Na década de 1950, a família de Alexandre Coccapieller Ferreira, 50 anos, no interior de São Paulo, já comprava boi magro, o engordava e vendia. Foi assim com o pai e com o avô de Alexandre, que hoje é dono da fazenda Tropical, em Brasilândia, em Mato Grosso do Sul. Por muito tempo, o pecuarista acompanhou as dificuldades financeiras e a pouca rentabilidade obtida pela família nessa lida simples com o gado. Por isso, formado em administração, Ferreira decidiu que era hora de mudar a forma de conduzir os negócios: a primeira providência foi melhorar as pastagens e implantar uma administração profissional nos oito mil hectares que herdou do pai, aos 22 anos de idade, juntamente com o irmão Albano, mostrando ganhos e perdas do sistema de criação. “Eu queria provar que era possível fazer uma pecuária lucrativa”, diz Ferreira. Hoje, com um rebanho de 11 mil animais, dos quais 4,1 mil são abatidos por ano, a fazenda é referência na região de Brasilândia. “Mas isso não basta, porque na pecuária é impossível parar de investir”, diz o criador.

Desde o ano passado, Ferreira se propôs um novo desafio: viabilizar no criatório a técnica da TETF, sigla para transferência de embrião em tempo fixo. A novidade que pecuaristas como Ferreira estão introduzindo na pecuária nacional é que a técnica da transferência de embriões, antes utilizada para replicar apenas animais de elite ou de programas de melhoramento, começa a ser uma ferramenta cada vez mais usada para produzir bezerros comerciais em larga escala destinados ao abate. “São animais para programas de carne premium, que conseguem até 10% de bônus no frigorífico”, diz Ferreira.

Para chegar a esse estágio, o pecuarista diz que foi preciso muito suor e persistência. Em 2002, quando decidiu cruzar seu rebanho de vacas comerciais com alguma outra raça para obter animais com maior ganho de peso e precocidade, a escolha foi a americana brahman, introduzida no Brasil em 1994. “A brahman mostrou uma adaptação excelente às condições brasileiras”, diz. Formado o rebanho de fêmeas brahman criadas no campo, além de um núcleo de elite que hoje representa 10% dos negócios do criador, Ferreira passou a inseminá-las com touros angus. O foco era obter animais superprecoces, que pudessem ser abatidos aos 15 meses com 19 arrobas (285 quilos de carcaça). “No gado comercial, importa o quanto ele rende no gancho do frigorífico e a qualidade de sua carcaça”, diz. “Na fazenda, os filhos de vacas brahman com angus são desmamados com 280 quilos.” Na pecuária tradicional, um animal está pronto para o abate entre 30 e 36 meses, o dobro do obtido na fazenda de Ferreira É esse modelo de criação que Ferreira quer, agora, disseminar em larga escala com a TETF. “Com a técnica vou atingir o que todo pecuarista e frigorífico deseja: padronização dos animais abatidos”, diz. Atualmente, a média de peso de 2,5 mil machos enviados ao abate é de 19 arrobas.

Entre eles, a cabeceira composta pelos superprecoces soma 500 animais. Mas com a TETF o criador pretende aumentar essa fatia. “Quero mandar para o JBS 1,5 mil superprecoces por ano”, diz Ferreira. “Tenho uma parceria com o frigorífico para abater meus animais dentro de programas como o Novilho Precoce, para fornecer carne para a Cota Hilton, por exemplo.” Mas a utilização da TETF ainda passa por grande desconfiança dos pecuaristas do País. “É o preço da novidade. Nem todo mundo se arrisca em novas tecnologias, até que elas se provem totalmente viáveis e acessíveis.” Maurício Barros, dono do laboratório Profiv, de Araçatuba (SP), especializado em fertilização, diz que, apesar dos custos até 15% mais altos da TETF, em relação aos da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), atualmente utilizada em cerca de cinco milhões de vacas por ano, as vantagens da nova técnica superam esses gastos. Segundo Barros, o protocolo de sincronização do cio das vacas é o mesmo nos dois sistemas, oito dias para que a aplicação do hormônio faça um animal ovular. Mas, enquanto na IATF o pecuarista precisa inseminar todas as vacas dois dias após a retirada desse dispositivo de sincronização, na TETF o produtor tem 15 dias para aspirar os oócitos apenas de suas melhores matrizes, mandá-los a um laboratório para que sejam criados os embriões com o sêmen do touro escolhido, e somente depois disso eles são implantados nas vacas “barrigas de aluguel”. “É essa escolha da fêmea e do macho que garante um aumento na taxa de nascimentos de animais geneticamente superiores”, diz Barros. “Na TETF não se aproveitam somente os 50% de genes do touro melhorador em grande escala, mas também a metade da genética das fêmeas superiores de um rebanho.” 

Na fazenda de Ferreira, que conta com 1,5 mil animais puros da raça brahman, a principal doadora de material genético para a TETF é a matriz Vitória 20, uma vaca que gerou muitas crias, hoje em rebanhos de seleção. Já o sêmen de angus melhorado é comprado da americana CRI Genética, de São Carlos (SP), que importa genética dos Estados Unidos. Paulo César Lourencetti, veterinário da fazenda Tropical, destaca outra vantagem do novo método: a economia das doses de sêmen. Na IATF, cada fêmea precisa de uma dose de sêmen, com chance de 50% de obter uma prenhez, ou seja, um nascimento a cada duas inseminações. Por isso, o preço do sêmen precisa ser barato para viabilizar a técnica. Na TETF, com uma dose de sêmen é possível fecundar 80 oócitos, células germinativas que originam os óvulos dos animais, com chance de vingar 25% de embriões, ou seja, 20 fecundações in vitro bem-sucedidas. Depois de implantados nas fêmeas, cerca de 45% ficam prenhes, o que equivale a nove nascimentos. Levando em consideração o preço de R$ 50 por dose de sêmen de angus de boa qualidade e sexada de macho, mais os serviços de laboratório e veterinário, o custo de uma TETF é cerca de R$ 120, ante R$ 90 da IATF (leia quadro). “Para o produtor de carne premium, só a utilização do sêmen sexado já viabiliza a TETF”, diz Lourencetti. “Nos programas de carne de qualidade, a maior remuneração dada pelos frigoríficos é justamente para os novilhos.” 

No ano passado, Ferreira utilizou a TETF em três mil fêmeas “barrigas de aluguel”, entre brahman comerciais e puras, com 42% de prenhez confirmada. As vacas não prenhes ainda passaram pelo processo de IATF, com uma taxa de 49% de prenhez, e as que sobraram foram cobertas por um touro. “Essa é outra vantagem do TETF, me sobra tempo para emprenhar as vacas com outros métodos”,  diz. A meta para 2015 é utilizar a TETF em quatro mil animais, com a expectativa de um pequeno ganho na taxa de prenhez, que poderá chegar a 45%, já que o processo estará totalmente incorporado ao dia a dia da propriedade. Para o futuro, Ferreira começa a planejar um novo passo: montar seu próprio laboratório para vender embriões de brahman-angus, um cruzamento ainda pouco explorado no País para a produção de carne. Nos programas de cruzamento industrial, a maior parte utiliza sêmen de angus na vacada nelore. “O Brasil possui um plantel de 250 mil brahman puros, e menos ainda de angus  puros”, diz Ferreira. “Quem sabe eu consiga realizar mais um desafio, disseminando o cruzamento brahman-angus em larga escala.”