As recentes investidas do governo para alterar regras fiscais e acomodar gastos às vésperas da eleição têm ampliado a desconfiança de economistas e integrantes do mercado financeiro em relação à condução da política fiscal do País. Dentro da própria área econômica há a percepção de que algumas das propostas apresentadas têm fragilidades. Fora do governo, técnicos que acompanham o Orçamento acompanham com preocupação a “escalada criativa” de manobras e veem a repetição do filme visto no governo Dilma Rousseff (PT), quando o excesso de artifícios fiscais colocou em descrédito a sustentabilidade das contas do País.

Nos últimos meses, a necessidade de fazer escolhas cada vez mais delicadas dentro do Orçamento diante da falta de espaço para políticas públicas tem encorajado iniciativas de arrecadar ou destinar recursos fora das regras fiscais, driblando o teto de gastos (a âncora fiscal que limita o avanço das despesas à inflação) ou até retirando despesas do Orçamento.

A mais recente delas foi a PEC dos precatórios, elaborada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que propõe um parcelamento dessas dívidas judiciais, estimadas em R$ 89,1 bilhões para 2022 – um valor que, uma vez pago integralmente, inviabiliza o lançamento da ampliação do Bolsa Família, promessa do governo Bolsonaro. A PEC, porém, não é a única medida nessa direção. Em junho, o Congresso deu aval à lei de privatização da Eletrobras, que inclui previsão de que a empresa destine recursos para a revitalização de bacias hidrográficas de rios como São Francisco e Parnaíba. Técnicos de órgãos de controle afirmam que esse é um exemplo claro de despesa que, por ser política pública, precisaria estar no Orçamento – onde esbarraria no teto de gastos. A execução por fora do Orçamento “facilita” a implementação da política.

Para técnicos dos órgãos de controle, essas são formas de viabilizar o financiamento de despesas do poder público por outras vias, mas acabam minando a unidade do Orçamento. Com isso, o movimento de buscar maior transparência e controle das despesas, deflagrado após as “pedaladas fiscais” que custaram o cargo de Dilma, “vai sendo esvaziado”, segundo essas fontes.

‘Por decreto’

Um dos idealizadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), até hoje um marco para a gestão das contas públicas, o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), afirma que iniciativas recentes como a PEC dos precatórios e a própria lei sobre privatização da Eletrobras ferem um princípio da responsabilidade fiscal: receitas atípicas não devem financiar despesas típicas. “Credibilidade é um processo, e não se assegura por decreto”, diz Afonso.

O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e um dos integrantes da equipe que elaborou a emenda do teto de gastos, avalia que a regra passou na prova da pandemia ao mostrar a flexibilidade necessária às despesas de combate à crise sanitária, mas está sob risco diante do cenário delicado do Orçamento para 2022.

“Criou-se a ideia de que haveria muito espaço pelo descasamento de índices de inflação. E aí inflacionou a lista de desejos. Só que esse espaço foi diminuindo, e a lista de desejos não diminuiu.” Nos cálculos de Mendes, o Congresso precisará acomodar mais R$ 17 bilhões em despesas com benefícios previdenciários e assistenciais devido à inflação maior – o Orçamento foi enviado com parâmetros defasados.

Crítico do teto de gastos, o economista Fábio Terra, professor da Universidade Federal do ABC, reconhece que a regra tem um papel importante para a credibilidade das contas públicas, mas vê “ambiguidade” na política fiscal. “O governo dribla o teto para preservar o teto. Então, a credibilidade da regra não está abalada, mas a condução da política, sim.”

O Ministério da Economia diz que “o respeito ao arcabouço de regras fiscais do Brasil sempre foi e continuará sendo o principal condutor das ações do governo”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.