Adoença da vaca louca, chamada de encefalopatia espongiforme bovina (EEB, ou BSE na sigla em inglês), nunca foi uma preocupação na pauta sanitária do Brasil. Simplesmente, porque até hoje, nenhuma mísera rês do rebanho bovino brasileiro foi acometida dessa enfermidade, que já atacou o gado europeu, principalmente no Reino Unido. O status da EEB no País é de risco insignificante, segundo a Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), com sede em Paris, entidade da qual o Brasil e mais 177 países são signatários e que, por isso, devem acatar suas decisões. Mas, no dia 6 de dezembro, a notícia de que havia uma vaca no Estado do Paraná contaminada com a doença se espalhou pelo mundo como um rastilho de pólvora. Com a confusão instalada nos dias seguintes, enquanto o governo federal e representantes dos produtores tentavam dar explicações sobre o ocorrido, importadores de carne começavam a anunciar a suspensão de compras no País. Entre eles estavam Japão, China, Taiwan, Coreia do Sul, África do Sul e Arábia Saudita.

Segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Carne (Abiec), esse bloco responde por pouco mais de 4% dos US$ 5,8 bilhões obtidos pelas vendas externas, em 2012. “O impacto comercial é pouco relevante para nós”, diz Antonio Camardelli, presidente da Abiec. No entanto, em função do peso do agronegó-cio brasileiro no mundo, poucos dias antes das festas natalinas, o governo se viu na obrigação de enviar uma missão para a Europa, comandada por Ênio Marques, secretário de Defesa Agropecuária, e Guilherme Marques, diretor de Saúde Animal, ambos do Ministério da Agricultura. Os brasileiros se reuniram com representantes da OIE, em Paris, e com 23 diplomatas de 20 países, em Genebra, na Suíça, na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em sua bagagem, levaram um calhamaço de pastas com informações que desmistificavam a suposta ocorrência de EEB no Brasil. “Não tivemos a doença da vaca louca no País”, diz Marques. “Caso os importadores continuem com essa história em relação ao risco de comprar carne no Brasil, apesar de todas as informações prestadas, é preciso entrar com um painel na OMC”, diz Camardelli.

Não há dúvida no setor pecuário brasileiro que os importadores começaram a utilizar o fato para barganhar preço na hora da compra. Em 2012, o País voltou a ser o maior exportador mundial de carne bovina, posição que havia perdido no ano anterior, com um total de 1,2 milhão de toneladas embarcadas. Os preços praticados foram remuneradores, cerca de US$ 5 mil a tonelada, cotação que os importadores gostariam que caísse. Há uma década, o preço médio da carne brasileira no mercado internacional era de US$ 3,5 mil.

Para pôr um ponto-final nessa queda de braço, o governo brasileiro precisa fazer com que o mundo reconheça a seguinte história: a vaca que continha o agente causador da EEB não desenvolveu a doença, portanto não houve risco de que a enfermidade se espalhasse. Além disso, o caso é atípico – ou não clássico, na linguagem técnica. Ou seja, o animal, que tinha 13 anos de idade quando morreu, também nunca ingeriu ração contaminada. O que pode ter ocorrido, de acordo com os especialistas, é uma mutação genética acidental, sem risco aparente de transmissão para outro animal. Em miúdos: seria como ter um carro abastecido de gasolina, mas estacionado na garagem, portanto, sem função para o combustível.

Todas as explicações técnicas em relação ao ocorrido no Brasil estão na internet, no site da OIE. No site do Ministério da Agricultura também há uma série de documentos que mostram como as autoridades sanitárias vêm conduzindo o caso. Para Marques, que acumula a função de diretor do departamento de Saúde Animal com a de delegado do País na OIE, os procedimentos do Mapa foram corretos e transparentes, mesmo com a demora em se detectar a causa da morte da vaca, no Paraná, em 2010. A OIE reconhece esse fato e também o justifica. Segundo um documento divulgado pela entidade, a BSE é uma doença complexa, não facilmente diagnosticada. No caso do Paraná, o atraso no diagnóstico é debitado a problemas de logística em um laboratório nacional.

O fato é que nenhum país do mundo está livre de identificar um caso como o ocorrido no Paraná. “Por essa razão, a OIE não classifica os países livres de EEB, como acontece com outras doenças, entre elas a febre aftosa e a peste equina”, diz Marques. Diversos países, como Estados Unidos, Canadá, Japão, Portugal e Inglaterra, já registraram casos semelhantes ao brasileiro. Somente em 2011, a União Europeia comunicou seis registros de EEB não clássica à OIE. O procedimento mostra como os europeus estão atentos para que não aconteça no mundo o desastre que eles mesmos provocaram tempos atrás.

O maior surto de EEB já registrado no mundo aconteceu na Europa, concentrado no Reino Unido, principalmente na Inglaterra, entre o final de década de 1980 e o início do ano 2000. Mais de 150 mil animais foram abatidos e incinerados porque apresentavam um quadro clínico ativo da doença, com possibilidade de transmissão aos consumidores da carne afetada. Segundo os veterinários Lígia Cantarino da Costa e José Renato Junqueira Borges, pesquisadores da Universidade de Brasília que realizaram um estudo para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a origem da EEB é obscura. Mas a teoria mais aceita para o aparecimento da doença no Reino Unido foi a alteração no processo industrial para obter farinha de sangue e osso, no final dos anos de 1970-1980, para reduzir os custos de produção. Antes disso, as ocorrências da doença eram pouco significativos. A farinha dada aos bovinos europeus era proveniente de ovinos e caprinos. Esses pequenos animais, por uma provável mutação genética, apresentaram uma doença degenerativa cerebral. Quando a indústria de ração animal passou a negligenciar o tratamento de subprodutos na ração de bovinos, o ciclo da catástrofe começou a se fechar, causando mortes entre os consumidores. Na época do surto europeu, iniciado nos anos 1980, mais de 20 pessoas nesse continente morreram do mal de Creutzfeldt-Jacob, o equivalente à vaca louca nos humanos.