PAT WOERTZ: depois de financiar o “lobby do milho” nos Estados Unidos, ela agora se rende à cana

Se você não pode derrotar seu inimigo, junte-se a ele. O conselho parece ter chegado à cidade de St. Louis, nos Estados Unidos, onde fica a sede da multinacional Archer Daniels Midland, a ADM. Maior produtora de grãos e de etanol do mundo, a empresa foi, durante muitos anos, uma ferrenha adversária do combustível verde produzido no Brasil. É uma das principais financiadoras de campanha de deputados e senadores norte-americanos e também uma das grandes responsáveis pelo chamado “lobby do milho”, que impõe uma sobretaxa de US$ 0,54 por galão às exportações brasileiras do álcool produzido à base de cana-de-açúcar. À frente desse mamute agroenergético, com forte peso político no Congresso americano, está a executiva Patricia Woertz, que veio pela primeira vez ao Brasil no fim de agosto numa missão quase secreta. Pat evitou aparições públicas, não permitiu que seus assessores divulgassem seu roteiro de viagem e também não visitou o presidente Lula, muito embora tivesse um cheque de US$ 3 bilhões no bolso. É esse o volume de investimentos que ela pretende realizar no Brasil para fazer da ADM a maior produtora de etanol de cana do mundo. Como parceiro, ela escolheu um empresário rural com larga experiência política. Ninguém menos que o ex-ministro da Agricultura Antônio Cabrera que também foi proibido pela matriz americana de dar declarações sobre o projeto. Mas a interlocutores próximos ele deu a dimensão do plano da ADM. “É monstruoso, de longo prazo e eles realmente estão dispostos a gastar”, disse Cabrera.

SEDE EM ST. LOUIS, NOS EUA: a ADM é a maior empresa do mundo chefiada por uma mulher

A cidade escolhida pela ADM para implantar a primeira usina tem um significado simbólico. Jataí, em Goiás, é conhecida como a capital nacional do milho, com uma das maiores áreas de cultivo e índices de produtividade do grão no País. E é lá que a dupla formada por Pat Woertz e Antônio Cabrera irá implantar a primeira usina de cana do grupo, numa área de 35 mil hectares. Estima-se uma capacidade inicial de esmagamento de três milhões de toneladas, podendo chegar a cinco milhões no pico da safra. “Já está tudo formalizado”, garantiu à DINHEIRO RURAL o prefeito de Jataí, Fernando Henrique Peres (PR-GO). “A ADM será sócia na parte comercial, enquanto o grupo Cabrera será responsável pela produção.” Com 90 mil habitantes, Jataí passará a ser uma cidade de grande cultivo de milho, mas também de cana, representando justamente o novo “sincretismo agrícola” da ADM. E a primeira usina é apenas o passo inicial. Fontes de mercado garantem que a meta da multinacional é esmagar 45 milhões de toneladas de cana no Brasil, superando a líder Cosan, de Rubens Ometto. Curiosamente, a ADM tem uma participação minoritária no capital da Cosan e um dos sonhos dourados de Patricia Woertz seria comprar a empresa de Ometto. Como isso não parece ser possível, ela quer competir com ele em seu próprio terreiro.

A chegada estrondosa da ADM poderá ter importantes repercussões na diplomacia comercial brasileira, marcando um ponto de inflexão na história do etanol. Há vários anos, o Itamaraty vem tentando – sem sucesso, diga-se de passagem – derrubar os fartos subsídios que a Casa Branca concede aos produtores de milho. Mas agora, com a maior produtora americana de etanol “mudando de lado”, as coisas talvez possam mudar. “Eu sempre torci para que eles viessem investir no Brasil”, disse à DINHEIRO RURAL o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. “Assim, eventuais inimigos passam a ser aliados”, aposta. No Ministério das Relações Exteriores, a expectativa é parecida. “Essa consolidação do etanol está trazendo grupos estrangeiros ao Brasil e pode nos ajudar a criar um mercado mundial para a commodity”, prevê André Aranha do Lago, chefe do Departamento de Energia do Itamaraty. E tudo isso, naturalmente, reforça a imagem do álcool de cana, cujo custo de produção é mais de 50% inferior ao do etanol de milho. “O investimento internacional é o atestado da nossa competitividade”, disse à DINHEIRO RURAL Manoel Bertone, secretário de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura. Além da ADM, grandes grupos internacionais, como Louis Dreyfus, Bunge, Toyota e a Virgin, do bilionário Richard Branson, anunciaram novos projetos no setor sucroalcooleiro, que somam mais de R$ 5 bilhões.

ANTÔNIO CABRERA: empresário será sócio da ADM no projeto, que se inicia em Goiás

A aposta da multinacional americana no etanol brasileiro está diretamente relacionada com a história de vida de Patricia Woertz, tida como a executiva mais poderosa do mundo – com receitas de US$ 44 bilhões, a ADM é a maior empresa comandada por uma mulher. Antes de chegar ao topo da companhia agrícola, ela trabalhou durante muitos anos na indústria petrolífera. Foi chefe da área internacional da Chevron, com forte atuação no Oriente Médio. Como poucas pessoas no mundo, ela conhece a realidade do petróleo e aposta que o cenário de escassez e preços elevados irá perdurar por muitos anos. Por isso, assim que chegou à ADM, empreendeu uma guinada radical na companhia, que deixou de se focar apenas em alimentos para se transformar numa produtora de combustíveis. Mais da metade dos lucros, de US$ 2,1 bilhões no ano passado, vem da área de etanol. Com duas usinas que estão em implantação nos Estados Unidos, a capacidade de produção de etanol da ADM está saltando de 3,7 para 4,2 bilhões de galões, o equivalente a 16 bilhões de litros. É quase um Brasil inteiro, onde todas as usinas produzem cerca de 20 bilhões de litros.

“Agora, eventuais inimigos podem se tornar nossos aliados “

Ao apostar suas fichas no Brasil, Pat Woertz também gerou alguma apreensão nos Estados Unidos. Isso porque muitos agricultores só são competitivos graças ao “lobby do milho”, que é bancado em grande parte pela ADM. A associações de produtores, ela rechaçou a ameaça de que o Brasil entre com uma queixa na Organização Mundial do Comércio contra os subsídios americanos. E o seu discurso é o de que os dois países podem ser parceiros. Em reuniões com seus executivos, ela costuma dizer que o “mercado global de etanol interessa tanto ao Brasil quanto aos Estados Unidos”. A mulher mais poderosa do mundo é também uma atenta observadora da cena política americana. O candidato Barack Obama tem ligações fortes com o lobby do milho. O republicano John McCain, que se fortaleceu nas últimas pesquisas, já emitiu sinais de que poderá rever a tarifa que incide sobre o álcool brasileiro. Pat Woertz sabe que os subsídios não poderão durar para sempre. Em função disso, decidiu fincar a bandeira da ADM no Brasil. Afinal, se não é possível derrotar o inimigo, junte-se a ele.

 

Colaboraram: Gustavo Gantois e Lívia Andrade