O veterinário Maurício Silveira Coelho é o maior fornecedor de leite da multinacional francesa Danone, uma das marcas globais mais conhecidas no País. Mas ele não faz apenas isso. Coelho é um fiel fornecedor da Danone há 13 anos ininterruptos. Sócio da fazenda Santa Luzia, de 900 hectares, em Passos (MG), que pertence ao grupo Cabo Verde, controlado por sua família, ele vai entregar neste ano 14 milhões de litros, ou 38,3 mil litros diários, volume 37% superior ao ano passado. A receita prevista é de R$ 22 milhões, tomando por base a venda do litro de leite pela média de R$ 1,57. O valor é 20% superior à média estadual, comparada ao acumulado neste ano, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq), de Piracicaba (SP). Os ganhos mais robustos não são somente uma concessão da multinacional. Coelho é considerado no setor do agronegócio uma referência na criação de gado leiteiro da raça girolando, em sistema intensivo. Ele faz um alto aproveitamento de pasto com confinamento chamado compost barn, um tipo de instalação no qual as vacas ficam soltas em um galpão, com água e comida à disposição. O compost barn foi construído em 2015, mas o interesse pela genética leiteira e o manejo caprichado começaram bem antes, lá nos idos de 1950. Hoje são 170 hectares irrigados e bem fertilizados, por onde passam 1,4 mil animais. No confinamento ficam 600 fêmeas. “Muitas fazendas de leite estão no mesmo nível das propriedades dos Estados Unidos ou da Europa”, diz Coelho. Ele tem razão. Há um grupo de propriedades que não perdem em nada para o que existe de mais moderno no mundo. Mas também há muito trabalho a fazer, porque a maior parte das propriedades leiteiras ainda são ineficientes. E isso afeta o desempenho das empresas processadoras de lácteos, como a Danone e também outras multinacionais, como a suíça Nestlé e a francesa Lactalis.

 

Bem estar: o produtor Valmir Teixeira, da fazenda Matão, em Caldas (MG), está investindo cerca de R$ 2 milhões em estruturas de confinamento do gado e produção de energia (Crédito:Divulgação)

Elas estão dispostas a mudar esse cenário. Todas têm desenvolvido projetos para estimular saltos de produtividade no campo. O laticínio mineiro Catupiry entrou nesse time este ano.

Dona de um faturamento global de € 24,7 bilhões em 2017 (12,5% a mais que em 2016) e presente em 120 países, a Danone está há cerca de cinco anos numa cruzada para a transformação da cadeia produtiva do leite com projetos de qualificação do produtor. Essa revolução começou no município de Poços de Caldas (MG), onde está a maior operação de lácteos da empresa. No maior Estado produtor de leite do País – no ano passado foram 8,9 bilhões de litros, 26,6% da produção nacional –, Poços de Caldas está na crista da onda em produtividade. Na última década, o rendimento dobrou, chegando a 3,9 toneladas por vaca ao ano. Isso é 43,8% a mais que a média estadual e pode subir ainda mais. “É da região que compramos o melhor leite que existe”, afirma o advogado Wilson Mello, vice-presidente de assuntos corporativos da francesa Danone. “Há muito espaço para tornar a produção cada vez mais eficiente no campo.”

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O esforço é para elevar a produtividade média anual de leite por vaca. Segundo o IBGE, ela é hoje de 1,6 tonelada. Pelo ranking de países da alemã Rede Internacional para a Comparação de Fazendas de Leite (IFCN, na sigla em inglês), o Brasil está em 20º lugar, bem distante dos Estados Unidos, o líder mundial em rendimento com 9,9 toneladas por vaca por ano. Depois vêm o Canadá, com 9,3 toneladas, a Holanda, com 8,9 e o Reino Unido, com oito toneladas anuais de leite por vaca.

Da vaca ao pote: uma das salas de ordenha da fazenda Santa Luzia, do grupo Cabo Verde (à esq.) de onde sai parte do leite processado pela francesa Danone, comandada no País por Wilson Mello (abaixo) (Crédito:Divulgação)

Para aumentar a produtividade, a Danone desenvolve cinco programas (de ajuda técnica, gestão administrativa e comercial) com 213 produtores de São Paulo, Minas Gerais e Ceará que fornecem diretamente o leite para os dois laticínios da empresa – além do de Poços de Caldas, a empresa possui outro em Maracanaú (CE). A captação total foi de 378,6 milhões de litros no ano passado, mas a companhia não está só atrás de volume e sim de um leite mais rico em gordura e proteínas. “Exigimos mais porque a gente precisa de algo muito diferenciado em nossos produtos”, afirma William Alves, diretor de compras da Danone. “Isso é o que faz render a produção de iogurtes, que é o carro-chefe de lácteos da empresa.”

