Após pouco mais de um ano, o programa municipal de liberação do uso de vagas de carro para a colocação de mesas e cadeiras por bares e restaurantes chegou a mais de 200 estabelecimentos. A iniciativa era uma das apostas da Prefeitura de São Paulo para a retomada econômica do setor, inspirada em exemplos internacionais, porém segue ainda restrita majoritariamente a bairros de classe média e alta, com adesão quase nula nas periferias.

Das 234 primeiras vias autorizadas para receber espaços do programa, mais da metade está concentrada nas Subprefeituras de Pinheiros (49), Mooca (43), Lapa (21) e Vila Mariana (20), conhecidas pela gastronomia, pela boemia e por atrair um público de classe média. Por outro lado, não há endereços nas Subprefeituras de Campo Limpo, Parelheiros e Jabaquara, na zona sul, Ermelino Matarazzo e São Miguel Paulista, na zona leste, e Casa Verde, na zona norte, por exemplo.

As vias contempladas são liberadas, em parte, pela demanda dos estabelecimentos, o que, segundo a Prefeitura, explicaria a concentração em bairros centrais. Após a liberação de um trecho, todos os bares, restaurantes e lanchonetes locais podem solicitar a adesão por meio de uma plataforma digital, com o envio de documentação e de um croqui.

Segundo empresas do setor, o custo de instalação parte de R$ 18 mil, a depender da dimensão, dos materiais escolhidos e do número de vagas usadas. Entre os estabelecimentos ouvidos pelo Estadão, a adesão ocorreu com patrocínio de marcas, especialmente de bebidas.

O programa é batizado de Ruas SP e inspirado em iniciativas fora do País, de cidades como Buenos Aires e Nova York. A metrópole norte-americana conta, por exemplo, com mais de 6 mil estabelecimentos conveniados ao “Open Restaurants” para usar as ruas (o número dobra no caso dos que optaram apenas pelas calçadas).

Na capital paulista, o programa envolve a instalação de mesas, cadeiras, bancos, jardineiras e guarda-sóis no leito carroçável, que deve estar separado da faixa para os carros. As estruturas são semelhantes às dos parklets, porém estritamente comerciais. Isto é, tratadas como um anexo de bares e restaurantes e, portanto, não clientes podem ser impedidos de usar.

Todos os custos são do setor privado. Para bancar a instalação, há liberação para exibir marcas de patrocinadores. Por determinação do prefeito Ricardo Nunes (MDB), os estabelecimentos estão isentos do pagamento de taxas de permissão de uso de mesas em passeio e via pública em 2022. O Ruas SP também sugere a adaptação de parklets já existentes.

A avaliação dos estabelecimentos que aderiram ao programa é positiva. Entre os adeptos está o empresário Manuel Coelho, que conseguiu a adesão de estabelecimentos vizinhos. Ele descreve que a Rua Gabriele D’Annunzio, no Campo Belo, zona sul, virou um corredor gastronômico de mesas ao ar livre. “Virou uma rua-conceito.” Coelho conta ter recebido alguns comentários negativos de clientes no início, pela redução nas opções de estacionamento, mas que a situação foi revertida, até porque havia pouca rotatividade nas vagas.

Situação semelhante é relatada por Paulo Almeida, sócio do Empório Alto de Pinheiros, na zona oeste, que adaptou por conta própria o croqui do projeto. “Fiz no Photoshop. Em um mês, já estava montando.”

Fabio Maluf Tognola, sócio do Lolla Meets Fire, no Itaim-Bibi, zona sul, contratou um escritório para realizar o projeto em toda a parte frontal, de cerca de 20 metros. Ele optou por um mobiliário móvel, que é guardado fora dos horários de funcionamento, restando a estrutura de base, a iluminação e as jardineiras. O custo foi de cerca de R$ 70 mil, patrocinado por uma cervejeira. “A pandemia trouxe o gosto por consumir em área aberta. A área externa lota antes da interna.”

DESCENTRALIZAÇÃO

Já os especialistas ouvidos pelo Estadão apontaram possíveis adaptações para o programa. Entre elas estão a descentralização para fora dos bairros mais consolidados da cidade e também um maior diálogo com o entorno.

Professora do Insper e pesquisadora em Direito Urbanístico do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Bianca Tavolari avalia que a ocupação dos leitos carroçáveis poderia ter os usos discutidos na vizinhança, incluindo para além das possibilidades do Ruas SP. “Não passa por um debate de bairro, de como queremos alocar esses espaços, se x% será de bares e o restante terá outros usos”, diz. “Outros que não são restaurantes podem querer usar como jardins, espaços para crianças…”

Ela pondera que, como em outras ocupações de espaços públicos (como o caso dos quiosques), poderia haver um chamamento para interessados, a fim de ordenar o uso e avaliar os impactos no bairro, e não em uma via isolada. “É um programa interessante, embora não seja de uso público.”

Idealizador dos primeiros parklets de São Paulo, o doutorando em Urbanismo Lincoln Paiva, da consultoria Green Mobility, avalia que parte dos estabelecimentos não conectou o projeto com a vizinhança. “Notei que a maioria desses dispositivos do programa da Prefeitura era apenas de extensões de calçadas sem mobiliário urbano, até porque as mesas e as cadeiras eram recolhidas após o fechamento dos estabelecimentos”, afirma.

Professor de Urbanismo da Mackenzie, Valter Caldana também avalia que o programa ainda está subaproveitado, especialmente pela concentração geográfica. “Crescer onde a cidade já está consolidada é menos importante do que acontecer onde é menos consolidada, onde preciso de uma boa calçada, de mobiliário, bancos, lixeiras”, avalia. “O alto custo e a concentração acabam fragilizando a ideia original.”

No Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Mackenzie, que coordena, por exemplo, foram mapeados mais de cem polos comerciais na cidade. “Poderia ser uma iniciativa de levar qualidade urbanística onde a cidade não tem. Mas acaba reforçando o desequilíbrio.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.