Quando alguma empresa do agronegócio possui dívidas impagáveis e vai à falência, na maior parte das vezes seu patrimônio é alienado para que os credores sejam ressarcidos. O processo costuma desembocar em leilões judiciais, o que oferece para produtores e empresários uma boa oportunidade para se comprar uma fazenda. Em geral, propriedades que vão a leilão judicial saem por preços abaixo do valor de mercado. Mas é preciso ter cautela nesse tipo de operação. Antes de se empolgar e dar o primeiro lance, o comprador deve considerar que, embora o preço seja atraente, a valoração desses imóveis rurais ainda é considerada subjetiva, porque se baseia apenas na avaliação de campo de um perito judicial. “Em terras com mata fechada, por exemplo, o acesso do perito é muito difícil”, diz Eronides Santos, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. “No fim das contas, a avaliação de uma propriedade é empírica, podendo apresentar dados imprecisos.” 

No caso de grandes extensões de terra, o trabalho de campo de um perito é ainda mais complicado. É possível que haja problemas na identificação das divisas, levando o comprador a surpresas desagradáveis, como encontrar uma área de desmatamento ilegal, por exemplo. Nesse caso, o barato pode sair caro. “Há casos de fazendas com sobreposição de matrículas, problema de grilagem e conflitos fundiários”, diz Santos. A boa notícia é que a subjetividade no momento da perícia está com os dias contados. O Judiciário está se modernizando e começa a adotar a geotecnologia, ferramenta que se baseia em imagens de satélite e que é explorada pelo agronegócio há mais de duas décadas. Segundo Santos, a adoção dessa tecnologia vai trazer mais transparência, segurança jurídica e credibilidade para os processos que envolvem leilões públicos de terras. “A peritagem no campo é fundamental e não vai deixar de existir”, afirma Santos. “No entanto, a geotecnologia vai complementar esse processo, com informações científicas e mais precisas.” 

Não à toa, a paulista Agrotools, uma das maiores empresas de geotecnologia do País, está estreando nesse segmento. A Agrotools atendeu ao processo da massa falida das Fazendas Reunidas Boi Gordo S.A. e Coligadas, do empresário Paulo Roberto Andrade, que protagonizou um dos maiores escândalos do agronegócio, no começo dos anos 2000, lesando cerca de 30 mil credores, com dívidas de R$ 4 bilhões, em dinheiro de hoje. Até agora foram leiloadas 12 fazendas em São Paulo e Mato Grosso. O próximo leilão será das fazendas Realeza do Guaporé I e II , que juntas têm 129 mil hectares na região de Comodoro, em Mato  Grosso. Segundo o advogado Gustavo Sauer, síndico da massa falida da Boi Gordo, que funcionava como uma empresa de investimentos, a geotecnologia vai mudar a cultura de compra dessas terras. “Não haverá mais o estigma de que a fazenda é falida”, diz ele. “A propriedade existe fisicamente e está legalizada.” Essas terras serão leiloadas até o fim deste ano, em lotes divididos a partir de um estudo da Agrotools. O custo do serviço de georreferenciamento será embutido no valor do lance mínimo da propriedade. “Vamos mostrar que não há problema em comprar num leilão de falências. A geotecnologia  funciona como  uma garantia para os arrematantes”, afirma Sauer. 

Para Maurício Mendes, diretorcomercial da Agrotools, uma das grandes vantagens da geotecnologia é a coleta de imagens antigas da área. São elas que permitem traçar um histórico da propriedade.“Conseguimos identificar quando houve o processo de abertura da área e há quanto tempo uma determinada cultura é plantada”, afirma Mendes. “Essa informação é muito importante, porque o valor da propriedade está relacionado ao tempo de exploração da terra.” Além disso, de acordo com Mendes, a tecnologia traz uma série de detalhes  que interessam ao comprador, como o mapeamento de vias de acesso à fazenda e estradas internas, identificação da topografia, áreas com erosão Ve até mesmo um estudo do clima e da distribuição de chuvas na região. Segundo o promotor Santos, que há 18 anos se dedica a processos de falência, o caso da Boi Gordo é o primeiro no qual ele se deparou com a geotecnologia. “É um avanço que vai garantir uma venda coerente com a realidade, por um preço justo”,
diz ele. “Isso é bom para a imagem do Poder Judiciário e para todas as partes envolvidas no processo.”