Não é por acaso essa onda para criar um relacionamento mais próximo com o produtor. Num setor que movimenta cerca de R$ 100 bilhões anuais no País, o cenário é de uma classe de produção bem mais enxuta, segundo o economista e chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora (MG), Paulo do Carmo Martins. “Está ocorrendo uma revolução silenciosa no campo”, diz Martins. “O tirador de leite está sendo expulso do mercado e sendo substituído por empresários do leite.”

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Em 2006, dos cerca de 1,3 milhão de produtores de leite do País, cerca de 900 mil comercializavam o alimento. Dentre 1,2 milhão de produtores identificados no Censo Agropecuário 2017, há indícios de qie apenas 600 mil vendam efetivamente o leite. As projeções fazem sentido para o agrônomo Marcelo Pereira de Carvalho, diretor executivo da consultoria AgriPoint, de Campinas (SP). “Cresce na atividade os que investem em infraestrutura, tecnologia e em qualidade da produção”, diz Carvalho. “Esse produtor é quem está modernizando a atividade.” É justamente esse perfil que sustenta as projeções de crescimento da produção. Em dez anos, o País sairá de 33,5 bilhões de litros de leite para 48,1 bilhões.

Nesse time está também Valmir Roberto Teixeira, 48 anos, da fazenda Matão, de 220 hectares, em Caldas (MG). Teixeira segue à risca a onda de investimentos e é também um dos produtores de referência para a Danone. “Quem não investe, regride”, diz ele. “Produzir melhor e com mais qualidade é tudo que eu quero.” O produtor já investiu cerca de R$ 1,5 milhão em novas unidades de armazenamento de leite e um compost barn para o rebanho de 115 vacas em lactação. Além disso, Teixeira já está em vias de instalar um sistema de geração de energia solar, por mais R$ 400 mil. Este ano, o produtor espera chegar a 1,2 milhão de litros e ganhos de cerca de R$ 300 mil.

Mantendo o padrão: para Sanchez, da Catupiry, é essencial o relacionamento com os produtores para obter a melhor matéria-prima. Ela é parte do segredo que sustenta a fabricação de requeijões e queijos da empresa (Crédito:Kelsen Fernandes)

Senhora A melhoria gradual na qualidade do leite é um dos opbjetivos da mineira Catupiry, de Lambari (MG), fundada pelo casal de imigrantes italianos Mário e Isaíra Silvestrini. A empresa completou 107 anos neste mês de novembro e desde 1949 está sediada na capital paulista. A Catupiry conduz a produção de requeijões e queijos em quatro laticínios. Dois nos municípios do interior paulista de Bebedouro e Santa Fé do Sul, e os demais em Doverlância (GO) e Santa Vitória (MG). Hoje, a empresa está nas mãos de seis famílias herdeiras dos Silvestrini, mas é presidida por um trio de executivos: Vilson Sanchez, superintendente financeiro; Ricardo Romano, gerente de fábrica; e Manoela Victal, gerente comercial e de marketing. Este ano, o trio deu o pontapé inicial em um projeto piloto para dar apoio técnico a 300 do total de mil fornecedores de leite. Para Sanchez esse auxílio é o que norteará os ganhos da empresa. “É essencial ter um leite de qualidade”, diz Sanchez. “Isso permite um produto de qualidade também.” A empresa, que faturou R$ 400 milhões em 2017, espera ganhos de cerca de R$ 440 milhões este ano.

Dentro de um plano de investimentos de cerca de R$ 5 milhões para este ano, grande parte para a modernização das fábricas, está também a contratação de três veterinários que estão atendendo exclusivamente esse primeiro grupo de produtores. O plano, segundo Ricardo Romano, é aumentar o grupo de produtores atendidos conforme for surtindo os resultados no campo. Além de garantir mais proteína e gordura, a meta do projeto é elevar a captação anual de 94 milhões de litros para 150 milhões de litros nos próximos cinco anos. “Uma coisa sensacional é quando se reúne os produtores, e perguntamos qual é o melhor investimento do agronegócio”, diz Romano. “Eles falam tudo menos leite.”

O projeto quer por o fim nessa mentalidade até porque a empresa já vislumbra uma maior necessidade de leite lá na frente e quer manter seu padrão. Não é para menos que sua marca, no imaginário do consumidor, se tornou reconhecida como uma alta categoria de requeijão. “Mas queremos ir além disso”, diz Manoela. mostrar que Catupiry não é só requeijão, mas uma marca alimentos.” A empresa passa a apostar em pratos prontos, salgados e doces feitos com os requeijões que produz.