No começo dos anos 1980, reunido com um grupo de amigos em um restaurante elegante da avenida Paulista, em São Paulo, o empresário José Carlos Cepera, dono da Pluri, da área de serviços de segurança, ouviu de um deles o conselho para que investisse em terras, no interior do País, lucrando posteriormente com a revenda. Para alguém capitalizado como ele, embora sem nenhuma tradição anterior no campo, tratava-se de um desafio interessante e Cepera resolveu levar a sugestão adiante. Ele só não imaginava que o interesse fosse tão duradouro, a ponto de passar a atuar também como produtor rural. Três décadas mais tarde, a fazenda São Paulo, nome dado à propriedade em homenagem à capital paulista, onde nasceu, é constituída por um conjunto de três propriedades que somam 10,7 mil hectares em Minas Gerais. A mais antiga está localizada no município de Oliveira, no sul do Estado. Considerada o coração de seu negócio, a fazenda, que recebeu um investimento inicial de R$ 500 mil em dinheiro de hoje, se transformou em um patrimônio de R$ 80 milhões e num estabelecimento modelo para seus vizinhos. “Na São Paulo, até a energia utilizada é produzida em casa”, diz Cepera. Em Minas, a fazenda é uma das pioneiras na geração de energia através de biodigestores, um passo importante para uma produção ambientalmente sustentável. “Minha meta sempre foi gerir a fazenda como se fosse a minha empresa”, diz Cepera. “Tinha de aproveitar o máximo possível do espaço com atividades para ter lucratividade e baixo custo de produção.” Atualmente, a São Paulo tem capacidade de produzir por ano 2,5 milhões de metros cúbicos de gás, mas está investindo para chegar a 3,6 milhões até 2017. “A meta é zerar a conta de energia elétrica”, diz Cepera. 

Para este ano, o faturamento previsto para a fazenda São Paulo é de R$ 72 milhões, crescimento de 2,5% em relação a 2013. Pode parecer pouco, mas esse desempenho equivale a oito vezes o que a economia brasileira deve crescer neste ano. O segredo de Cepera, desde que comprou o primeiro pedaço de terra, foi ter se tornado um fazendeiro de mão cheia e versátil. Em Oliveira, onde desenvolve o projeto dos biodigestores, ele cultiva café e cria suínos, como atividades principais, faz um pouco de pecuária de corte e planta eucalipto. Já nas propriedades de Bonfinópolis e Riachinho, no noroeste mineiro, compradas em 1993 e 1995, respectivamente, Cepera cultiva milho, soja, sorgo, feijão e faz a integração pecuária-floresta. “Nem parece que já se foram 32 anos”, diz o empresário. “Já cheguei até produzir leite, mas não deu certo. Só com suínos e café tive melhores resultados”. A mudança de rota o levou a tornar-se um produtor de café gourmet tipo exportação, o que garante prêmios por qualidade. A lavoura de 800 hectares rende cerca de 26 mil sacas de 60 quilos por safra. Na produção de suínos, que conta com cinco mil porcas na criação, Cepera abate dez mil animais por mês, o equivalente a um milhão de quilos de carcaça suína. Além disso, os suínos são os atores principais na geração de energia. 

Energia

O esquema de integração da suinocultura com a cafeicultura, aproveitando resíduos que geralmente são jogados no ambiente e que podem causar poluição, sustenta as necessidades de energia elétrica da fazenda – principal insumo dos biodigestores – e também a demanda por fertilizantes da propriedade. Assim, o que era um pesado passivo ambiental se tornou um ativo importante. Com os biodigestores, Cepera mantém uma oferta farta de adubo para o cultivo de café e para os 300 hectares de pastagens, nas quais são recriados e engordados 1,3 mil bovinos, por ano. “Sem contar que os biodigestores fazem o bem-vindo sequestro de metano da natureza, que é 21 vezes mais poluente que o gás carbônico”, diz Cepera. A produção mensal de dez mil suínos gera um volume líquido anual de dejetos de cerca de 106 mil metros cúbicos. Para se ter uma ideia do que isso significa, esse volume seria capaz de encher 2,6 mil carretas de três eixos. Com a instalação de biodigestores, todo esse material se transforma em gás metano, biofertilizante (composto de chorume) e fertilizante orgânico (parte sólida dos dejetos dos suínos e descarte do café). No País, a tecnologia de biodigestores passou por altos e baixos desde o início dos anos 1980, época em que foi apresentada por pesquisadores como alternativa energética. Mas foi só a partir de 2000 que a técnica deslanchou, com a criação de um mercado mundial para crédito de carbono. Naquela época, países ricos como Alemanha, França e Canadá começavam a remunerar iniciativas despoluidoras. Muitas empresas entraram nessa onda, como foi o caso da canadense AgCert International Limited. “Ela bancou as instalações e, em contrapartida, ficava com 90% da venda dos créditos”, diz Cepera. “Os 10% restantes eram nossos”. Segundo ele, nesses três anos a parceria rendeu R$ 200 mil. 

Com a crise econômica mundial, a partir de 2008, o iniciante mercado de carbono praticamente sumiu do mapa, mas na fazenda São Paulo tudo continuou como antes. “A parceria serviu para nos colocar definitivamente nessa seara”, diz Cepera. “Nós também decidimos que era hora de investir.” A decisão de substituir a energia elétrica pelo  uso do biogás estava começando a baixar, gradualmente, o custo de produção da fazenda. Atualmente, os 2,5 milhões de metros cúbicos de gás gerados atendem o sistema de aquecimento das baias dos porcos, especialmente as dos lotes de recém- nascidos e dos leitões desmamados. No café, o biogás serve à secagem dos grãos. Além disso, há uma cogeração de energia elétrica de cerca de 42 mil quilowatts por mês. “Saímos de um gasto mensal de R$ 90 mil em energia, em 2009, para R$ 60 mil neste ano”, diz Cepera. Pelas contas de Gilmar da Silva Rodrigues, diretor de produção da fazenda, só com a economia gerada, a propriedade garante uma receita líquida anual de R$ 245 mil. “De outra forma, teríamos um custo adicional de R$ 367 mil para dar o destino correto aos dejetos”, diz Rodrigues. 

Para chegar à autossuficiência energética nos próximos dois anos, Cepera montou um plano. Atualmente, a fazenda consegue aproveitar cerca de 60% do biogás produzido. Os 40% restantes são literalmente queimados. Para isso, o plano é investir mais nas instalações. De acordo com Jair Cepera, diretor- técnico da fazenda e irmão de José Carlos, uma nova rede de tubulações deve garantir o aumento de captação do biogás. “Quando chegarmos a 3,6 milhões de metros cúbicos de gás, atenderemos a toda nossa necessidade de cerca de 200 mil quilowatts mensais de energia”, diz Jair. O investimento, que começa a sair do papel, é de R$ 2 milhões. Com ele serão instaladas duas turbinas geradoras de energia elétrica no lugar do atual equipamento. “Quando tudo estiver funcionando, entraremos numa outra dimensão na gestão das fazendas”, diz Cepera. “Sem falar que preservar o ambiente será cada vez mais um valor de mercado.”