Este dia 5 de dezembro marca oficialmente o início do Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), o maior empreendimento técnico-científico brasileiro da área de solos. Na data, em que é comemorado o Dia Mundial do Solo, 20 instituições brasileiras assinam, em Brasília na sede da Embrapa, um protocolo de intenções para realizar o maior levantamento pedológico já executado no Brasil. Um trabalho a ser feito ao longo dos próximos 30 anos e orçado, nos dez primeiros anos, em cerca de R$740 milhões.

O programa reunirá atividades de investigação, documentação, inventário e interpretação de dados de solos brasileiros para gestão desse recurso e sua conservação. São informações fundamentais para inúmeras áreas que vão de mudanças climáticas e recursos hídricos a seguro rural e telecomunicações, segundo explica o pesquisador da Embrapa Solos José Carlos Polidoro, coordenador do Pronasolos. “Como saber quanto carbono podemos armazenar no solo para mitigar emissões de gases de efeito estufa se não sabemos quanto desse elemento existe hoje nos solos brasileiros? Como fazer um zoneamento de risco climático no nível da propriedade rural, se hoje não se conhece em detalhes os diferentes recortes de solos que temos no País?”, exemplifica o especialista.

Polidoro diz que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, necessita saber o valor da condutividade elétrica dos solos de várias regiões, informação relevante para a instalação de antenas. “É uma medida simples realizada em poucos minutos, mas que não foi feita até hoje”, conta, afirmando que o trabalho de levantamento de solos do Brasil está atrasado, especialmente para um país com forte atividade agrícola. A estimativa é que o País esteja perdendo cinco bilhões de dólares por ano somente pela ação da erosão.

“Esse programa possui grande importância para o ordenamento territorial no Brasil, pois conjuga o desenvolvimento econômico no campo com a conservação dos recursos naturais e o gerenciamento dos recursos hídricos,” declara Edgar Shinzato, chefe do Departamento de Informações Institucionais do Serviço Geológico do Brasil (CPRM/SGB), uma das instituições participantes do Pronasolos.

“Trata-se de uma das maiores iniciativas do Brasil para proteger seu solo,” ressalta o presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes que chamou a atenção para a importância do trabalho coletivo para a realização da empreitada. “Não se faz um trabalho dessa magnitude sem uma parceria muito consolidada, por isso ela envolve atores de extrema importância,” frisa.

Retorno de R$185,00 para cada real investido

“É preciso cuidar do solo de maneira estratégica. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos fez isso na década de 1960 e estima-se que cada dólar investido no levantamento de solo resultou em até 120 dólares de retorno. No Brasil, a literatura aponta que a relação pode ser de um para 185 em escalas a partir de 1:50.000,” afirma Polidoro da Embrapa. Ou seja, para cada real investido no programa há uma perspectiva de retorno de R$185,00.

Os resultados beneficiarão mais de uma dezena de setores como os de seguro e crédito agrícola, zoneamentos agroecológicos e ecológico-econômicos dos estados e municípios, Programa de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano ABC), vulnerabilidade da terra a eventos extremos em áreas urbanas e rurais; planejamento de microbacias e projetos de telecomunicações entre vários outros. Outro efeito importante previsto pelos especialistas envolvidos é a valorização da terra.

TCU motivou programa

A ausência de informações sobre os solos do País já era apontada por especialistas da área como um sério problema para o desenvolvimento nacional. Porém, foi após o Tribunal de Contas da União (TCU) se inteirar da situação que as ações começaram a tomar corpo.

Em 2015, Ano Internacional do Solo, a equipe de Pedologia (ciência que estuda o solo) da Embrapa Solos elaborou uma nota técnica reunindo as lacunas de informação sobre os solos brasileiros e os consequentes prejuízos ao País que elas poderiam causar. O documento propunha a criação do Pronasolos. No mesmo ano, o TCU elaborou um acórdão envolvendo vários ministérios no qual indicava a Embrapa entre as principais responsáveis pelo trabalho de levantamento.

“O Tribunal de Contas nos deu um prazo de 120 dias para a elaboração de um plano de providências para atender às recomendações contidas no relatório de Auditoria Operacional de Governança de Solos”, afirmou Polidoro. Em dezembro, uma equipe formada por 11 Unidades da Embrapa, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS), Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Ministério da Agricultura. Pecuária e Abastecimento (Mapa) disponibilizaram a primeira versão do documento que serviu de base para a criação do Pronasolos.

Em maio deste ano, a Embrapa lançou o projeto especial Pronasolos com o intuito de traçar as diretrizes do programa nacional a ser oficializado pelo Governo Federal. O projeto definiu um diagnóstico e estabeleceu diretrizes, estruturação de governança e de financiamento do Pronasolos. O objetivo é mapear 1,3 milhão de quilômetros quadrados nos primeiros dez anos (veja tabela abaixo).


                                                                                                Fonte: Polidoro, J.C. et al. 2016

Detalhamento varia de uma região para outra

A escala diz respeito a quanto um determinado espaço foi reduzido para ser representado graficamente. Em termos simples, uma escala 1:25.000 é muito mais detalhada que uma representação de 1:100.000 da mesma porção de terra. Um levantamento de solos realizado em escala de 1:20.000 é considerado detalhado. Apenas 0,0003% do território brasileiro é conhecido com esse detalhamento. Na categoria “semidetalhado” (1:50.000) está 1% do território nacional. A maior parte do solo brasileiro, 84%, encontra-se mapeada a partir da escala 1:250.000, considerada de baixo detalhamento.

“Claro que o grau de detalhamento varia conforme o uso. Uma área florestal não precisa ter a mesma escala que regiões de forte produção agrícola, as quais exigem maior detalhamento”, esclarece Polidoro, “faz parte do Programa definir as áreas prioritárias e escala necessária para cada uma”.

Para o presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Rui da Silva Verneque, um dos pontos fortes do Pronasolos é realizar o levantamento de solos em escalas mais precisas e adequadas aos diferentes usos. “Trata-se de um projeto estratégico para o Brasil e seus resultados irão possibilitar o desenvolvimento e adaptação de tecnologias para adequação das atividades agrícolas aos diferentes tipos de solo”, acredita o presidente da instituição que também integra os trabalhos.

Subsídio a políticas públicas de ocupação do solo

Márcio Koiti Chiba, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas (SP), outra instituição participante, enfatiza o impacto ambiental e de auxílio à gestão pública que o trabalho irá promover. “Os dados a serem levantados com o Pronasolos são essenciais para embasar políticas públicas, não apenas relacionadas ao uso agrícola do solo, mas também para sua utilização com o mínimo impacto ambiental possível para outras finalidades”, afirma o cientista.

A preservação ambiental também está no foco do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). “Os resultados gerados auxiliarão no planejamento de ações em microbacias, nos sistemas de produção e na preservação do ambiente agrícola,” prevê a pesquisadora Graziela Moraes de Cesare Barbosa, coordenadora da área de Solos do instituto paranaense.

“A Universidade Federal de Santa Maria se sente orgulhosa de poder colocar sua longa tradição na área de solos à disposição desse trabalho”, declara o reitor da universidade, Paulo Afonso Burmann. “É para se comemorar a decisão incisiva do País de resolver essa importante demanda”, acredita.

“Em um território tão vasto quanto o brasileiro, a gestão dos solos torna-se ainda mais complexa”, afirma Fernanda Lins Leal Uchôa de Lima da Diretoria de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da Agência Espacial Brasileira (AEB). A instituição participará do programa oferecendo tecnologias espaciais de observação da Terra. “Estamos honrados em poder contribuir”, declara.