 175 mil, destinados à construção de uma sede administrativa e dos insumos necessários à produção. “É muito pouco para o que estamos vendo, porque o que acontece hoje na Leão é uma relação ganha-ganha”, diz Meuûs. “Eu acredito que um número cada vez maior de  empresas apoiarão trabalhos sociais em suas comunidades, inclusive a carcerária.”


Sem distinção: para Osvaldo Magon, gerentede fábrica da Leão, o ambiente da companhia é de igualidade de tratamento entre todos os funcionários

No processo produtivo, a Leão passou a contar com uma safra de maracujás de boa qualidade, com ganhos no processo industrial. De acordo com o engenheiro agrônomo Maurício Ferraz, gerente de planejamento e desenvolvimento agrícola da empresa, a ideia é garantir toda a estrutura necessária de capacitação dos internos e ir além nessa tarefa. “Queremos que eles saiam desse processo seguindo uma carreira profissional”, diz Ferraz. “Com a capacitação, conseguimos obter a melhor fruta, a um preço justo e em quantidade adequada.” No ano passado, os detentos produziram 330 toneladas de maracujá e receberam pelo trabalho um total de R$ 210 mil. Neste ano, eles já colheram 120 toneladas da fruta e o ganho acumulado até o mês passado era de R$ 150 mil.

Segundo a diretoria da Leão, o projeto tem potencial de crescimento. Nas duas safras foram cultivados 20 hectares de maracujá, mas o plano é chegar a 50 hectares, nos próximos quatro anos, com uma colheita de 35 toneladas por hectare, quase o dobro da produtividade atual. Além disso, outras frutas devem ser incorporadas à área, como a goiaba e a manga. O projeto da Leão vem dando tão certo que já começa a inspirar alguns internos a trabalharem com a agricultura, assim que ganharem a liberdade. É o caso de Gilberto de Jesus, de 34 anos, que deve deixar a penitenciária em setembro. Ele diz que com parte do dinheiro recebido pelo trabalho, e com a possibilidade de obter financiamento, vai se tornar um agricultor. “Sei que há incentivos à compra de terras para cultivar e vou atrás disso”, afirma Jesus. O caso de Aleksandro Santana, 37 anos, também ilustra o poder de transformação do projeto da Leão. Santana, que é morador de São Mateus, poderia cumprir pena em regime semiaberto, mas preferiu o fechado para integrar o Semeando a Liberdade. “Se fosse para o sistema semiaberto havia a possibilidade de ficar longe da minha família”, diz Santana. “Aqui, fico fechado, mas tenho trabalho e não estou sozinho.”


QUALIDADE: Maurício Ferraz, gerente de planejamento e desenvolvimento da Leão, diz que o Semeando a Liberdade estimula a oferta de uma boa fruta
para a indústria

Para o presidente da Leão, foi a percepção de que o trabalho da companhia poderia dar mais frutos que o levou a ir além. Dois meses depois de iniciar o Semeando a Liberdade, a empresa colocou em pé o Projeto Reeducando, dessa vez em parceria apenas com a Sejus-ES. Os 36 presos do regime semiaberto, alojados em algumas penitenciárias próximas a Linhares, trabalham nas duas fábricas da empresa, uma destinada ao processamento de polpa de frutas e a outra voltada à produção de sucos. A Leão possui outras três fábricas, duas no Paraná e uma em São Paulo. De acordo com Osvaldo Magon, especialista em recursos humanos e gerente de fábrica da Leão, não há distinção de tratamento entre os detentos e os demais funcionários. “Todos recebem treinamento para as áreas nas quais vão atuar”, diz Magon. “Mas, no caso dos funcionários que passam pelo processo de reinserção social, vejo que eles têm muita força de vontade em melhorar a cada dia.” Desde que o projeto foi lançado, a Leão já contratou cinco ex-detentos, e outro foi contratado por uma empresa fornecedora de frutas para a empresa. Para Meuûs, a contratação fora dos domínios da Leão foi uma grande notícia. “Isso significa que há valorização desses profissionais”, afirma. “E que as oportunidades são para todos.”