Depois de dez anos de batalhas judiciais e de ir a leilão pela terceira vez, a fazenda Piratininga, do empresário Wagner Canhedo, ex-dono da Vasp, tem um novo dono. A propriedade, uma das maiores do Brasil, com 130 mil hectares e um rebanho de 100 mil cabeças de gado, foi arrematada por R$ 436 milhões em leilão judicial para pagamento das dívidas, estimadas em R$ 1 bilhão, da companhia aérea. E, embora os burburinhos de mercado dessem conta de que dois grandes grupos brasileiros estavam de olho no negócio, a empresa compradora foi a Conagro, uma ilustre desconhecida do setor e que, segundo seu presidente, o consultor Francisco Garcia Vivone, engloba 11 empresas que atuam nas áreas de alimentos, frigoríficos, higiene e limpeza, pecuária, bioenergia, logística, armazéns gerais, sementes, celulose e papel, fertilizantes e agricultura. Um verdadeiro conglomerado que, estranhamente, ninguém envolvido no leilão parecia conhecer. Até o porteiro do condomínio empresarial, localizado em um importante centro financeiro de São Paulo, onde consta o endereço de sua sede, diz desconhecer a empresa, que, segundo seu presidente, possui um braço financeiro na Inglaterra e atua no Brasil desde 2005. “Estamos acompanhando esse caso já há algum tempo e achamos que seria uma ótima oportunidade de negócios”, garantiu o empresário, que, embora não tenha explicado a origem dos recursos para a compra, garante ser essa a primeira, mas não a última. “Esse é apenas o início.

Vendido: Francisco Garcia Vivone é o presidente da desconhecida Conagro, que comprou, em lance único, a propriedade agrícola que pertencia ao empresário Wagner Canhedo

Pretendemos, em breve, fazer novas aquisições”, promete. Perguntado sobre o tamanho das propriedades, volume de produção ou faturamento da companhia, Vivone se esquivou, explicando que a companhia é de capital fechado e garantindo que as informações constavam no site da empresa. Mas a página eletrônica apenas remete aos nomes das várias empresas e a fotos genéricas do setor.

Até mesmo os leiloeiros que coordenaram o pregão não escondiam a surpresa por conta dos compradores. “Recebemos várias consultas de grandes grupos e esperávamos até uma disputa maior”, comentou o leiloeiro da Serrano, Antonio Carlos Seavanes. “As pendências jurídicas foram resolvidas e podíamos ter vendido por um valor maior”, lamenta. Mas quem circulava pelos corredores do auditório do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em São Paulo, não percebia um clima tão otimista. Era difícil encontrar pessoas confiantes na venda da fazenda. Um pessimismo que se comprovou quando a venda foi iniciada e, em vez de lances, um repentino silêncio tomou conta do auditório. Depois de aguardar por mais de 20 minutos, sem nenhuma manifestação de interessados, os leiloeiros já se preparavam para mais uma vez encerrar o pregão, quando, num canto do auditório, alguém timidamente ergueu a mão. Sem concorrentes, a propriedade, cujo valor era estimado em R$ 620 milhões, enfim era vendida pelo lance mínimo. Alguns minutos depois, um senhor de semblante fechado, trajando calça jeans, camisa xadrez e um blazer preto, descia calmamente as escadas do auditório. Era Francisco Vivone, que chegava para assinar o cheque correspondente a 15% do valor total. O restante será pago em 12 parcelas. “Estamos iniciando um projeto de verticalização de nossas atividades”, explicava, enquanto todos procuravam saber quem era a empresa compradora de uma fazenda que já foi considerada exemplo de infraestrutura agrícola.

 

Bom de pasto: boas estradas e viadutos facilitam o manejo do rebanho de 100 mil cabeças do local

Comprada por Canhedo em meados dos anos 70, a fazenda Piratininga se localiza no município de São Miguel do Araguaia, no interior de Goiás, região valorizada por sua fartura de recursos naturais. Tanto que quatro rios cortam os mais de 130 mil hectares da propriedade. Para percorrer a fazenda, os visitantes cruzam os cerca de três mil quilômetros, o suficiente para ir de São Paulo até o Acre, por estradas de chão batido em perfeito estado. Além disso, viadutos e pontes foram construídos para facilitar o manejo dos animais. As instalações ainda contam com modernos armazéns e galpões. Uma estrutura que consumiu investimentos estimados em R$ 400 milhões. “Essa propriedade é uma joia, uma raridade nos tempos de hoje”, ressaltou um interessado na compra, que pediu para não ser identificado.

Estrutura: a propriedade é famosa por suas modernas instalações e infraestrutura

O empresário Wagner Canhedo, que até a véspera do leilão declarava estar tranquilo e garantia que “só um louco investiria tanto dinheiro numa propriedade com pendências judiciais”, por meio de seu advogado, Carlos Campanha, avisou que não iria se manifestar a respeito da venda. Falando no telefone, o advogado acompanhou cada passo do leilão e protagonizou uma das cenas mais tensas do evento, ao se aproximar dos novos donos da Piratininga, para questionar algumas pendências jurídicas. Segundo o advogado, haveria uma liminar que suspenderia os efeitos do leilão. “Vocês podem comprar, mas não vão levar até que tramite todo o processo. Espero que estejam bem assessorados juridicamente”, disse. Mal acabou a frase e a juíza Elisa Maria Secco Andreoni, responsável pela sentença que determinou a venda da fazenda, elevou o tom da voz e ameaçou dar voz de prisão ao advogado. “O senhor não pode tumultuar o leilão. O senhor sabe que pode sair preso desse auditório”, ameaçou a juíza, que garante não haver mais pendências para a venda da propriedade. “O caso já tramitou por todas as esferas. Existiu um pedido de liminar para suspender a venda, mas ele foi negado”, explicou.

Alheio aos problemas jurídicos e sem parecer se importar com as dúvidas que giram em torno de sua empresa, Vivone já faz planos para usufruir de sua nova propriedade. “Vamos fazer um levantamento para verificar as melhores formas de aproveitar aquela área. Mas temos certeza de que ela voltará a ser uma das fazendas mais produtivas do Brasil”, diz o empresário.