Até oito anos atrás, o engenheiro agrônomo João César Rando tinha pavor de altura. Para cortar o mal pela raiz, ele tomou carona num avião, subiu a 3,8 mil metros e saltou de paraquedas sobre Brotas, no interior paulista, cidade que tem o esporte radical como seu cartão-postal. No dia do salto, Rando tinha 54 anos. “Esse era um dos meus desafios na vida”, diz. “E venci.” Mas saltar de paraquedas não foi quase nada perto do desafio assumido em 2001, quando Rando se tornou o presidente do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), entidade criada e mantida pelas empresas do setor de agroquímicos para acabar com uma prática perversa no campo: o descarte desordenado e em qualquer lugar das embalagens vazias, resíduo que pode afetar a saúde das pessoas e do meio ambiente.

Depois de uma década de trabalho e com 94% de embalagens recolhidas no ano passado, volume equivalente a 37,4 mil toneladas de plástico, o Inpev se tornou referência mundial e começa a atrair países interessados no modelo de logística reversa verde-amarela. No mês passado, pela primeira vez, Rando recebeu um grupo de moçambicanos e representantes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), sediada em Roma, na Itália. Eles estiveram no País para estudar o sistema adotado pelo Inpev e traçar um plano de ação para os próximos dois anos no país africano. “Já recebemos visitas de interessados de outros países, mas não com a finalidade de estudar como implantamos o sistema de recolhimento de embalagens no País”, diz Rando.

Os visitantes estrangeiros permaneceram no Brasil por uma semana. Visitaram unidades de recolhimento de embalagens em Mato Grosso e no Paraná e a principal usina de reciclagem de plástico do Inpev, localizada em Taubaté, no interior paulista. Segundo o diretor do Grupo de Redução de Riscos de Inseticidas da FAO , Richard Thompson, Moçambique necessita de um modelo e o Brasil pode ajudar nessa questão.“Em 2003, o governo de Moçambique pediu ajuda à FAO para assessorá-lo na resolução de alguns problemas, entre eles os causados pelo uso de pesticidas obsoletos e velhos”, diz Thompson. Desde então, a FAO desenvolveu três projetos: aquicultura, floresta e informática. “Chegou a vez dos agroquímicos”, diz. Moçambique possui 3,8 milhões de pequenos produtores, dos quais 90% cultivam menos de três hectares de terras. Desse total, apenas 10% cultivam suas lavouras com sementes de qualidade e não mais que 4% utilizam defensivos químicos. Mas, como o país é dono de grandes jazidas de gás natural, com o qual é processada a ureia, matériaprima para fertilizantes, o mercado potencial de adubos é de US$ 3 bilhões por ano. Até 2018, a FAO prevê que 40% dos agricultores moçambicanos utilizarão algum tipo de adubo, criando condições para o desenvolvimento de um mercado para defensivos e sementes melhoradas. No caso dos defensivos, o país conta com grandes companhias atuando, como Arysta, Bayer e Basf, mas ainda há muito produto proveniente da China utilizado sem nenhum tipo de controle. Segundo o agrônomo Khalid Cassan, consultor da FAO no país africano e coordenador do projeto, regularizar o mercado que hoje consome 2,5 mil toneladas de defensivos por ano é importante para os exportadores. “Vendemos para os Estados Unidos, Japão, Holanda e Inglaterra produtos como coco, tabaco, algodão, feijão, castanha de caju e gergelim”, diz. “Com mais controle, poderíamos vendê-los com um valor agregado maior.”

O governo de Moçambique deu prazo de 24 meses ao Ministério da Agricultura para apresentar um modelo de recolhimento de embala gens de defensivos. Segundo Mahomed Valá, diretor nacional do ministério, em 14 meses estará pronta a legislação sobre destinação de embalagens e até o fim de 2014 será apresentado um plano para o campo. “Gostei muito de ver como funciona o sistema Inpev, no Paraná, e também em São Paulo, Estados com pequenas propriedades”, diz Valá. “O Brasil conseguiu dar resposta a todos os produtores gigantes de Mato Grosso, sem se esquecer dos demais.” Um exemplo de integração na cadeia de resíduos de agroquímicos são os irmãos Eder José Gadioli e Amauri Gadioli, produtores de arroz em Roseira, município próximo de Taubaté. Eles estavam na unidade do Inpev no mesmo dia da visita da delegação de Moçambique. Desde 2008, pelo menos duas vezes por ano, os irmãos enchem a caçamba da camionete de embalagens vazias e rumam para o Inpev. Antes dessa data, eles incineravam as embalagens ou guardavam por longos períodos sem saber o que fazer com elas. “Até cinco anos, atrás éramos leigos e desinformados”, diz Amauri. “Meus pais e avós sempre descartavam as embalagens como lixo comum.” Hoje, com o descarte correto, a flora e a fauna vêm se recompondo na fazenda Santa Helena, na qual os Gadioli produzem 80 mil sacas de arroz-agulhinha em sistema irrigado, por safra. Nos últimos cinco anos, eles já entregaram ao Inpev 1,2 tonelada de embalagens plásticas vazias. De acordo com o engenheiro Eduardo Jurevics, gerente do Inpev na unidade de Taubaté, o que ocorreu no Brasil foi um casamento ajustado entre lei e mudança cultural. Por isso, agricultores como os irmãos Gadioli não são mais exceção no País, são a regra. “O produtor sabe o que fazer”, afirma Jurevics. Com os 94% de recolhimento de embalagens de agroquímicos, o Brasil está no topo dos países que mais cuidam desse tipo de descarte. A França vem em segundo lugar, com 77% de embalagens coletadas.