“Senhor, nada valho. Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.” Assim começa o poema Oração do Milho, escrito pela goiana de Vila Boa de Goiás, Cora Coralina, e publicado em 1965 em seu primeiro livro quando ela tinha 70 anos de idade e o Brasil produzia cerca de dez milhões de toneladas do grão. Mas a sábia Coralina, se ainda fosse viva, talvez hoje fizesse uma nova oração ao milho, diante da abundância e da riqueza que o cultivo do cereal representa ao País. Afinal, ela também escreveu “O Cântico da Terra”, que casa muito bem com um Brasil que deve colher nesta safra 97,2 milhões de

toneladas do cereal, um recorde de produção que deve gerar R$ 5,5 bilhões em Valor Bruto da Produção (VBP). A cifra é uma referência ao que circula nas fazendas e está muito longe do papel de subsistência da cultura. “O milho sempre foi para nós uma lavoura para fazer a terra produzir”, diz Karl Milla, um dos filhos do produtor de origem austríaca Ernest Milla, de Guarapuarava (PR), que administra o negócio junto com os irmãos Egon e Robert. O pai de Karl, que começou a plantar milho em 1973, tirando quatro toneladas de grãos por hectare, é um dos pioneiros do plantio direto no País. Hoje, a família cultiva 1,6 mil hectares de milho e igual área de soja no Paraná, além de 30 mil hectares no Piauí. A produção é de encher os olhos. Nos últimos anos, a média paranaense tem sido de 14 toneladas por hectare, com alguns talhões chegando a 16 toneladas. Na safra 2016/2017, a produtividade média foi de 15 toneladas por hectare. Na ponta do lápis ela é três vezes a média do Brasil e trambém acima da americana, que está em 11 toneladas. No Piauí, onde começou a plantar milho há oito anos, a atual produção da família Milla é de 10,2 toneladas por hectare, ante 6,6 toneladas há dois anos. “O milho é parte do negócio, não tem como deixar de produzir”, diz Karl.

Família Milla: sempre em parceria com a soja, Ernest Milla começou a cultivar milho na década de 1970, na proporção de 50% para cada cultura. Hoje, além de plantar no Paraná ele está apostando no Piauí, junto com os filhos Karl (à sua dir., de óculos), mais Egon e Robert (Crédito:Divulgação)

O fato é que o milho entrou definitivamente como uma cultura de grande escala no País e deve continuar em crescimento. De acordo com Sérgio Bortolozzo, presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), a colheita só não tem sido maior porque o mercado está se segurando. “O Brasil já poderia ter produzido acima de 100 milhões toneladas de milho. Se soltar um pouquinho mais, passa de 120 milhões rapidamente”, diz Bortolozzo. Mas, para os produtores, há uma série de arranjos para que esse mercado amadureça. O principal deles é como construir a interlocução na cadeia produtiva, ou seja, qual o papel de seus elos na organização formada por produtores, empresas e governo. Hoje, o principal entrave é como agregar valor ao milho, como fazer a cultura entrar definitivamente no balanço azul das fazendas, principalmente em grandes regiões produtoras. Como é o caso de Mato Grosso, Estado que na safra 2016/2017 produziu 28 milhões de toneladas do grão e viu a cotação despencar abaixo do custo de produção. No final do mês passado, o preço do Cepea/USP era de R$ 27 a saca. Mas no município de Primavera do Leste, o preço da saca era de R$ 15. Esse valor ficou abaixo do custo de produção, que a depender do nível de tecnologia utilizada, como melhores sementes e fertilização, esteve entre R$ 18 até R$ 32 por hectare.

