A pós produzir uma safra de 47 milhões de toneladas de soja em 2013, volume 15% superior ao da safra de 2012, a argentina de 2014 não é mais a mesma. A expectativa para a atual colheita é não repetir esse desempenho. Os agricultores do país estão em pé de guerra com o governo da presidente Cristina Kirchner, e a bronca não é de hoje. Desde 2002, a política de “retenciones” (taxas) nas exportações para os principais cereais cultivados e para a soja vem testando a paciência do homem do campo daquele país. No segundo semestre do ano passado, a crise quase se agravou depois que a muy amiga Cristina tentou elevar de 35% para 40% a taxa do imposto de Valor agregado (iVa). As “retenciones” renderam ao governo quase uS$ 9 bilhões no ano passado. Para conferir os efeitos do governo Kirchner no campo, uma equipe de técnicos da associação brasileira dos Produtores de Soja (aprosoja brasil), coordenada pelo presidente Glauber Silveira, esteve na argentina no fim de fevereiro e início de março visitando produtores e entidades, como parte final da expedição anual Soja brasil. A DINHEIRO RURAL acompanhou com exclusividade a incursão pelas lavouras de los hermanos. “O que acontece na argentina impacta de forma significativa nas vendas da oleaginosa do Brasil”, diz Silveira.  “Afinal, diferentemente de nós, eles vendem 99% da soja que produzem.” Walter Tossi, dono da fazenda Crezco, de mil hectares em Venado Tuerto, o município agrícola mais rico do país, chamado “la capital de la soja”, é um dos produtores insatisfeitos até a raiz dos cabelos. Parece que o orgulho de ser um exportador de grãos com vocação natural para o negócio está perdendo força. Além de receber pela soja um preço abaixo do que remunera o mercado mundial da oleaginosa, Tossi vem diminuindo a área plantada nos últimos anos. O produtor cultivou apenas 500 hectares nesta safra, que representa uma área de apenas 6% da cultivada em 2011, época em que ainda arrendava terras pensando em aumentar a produção. “Poderia produzir muito mais soja do que estou colhendo, caso não tivesse de pagar um imposto tão alto”, diz. “O governo está sufocando os produtores, vamos quebrar.” Segundo Tossi, o IVA pago com base nos preços da bolsa de Chicago, somado às taxas sobre os insumos agrícolas, mão de obra e transporte, eleva a mordida do leão argentino a um patamar que pode deixar uma margem de apenas 5% de lucro ao produtor. Essa margem apertada pode transformar a atividade que mais traz lucro aos agricultores no mundo em um grande prejuízo para os argentinos que se arriscam no campo. “Viramos sócios do governo, mas sem direito a retiradas”, diz Tossi.

Outro produtor da região, Jorge Grizi, dono da fazenda la beatriz, de três mil hectares, tomou uma medida drástica na tentativa de minimizar os efeitos do alto imposto sobre as finanças de seu negócio: demitiu todos os funcionários da fazenda, restando apenas os oito membros da família para tocar a lavoura. “Ou eram eles, ou era eu que ia para a rua”, diz Grizi. “Mesmo assim, ainda estamos com dificuldade para conseguir uma margem de lucro sustentável.” Como última tentativa, o agricultor resolveu que daqui para a frente não investirá mais em melhorias na lavoura, armazéns, maquinários ou na ampliação de área, como havia feito em anos anteriores. Para Grizi, o principal efeito colateral da falta de apoio interno à produção é perder competitividade no mercado internacional, no qual a Argentina é o terceiro maior exportador, atrás de Estados Unidos e Brasil. “Não consigo vender minha soja, e o Brasil está vindo com uma safra assustadoramente grande”, diz. “Como vamos competir, produzindo cada vez menos?” No mês passado, ????a tonelada de soja na argentina era de uS$ 450.

Para os produtores argentinos não há saída fácil. Por isso, mesmo levando em consideração as agruras provocadas pelo governo Kirchner, somadas ainda à baixa competitividade de outras culturas, como trigo e milho, a opção que restou para o agricultor do país foi continuar plantando a oleaginosa, ainda que com as margens sufocadas para esta safra. Sebastián Gavaldá, representante da asociación argentina de Consorcios regionales de experimentación agrícola (aacrea), prevê que a safra do país deve ficar em 50 milhões de toneladas, apenas 6% acima em relação à safra colhida no ano passado. “Esse avanço é pífio perto do potencial do país”, diz Gavaldá. “Poderíamos manter o crescimento médio de 15% ao ano, no volume de produção, especialmente nas áreas de pastagens que foram degradadas pelo gado.”

Do lado de fora da porteira, o reflexo da taxação abusiva do IVA não é diferente. Na comercializadora e exportadora de grãos Cargill Argentina, por exemplo, apesar da colheita um pouco mais encorpada, o volume de exportação do complexo soja da empresa deve ser o mesmo de 2013. A previsão é repetir os cerca de três milhões de toneladas vendidas, segundo Juan Manuel limbert, diretor de logística da Cargill Argentina. “Já chegamos a exportar oito milhões de toneladas em uma única temporada”, diz Limbert. “Hoje, com a política de impostos do país, acho improvável voltar a esse volume.”

Outro grupo prejudicado pela taxação do governo Kirchner foi o El Tejar, um dos mais importantes do agronegócio Argentino. Dos 960 mil hectares que plantava em vários países da américa latina, dos quais 300 mil na argentina e 340 mil no brasil, restaram apenas 200 mil hectares, incluindo o Uruguai. Na Argentina, o grupo não plantou um único pé de soja. Há outras grandes empresas que seguiram o mesmo caminho, como o grupo Los  Grobo, que plantava 170 mil hectares e neste ano plantou 50 mil, e o grupo Molinos, que cultivava 150 mil hectares e que também não plantou nada nesta safra. “Esses grupos não voltarão a plantar soja enquanto a situação permanecer a mesma”, diz Silveira, da Aprosoja.