Há 29 anos, o paulista Rubens Valentini é proprietário da Fazenda Miunça, na região rural de Brasília, onde cria suínos. Ele jamais imaginou, no entanto, que uma simples viagem a Zaragoza, na Espanha, para visitar uma feira de novas tecnologias no campo, mudaria para sempre a rotina de sua propriedade – influenciando até a própria suinocultura no Brasil. Embora a prática já exista na Europa há pelo menos sete anos, Valentini foi o primeiro a adotar o modelo de gestação coletiva para suínos no Brasil. A inovação consiste em manter as fêmeas gestantes em uma granja subdividida em várias baias coletivas, num espaço até 10% maior que o tradicional, onde os porcos são mantidos em gaiolas individuais. Enquanto no modelo de criação convencional, ainda predominante no País, o porco permanece o tempo todo num espaço apertado, sem interação com outros animais, no sistema coletivo tudo é diferente.

?Nele, prevalece a filosofia do bem-estar animal: o local de descanso é separado do local de trânsito e a alimentação é individualizada, com quantidade controlada para que o suíno engorde mais rapidamente. Um equipamento monitorado por computador só permite a passagem de um animal de cada vez e libera o volume de ração necessário a partir de informações armazenadas num chip preso à sua orelha. Esse desenho favorece a socialização dos suínos, que geralmente se juntam em grupos de cinco a seis, e minimiza as disputas por comida, comuns entre eles. “Mudamos o sistema no fim de 2010 e os resultados foram excepcionais, melhores que os da Europa”, diz Valentini.

Por enquanto, a mudança foi implantada em apenas uma parte da fazenda, chamada de granja EcoBea, que reúne cerca de 1,3 mil fêmeas – o equivalente a um terço do rebanho total. A fazenda tem nove kits de maquinário da marca austríaca Schauer, que incluem o sistema de alimentação, os chips e seus leitores, softwares e automação dentro da granja. o espaço dedicado aos animais também é maior: cerca de 2,1 metros quadrados por fêmea, contra 1,8 metro quadrado do sistema convencional. Cada kit custa cerca de R$ 27 mil, um desembolso 10% maior do que o exigido pelo sistema convencional.

Apesar dos custos maiores, Valentini está satisfeito com a experiência, que começou como teste, e já pensa em ampliar sua participação na fazenda. “Na próxima expansão vamos fazer mais uma granja coletiva”, diz o criador. No ano passado, o peso médio de leitões desmamados gerados por fêmea foi de 175 quilos na granja tradicional, enquanto no sistema coletivo os animais alcançaram 205 quilos. Em média, os leitões gerados no sistema coletivo pesam 1,5 quilo a mais na época do desmame. “Quando é desmamado com um peso maior, o leitão fica pronto para o abate em menos tempo”, diz Valentini. Na Fazenda Miunça, a diferença é de 22 semanas para o abate no sistema tradicional e 21 semanas no coletivo. Uma diferença de 5%, que se traduz em menor consumo de ração e de energia.

Com receita anual entre R$ 57 milhões e R$ 62 milhões, a fazenda começa a contabilizar as vantagens do novo sistema. “É tudo muito novo, mas já podemos dizer que a produtividade é maior, pois gastamos menos ração e o peso dos animais é maior”, diz o administrador da Miunça, Wilson Aparecido da Silva. A automatização do processo também reduz pela metade o número de funcionários envolvidos diretamente com os animais. Enquanto na granja tradicional um empregado consegue cuidar de 200 porcas, na coletiva essa relação é de 430 animais para cada trabalhador, já que o rebanho é mais tranquilo.

A experiência pioneira com os equipamentos austríacos no Brasil levou a Fazenda Miunça a buscar outro negócio. desde o início deste ano, Valentini é representante da marca Schauer no País. Até agora, já forneceu o equipamento para três fazendas, nos Estados de Mato Grosso, Santa Catarina e São Paulo, que ainda estão implantando o sistema. Além da maior produtividade, a criação coletiva tem outro atrativo: o bem-estar dos animais, diferencial importante em alguns mercados de exportação. A Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês) apoia as experiências de gestação coletiva e vem acompanhando o trabalho da Fazenda Miunça. “Eles conseguem mostrar que é possível produzir com menos estresse e sofrimento animal”, afirma a gerente de Animais de Produção da WSPA Brasil, Charli ludtke. “o sistema coletivo evita que os animais desenvolvam doenças e comportamentos que possam comprometer a qualidade da carne”, diz ela.

Por enquanto, a produção da Fazenda Miunça é vendida a frigoríficos independentes de menor porte da região do distrito Federal, mas grandes compradores, como a BRF, Marfrig e Mcdonald’s, já começaram a mostrar interesse em adquirir carne suína com as características da oferecida por Valentini. Pelo volume que negociam, são esses compradores que determinam as tendências do mercado. Se mudarem seus critérios e passarem a exigir métodos de criação que privilegiem o bem-estar animal, exemplos como o da Fazenda Miunça podem deixar de ser exceção para se tornar regra na suinocultura brasileira.