Glauber Silveira: o vice-presidente da Abramilho diz que o Brasil precisa de compradores para a sua produção e isso precisa acontecer imediatamente (Crédito:José Medeiros)

Não por acaso, Primavera do Leste foi escolhida para encerrar os trabalhos da safra 2016/2017 em julho, como parte do projeto Mais Milho, evento da Abramilho e da Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que percorreu as principais regiões produtoras do País. Para Glauber Silveira, vice-presidente da Abramilho, há um impasse na cadeia produtiva desse grão que não pode ser deixado de lado para ser resolvido depois. “O Brasil precisa de compradores para a sua produção”, diz ele. “E isso tem que acontecer imediatamente.” Em busca de saídas, as duas entidades conseguiram colocar nesse encontro embaixadores de 22 países. Alguns nunca compraram um único grão de milho do Brasil, como é o caso da Nicarágua. “Nós produzimos boa parte do que consumimos”, disse a embaixadora Lorena del Carmen Martinez. “Mas estou tão impressionada com a produção que o Brasil passa a ser uma possibilidade de comércio internacional daqui para a frente.” Já para o México a expectativa é outra. O consumo nesse país é 38,6 milhões de toneladas do cereal, mas produz apenas 26 milhões. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês), a demanda de importação do México na safra 2016/2017 foi de 13,8 milhões de toneladas, sendo os americanos seu principal provedor. Para Jose Luis Gonzalez Uribe, conselheiro da embaixada do México e que está há quatro anos no Brasil, estão dadas duas condições para que o milho daqui chegue em seu país. “A primeira é que os dois países estão costurando um acordo de comércio muito mais amplo, e ele está bastante adiantado”, afirma Uribe. “A segunda condição é que, ao exportar pelos portos do Norte, o milho do Brasil fica competitivo em relação ao americano. É quase o mesmo preço.” No entanto, hoje o valor das compras do México nos Estados Unidos é de US$ 1,2 bilhão por ano, enquanto que com o Brasil o valor é de US$ 10 milhões. Em troca do milho, o mexicanos já sinalizaram que desejam vender aqui frutas, como abacate, e também feijão.

Para o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, o País tem passado por um processo de aprendizagem de como gerir essa cadeia. Um deles é o aumento do crédito de custeio, que subiu de R$ 1,2 milhão liberados para cada Cadastro de Pessoa Física para R$ 2 milhões. “Dou um exemplo que está acontecendo agora. Mesmo com dificuldade de crédito por causa da economia, nós conseguimos alongar a dívida de custeio da safra passada para os produtores”, diz Geller. “Isso significa que o agricultor não precisa vender o grão na safra colhida. Ele pode fazer um pouco de estoque.” A medida é para que não ocorra mais o desastre de 2016, quando uma conjunção de fatores, provocados pela queda de produção por causa do clima seco e pelo aumento da exportações, deixou a indústria de aves e suínos desabastecida. No ano passado, o Brasil exportou 21,8 milhões de toneladas de milho por US$ 3,6 bilhões, dos quais metade foi para países asiáticos, como China, Coreia do Sul e Israel. Em junho, no auge da crise de abastecimento, a saca custava em média R$ 35, com picos próximos de R$ 50, ante o preço de cerca de R$ 22 nos primeiros meses do ano. Geller disse que neste ano já esteve em diversas reuniões no Sul do País, para monitorar de perto o que vem ocorrendo. “No ano passado, o Mapa trabalhou para derrubar o preço do milho, quando a situação se tornou insustentável para quem depende do grão”, diz ele. “Agora, nesta safra, nós já avisamos a indústria que abaixo de R$ 16,50 o produtor não venderá o milho porque o governo vai entrar no mercado. Então, eles estão sendo levados a fazer estoques.” O governo está colocando no setor R$ 800 milhões, dos quais R$ 500 milhões são para sustentar o preço através de compras livres e R$ 300 milhões são para equalizar preços através de compra do grão em contrato.

Franz Borg, presidente da cooperativa paranaense Castrolanda, que sediou uma das etapas do projeto Mais Milho, diz que a safra 2016/2017 foi de recuperação. A Castrolanda, que possui 866 cooperados, faturou R$ 2,8 bilhões com soja, milho, trigo e cevada em 2016. No caso do milho, a produção de 90,3 mil hectares foi 35% abaixo do ano anterior. “Os preços, no entanto, subiram 62,5%”, diz Borg. “O melhor caminho no mercado é o do equilíbrio. Assim é possível ter previsibilidade e é com essa perspectiva que a cadeia deve trabalhar.”