*José Luiz Rodrigues
é especialista em regulação, sócio da JL Rodrigues, Carlos Átila & Consultores Associados e conselheiro da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs (Crédito:Divulgação)

A quarentena ocasionada pelo novo coronavírus escancarou uma defasagem do mercado agro: a necessidade de modernização. Sancionada em abril, a MP do Agro, que já vinha sendo estudada há alguns anos, trouxe a base necessária para que o financiamento ao agronegócio entrasse no mundo digital. Entretanto, apesar do suporte legislativo, essas novas condições ainda não chegaram plenamente ao produtor rural por conta da regulamentação, que virá por parte do Banco Central, e da necessidade de reeducação dos envolvidos.

Hoje, diversas agtechs — startups que atuam no setor agro — oferecem tecnologias para auxiliar o produtor rural em processos burocráticos. Serviços como a emissão de títulos eletrônicos, assinaturas digitais e registros de garantias estão se consolidando no mercado para possibilitar ganhos de tempo e de dinheiro aos players do setor. Entretanto, integrar-se às novas tecnologias exige novos conhecimentos e, principalmente, estar aberto a novas dinâmicas.
Venho acompanhando de perto o trabalho de algumas agtechs que, além da implementação tecnológica, encontram como desafio romper o conservadorismo do mercado. Cito como exemplo a Bart Digital, de Londrina (PR). Ao criar uma plataforma própria para a gestão e registro da documentação necessária à estruturação de títulos do agronegócio, a Bart Digital identificou que não bastava a criação do sistema, mas também mostrar os ganhos que esse novo processo trará a todos os envolvidos. Por isso, começou a acionar produtores rurais, cooperativas, distribuidores de insumos e até cartórios para detalhar como a digitalização facilita processos — e, por isso, deve se tornar fundamental ao financiamento agrícola.

Em paralelo, vemos muitos setores sentindo-se ameaçados com o avanço tecnológico, como se o processo de modernização fosse extinguir estruturas profissionais. Ao contrário, a implementação digital só acontece com o envolvimento de todos os setores. É somente com a colaboração entre cartórios e startups, por exemplo, que agricultores e pecuaristas conseguem emitir títulos e realizar operações financeiras de forma digital. A cooperação é o caminho para a modernização do setor no País.

Vale destacar que o agronegócio não é o único setor tradicional que vem se modernizando: durante a pandemia, o Banco Central está mantendo, e até antecipando, o calendário de implementações tecnológicas que chegam neste ano ao mercado financeiro nacional, como o open banking e o Sistema de Pagamentos Instantâneos (PIX). O Bacen tem em mente que essas inovações exigirão um novo comportamento de empresas e consumidores e que é fundamental o fomento à educação financeira.

As alterações das normas relativas aos títulos do agronegócio, oriundas da MP do Agro, trouxeram novas possibilidades de financiamento ao setor, diminuindo também a necessidade de subsídios governamentais. Entretanto, a operacionalização destes novos instrumentos financeiros somente será possível com a modernização dos processos burocráticos.

Solucionar os gargalos operacionais no financiamento agrícola pode ser o primeiro passo para a geração de um sistema moderno, aberto e digital, capaz de impulsionar o elo entre os mercados agro e financeiro e criar, assim, um modelo de crédito competitivo e sustentável.