Em 2008, um documentário exibido pela televisão francesa chamado O mundo segundo a Monsanto mostrava a fabricante americana de organismos geneticamente modificados (OGM), popularmente conhecidos como transgênicos, como um mal na história da produção de soja, milho e algodão. Naquele ano, dos 100 milhões de hectares cultivados com OGMs no mundo, 90% eram de produtos patenteados pela Monsanto. Nos últimos anos, a multinacional sediada em Saint-Louis, no Estado do Missouri, nos Estados Unidos, vem desenvolvendo um grande esforço para mudar essa imagem. Espécie de inimiga número 1 dos ambientalistas, a empresa resolveu contra-atacar utilizando a mesmíssima bandeira da sustentabilidade desfraldada por seus detratores, nos principais mercados para defensivos agrícolas e sementes, entre eles o Brasil. Na Bahia, por exemplo, a empresa está promovendo o reaproveitamento de resíduos e água e a preservação dos recursos naturais como parte do programa de modernização de sua fábrica de Camaçari, além de incentivar a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas lavouras do Cerrado do oeste baiano, com o projeto batizado de Produzir e Conservar.

Segundo Gabriela Burian, diretora global de ecossistemas agrícolas sustentáveis da Monsanto, nos Estados Unidos, o Brasil tem know-how para exportar o modelo de sustentabilidade que vem desenvolvendo. “Vamos mostrar a outros países que é possível dialogar com produtores e ambientalistas”, diz Gabriela. Entre esses países estão os Estados Unidos. Gabriela, que é brasileira, foi transferida para Saint-Louis em setembro do ano passado para assumir a reformulação da política mundial da empresa na área socioambiental. “Queremos dobrar a eficiência dos nossos produtos até 2030, reduzindo em um terço o uso dos recursos naturais”, afirma Gabriela. “Os resultados obtidos até agora estão nos ajudando a orientar os investimentos.”

O projeto Produzir e Conservar da Monsanto começou em 2008, e vem ganhando visibilidade em função da aprovação do novo Código Florestal. Na região de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, o projeto está regenerando a vegetação do Cerrado em Áreas de Preservação Permanente (APPs) de oito fazendas. Já foram investidos US$ 13 milhões em ações educativas desse projeto, que é realizado em parceria com a ON G americana Conservação Internacional (CI).

Segundo Georgina Cardinot, gerente do programa Cerrado- Pantanal da CI Brasil, o sistema utilizado para restaurar as áreas de APP usa uma técnica chamada muvuca. Ela consiste em fazer o plantio mecanizado, no qual são plantadas de uma só vez as várias espécies nativas da região do Cerrado. Com a muvuca, um hectare regenerado pode custar apenas  R$ 3 mil, ante R$ 20 mil exigidopelo plantio manual. “Hoje, apenas para as sementes aladas é utilizado esse sistema de plantio”, diz Georgina. Por causa da delicadeza das sementes de algumas árvores, entre elas o ipê amarelo, há o risco de que elas se quebrem com o uso de máquinas. “Essa iniciativa é uma vitrine para mostrar ao produtor como ter sucesso na restauração florestal”, diz Georgina.

O produtor de soja e milho Vilson Gatto foi o primeiro a apostar na iniciativa da CI-Monsanto, em 2011. “Por ter aderido ao projeto, vou deixar uma boa herança para meus filhos e netos”, diz Gatto. Na fazenda Liberdade, que ocupa uma área de 2,6 mil hectares, Gatto tinha apenas três hectares de APP que, segundo ele, já estavam degradados quando adquiriu a propriedade, em 1998. Para Valmir Ortega, diretorsênior de política da CI, exemplos como o de Gatto mostram que a parceria com a Monsanto tem criado uma rede de confiança que incentiva ações para a conservação da biodiversidade na agropecuária. “A região do Cerrado baiano é muito pressionada pelo agronegócio e o que existe de mata nativa precisa ser preservado”, diz Ortega. “Daqui para a frente, com as novas leis ambientais, o desafio será restaurar mais de um milhão de hectares de florestas por ano no Brasil.”

A Monsanto também vem fazendo a lição dentro da própria casa. Os projetos que visam a economizar água, tratar resíduos industriais e melhorar os processos industriais acontecem em Camaçari, a 50 quilômetros da capital Salvador, na unidade de produção da matéria-prima para um de seus defensivos agrícolas mais conhecidos, o herbicida Roundup. Até 2017, a Monsanto vai investir R$ 47,6 milhões para modernizar a unidade. Com o investimento, a unidade voltará a trabalhar com 100% de sua capacidade e produzir 102 mil toneladas por ano do composto químico chamado glifosato intermediário. A fábrica passou por uma crise entre 2008 e 2010, quando produtos chineses similares invadiram o País e tiveram um salto de participação no mercado nacional, de 13% para 67%. Na época, mais de dez empresas que fabricavam o glifosato no Brasil fecharam as portas. No caso da Monsanto, a consequência foi operar com 85% de sua capacidade de produção.

O investimento nessa fábrica é a continuação de um processo que começou em 2007, com a recuperação do ácido clorídrico (HCl), um subproduto industrial que era neutralizado com a adição de soda cáustica e depois enviado para uma estação de tratamento de efluentes. “Com a recuperação desse ácido sem soda cáustica, economizamos R$ 600 mil por mês”, diz Ettori Rossi, gerente de saúde, segurança e meio ambiente da Monsanto. “Além disso, deixamos de enviar 20 mil toneladas de efluentes para tratamento nos últimos seis anos.” Outra economia de R$ 25 mil por mês é feita através do reaproveitamento da água da chuva. Em 2010 foram construídas canaletas por toda a fábrica e um reservatório com capacidade para 11 mil metros cúbicos de água que, depois de tratada, é usada no processo industrial. “Economizamos mais de 150 milhões de litros desde o início do projeto”, afirma Rossi. “O volume poderia atender uma cidade de 33 mil habitantes por um mês.” Além disso, nos últimos dois anos a Monsanto reflorestou o entorno da fábrica com 20 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. Entre as espécies plantadas está a camassary. “Ela é a árvore que deu origem ao nome da cidade e era muito comum na região”, diz Rossi. Segundo o gerente-geral da fábrica, Gilmar Beraldo, os projetos com foco ambiental devem continuar. “Eles são importantes para ganharmos competitividade e reduzir custos”, diz. “A meta é modernizar e preparar nossa unidade para o crescimento.”