Neste mês, representantes brasileiros do Ministério da Saúde têm um compromisso importante em Genebra, na Suíça, durante a 71ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS), agência subordinada à Organização das Nações Unidas. O período de 21 e 26 de maio, data do evento, pode se tornar um marco na história do controle de antibióticos no País. Isso porque o Brasil vai apresentar o seu Plano de Ação Nacional para Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos. Para acompanhar a saúde animal, o Ministério da Agricultura (Mapa) criou no ano passado o Programa Nacional de Prevenção e Controle de Resistência a Antimicrobianos na Agropecuária (AgroPrevine), que coloca o País em linha com o que vem ocorrendo no resto do mundo há mais de uma década no controle efetivo do uso de antibióticos. A tendência global é de permitir o medicamento apenas para o tratamento de enfermidades dos animais destinados ao consumo humano, abolindo o seu uso como promotores de crescimento e de engorda, principalmente de bovinos, suínos e aves.

“Uma das ações do AgroPrevine é trabalhar na avaliação de como aumentar a supervisão veterinária para o uso de antibióticos” Suzana Bresslau, auditora do Mapa

Mas a questão não é tão fácil de ser resolvida. Os promotores de crescimento melhoram a conversão alimentar dos animais, elevando os ganhos de produtividade. Por esse motivo, a eliminação deles da dieta enfrenta resistência dos produtores. “Alguns promotores de crescimento são fundamentais para a produtividade e a sustentabilidade da produção brasileira”, afirma Luis Eduardo Pacifice Rangel, secretário de Defesa Agropecuária do Mapa. De acordo com Rangel, o alinhamento do Mapa com o Ministério da Saúde tem como base a adoção da estratégia global pregada pela OMS de controle de resistência microbiana, que analisa o conceito de análise de riscos. “Se o risco tiver correlação com a questão terapêutica humana, o produto será substituído”, afirma. A OMS tem realizado alertas globais e frequentes para que os fazendeiros reduzam a aplicação de antibióticos em animais que não estejam doentes. Estudos mundiais mostram que o uso indiscriminado de antibióticos podem fazer mais mal do que bem para a economia. De acordo com o economista inglês Jim O’Neill, chefe de pesquisa do banco de investimento Goldman Sachs, esses medicamentos usados de forma inadequada poderão causar cerca de dez milhões de mortes em humanos, entre 2020 e 2050, ao custo de US$ 100 trilhões, neste período.

“Estima-se o uso mensal de duas mil toneladas somente de adsorventes de micotoxinas no Brasil” Sergio Rezende, diretor daYes Brasil (Crédito:Divulgação)

Esse tipo de alerta vem trazendo modificações nas legislações sanitárias de muitos países. Os antibióticos como promotores de crescimento foram proibido na Europa em 2006. Os Estados Unidos aderiram em 2016. Países como o Vietnã, a Tailândia, a Indonésia, as Filipinas e a Coreia do Sul determinaram o seu banimento até o fim deste ano. Para Ariovaldo Zani, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Ração Animal (Sindirações), o banimento dos antibióticos esbarra no aumento do custo de produção, que seria imediato. “A proibição imediata resultaria em um custo de produção adicional de R$ 1 bilhão ao setor”, afirma Zani. “Ela também afetaria de imediato a conversão alimentar e o ganho de peso dos animais. Precisamos de um caminho para a mudança no manejo dos animais.” Hoje, 12 antimicrobianos são autorizados pelo Mapa como melhoradores de desempenho.

CONTROLE O que é, afinal, o Plano de Ação Nacional para Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos, que será apresentado em Genebra? Dividido em três partes, o plano trata de estratégias, operações e monitoramento para os próximos cinco anos, quando ele será revisto. No caso da agropecuária, o Mapa se compromete a realizar intervenções estratégicas no mercado. Entre elas, estudos epidemiológicos, medidas de prevenção e promoção do uso racional dos antimicrobianos. A auditora fiscal federal do Mapa, Suzana Bresslau, coordenadora de Programas Especiais do Mapa, diz que as ações previstas estão em linha com as instituições internacionais. “Estamos comprometidos com a implantação do plano”, diz Suzana. “Uma das ações do AgroPrevine, por exemplo, é trabalhar na avaliação de como aumentar a supervisão veterinária para o uso de antibióticos.” Hoje, esses medicamentos não têm suas receitas retidas nas lojas de produtos veterinários, como corre na prescrição para humanos desde o fim de 2010.

Seletivo: para Marcos Batista, proprietário da Frango Caipira do Campo, do Paraná, o consumidor está disposto a pagar mais por um produto livre de antibióticos (Crédito:Divulgação)

Os antibióticos começaram a ser utilizados, na década de 1950, na alimentação de aves, suínos, bovinos e peixes. Foi somente a partir dos anos 1990, em função de críticas ao uso indiscriminado, que surgiram os aditivos, como probióticos, prebióticos, ácidos orgânicos, enzimas, fitoterápicos e óleos essenciais. Passaram a fazer parte da dieta dos animais como suplementos ou superalimentos. Esses produtos estimulam a produção de bactérias positivas, dificultam o desenvolvimento de bactérias nocivas, melhoram a digestibilidade e fortalecem o sistema imunológico do animal. Não por acaso, as multinacionais e empresas nacionais de produtos veterinários que atuam no País, como DSM Tortuga, Bayer, Ouro Fino e Boehringer Ingelheim têm promovido uma corrida aos produtos sem antibióticos nos últimos anos. A americana Alltech e a brasileira Yes, que, em 2013, foi adquirida pelo fundo de investimento argentino Aqua Capital, só possuem esses produtos. Elas estão em busca de atender usuários como a Frango Caipira do Campo, de Ivaiporã (PR), a maior produtora de aves caipiras do Brasil, criada em 2001, que abate 720 mil aves por ano. “O consumidor está disposto a pagar mais por um produto livre de antibióticos”, diz Marcos Batista, proprietário da empresa. O executivo afirma que há cerca de quatro anos tem ocorrido uma revolução nas indústrias de insumos que passaram a desenvolver cada vez mais produtos alternativos.

De acordo com Felipe Fagundes, gerente nacional de aves da Alltech do Brasil, as grandes indústrias exportadoras de carnes também trabalham para abolir o uso de antibióticos na criação, ou para ter o seu uso restringido. Isso tem criado ainda mais demanda por produtos alternativos. Mas, em sua opinião, essa transição apresenta alguns desafios. Entre eles estão o manejo para o bem estar animal e a prevenção de doenças, como a coccidiose e as salmoneloses. “A proibição, no caso de aves, resultaria em mais lesões”, diz Fagundes. “No entanto, é possível produzir aves e suínos com o uso de tecnologias e menos antibióticos.” Mas não é somente isso. Para Sergio Rezende, diretor comercial da Yes Brasil, o maior entrave para o banimento dos antibióticos como promotores de crescimento é a dependência de seu uso em doses contínuas e subterápicas na dieta animal. “Não há dados sobre o uso de promotores de crescimento, mas estima-se o uso mensal de duas mil toneladas somente de adsorventes de micotoxinas no Brasil”, diz ele. Os adsorventes inativam as substâncias tóxicas da ração animal, produzidas por fungos.