Com a expectativa de uma abertura no teto de gastos em 2022, parlamentares começaram a se articular para aprovar projetos à revelia da agenda do governo, aumentando despesas a partir do ano que vem. A folga na regra que atrela o crescimento das despesas à inflação, porém, pode ficar limitada caso a escalada dos preços não ceda até o fim do ano.

O Senado se encaminha para aprovar um projeto de incentivo ao setor cultural, batizado de Lei Paulo Gustavo, com impacto de R$ 3,9 bilhões. Na próxima semana, deve entrar na pauta a criação de um vale-gás para a população de baixa renda, com potencial de aumentar os gastos em até R$ 8,5 bilhões em ano eleitoral.

O governo tem pedido cautela aos congressistas e pressionado pela aprovação da PEC dos precatórios (dívidas judiciais) para abrir caminho a esses projetos e ao Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família. A equipe econômica e os articuladores do Palácio do Planalto têm colocado no parcelamento dessas dívidas tanto a solução para as promessas eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, quanto para o apoio à agenda dos parlamentares.

Botijão de gás

A chamada Lei Paulo Gustavo entrou na pauta do Senado na semana passada, mas foi adiada a pedido do governo, que prometeu apoiar a medida, mas, desde que seja aprovada a PEC dos precatórios. O projeto determina que a União entregará em 90 dias R$ 3,862 bilhões aos Estados e municípios para o setor cultural.

A proposta autoriza o uso do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura e outras fontes de recursos, mas não aponta redução de outras despesas, o que pode comprometer o teto de gastos. Além disso, o projeto retira o auxílio da meta de resultado primário, a diferença entre tudo o que o governo arrecada e gasto, sem contar o pagamento dos juros.

“O espaço fiscal que a solução para os precatórios pode trazer tem como objetivo algumas aberturas, como é o caso do reforço do Bolsa Família e o apoio a algumas outras medidas” , disse o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), relator da Lei Paulo Gustavo.

Na semana que vem, o Senado deve pautar um projeto criando um subsídio para a compra de gás de cozinha por famílias de baixa renda. A proposta do Programa Gás para os Brasileiros, de autoria do líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (MDB-AM), beneficia inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e estipula o auxílio na faixa de 40% a 100% do preço médio de revendo do botijão de 13 kg.

De acordo com o parecer do senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator da medida, tomando como base o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família e o preço médio do botijão de gás, a despesa anual será entre R$ 3,4 bilhões a R$ 8,5 bilhões, a depender do porcentual de subsídio concedido.

Dessa forma, o governo federal terá certa flexibilidade para ajustar o valor do benefício aos recursos disponíveis”, diz o relatório.

Gastos

A inflação deste ano, que afeta diretamente despesas obrigatórias de 2022, passou a ser uma das maiores preocupações do governo e pode reduzir o espaço para investimentos e projetos de interesse eleitoral. O Executivo enviou o Orçamento calculando um IPCA de 5,90% e um INPC de 6,20% em 2021. Na quinta-feira, o próprio governo aumentou a previsão do IPCA para 7,90% e do INPC para 8,40%. O Ministério da Economia deve encaminhar uma atualização dos parâmetros no dia 22 de novembro ao Congresso.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado projeta espaço de R$ 17,2 bilhões no teto em 2022. Se o governo não conseguir aprovar o parcelamento dos precatórios e terminar o ano com IPCA em 8% e INPC em 8,3%, ainda assim poderia ampliar o programa social. De acordo com a IFI, a PEC dos precatórios liberaria R$ 39,2 bilhões.

“Esse espaço da PEC dos precatórios é muito superior ao necessário para fazer o aumento do Bolsa Família ou financiar o Auxílio Brasil. A PEC viabilizaria isso, mas turbinaria os juros, o risco, a taxa de câmbio, prejudicando a dívida pública e na verdade implodindo o teto de gastos. Teria uma brecha para parcelar qualquer outra parcela obrigatória. A PEC é a pior das soluções na mesa”, disse o diretor executivo da IFI, Felipe Salto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.