Quando, em 12 de abril de 2021, Basf, Bayer, Corteva e Syngenta submeteram o processo de criação da primeira joint venture mundial para a cobrança de royalties sobre a soja transgênica, não esperavam que a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fosse vir tão cedo. Mas veio. No dia 18 de junho, o conselheiro relator Alessandro Octaviani Luis deu aval ao projeto inicialmente batizado de Cultive Biotec. Em seu parecer, afirmou que “a existência de um sistema de cobrança de royalties efetivo é condição fundamental para a atuação de empresas desenvolvedoras de tecnologia no Brasil e, inclusive, para o desenvolvimento de um mercado de biotecnologia nacional”. Dessa forma, a entidade entendeu que a criação da nova JV não constitui em nenhuma ameaça à livre concorrência, mesmo sendo as empresas que a compõem concorrentes entre si.

Ponto para as quatro gigantes do agro que desenharam a nova companhia com o objetivo de, segundo o processo apresentado ao Cade, “desenvolver um sistema de reconhecimento de propriedade intelectual para o monitoramento e retenção de royalties de biotecnologia não recolhidos sobre grãos de soja”. Em última instância, a empresa seria responsável “por testar os carregamentos de soja entregues pelos agricultores, monitorar, reportar as vendas, operar o call center, auditar e reter os royalties não pagos nos pontos de entrega de soja (‘points of delivery – PODs’) dos agricultores ilegais”. Ou seja, como toda a produção seria reportada, a pirataria seria inibida. Já o modelo de pagamento unificado, segundo Silvia Fagnani, diretora executiva da Cultive Biotec, irá assegurar uma cobrança justa ao produtor mesmo diante da entrada de novos fornecedores. “Como não seria possível quantificar a parcela exata dos grãos oriundos das diferentes marcas, haveria um risco muito grande do produtor ser cobrado múltiplas vezes pela produção”, afirmou Silvia à RURAL. Para realizar a cobrança, a nova companhia irá utilizar um sistema único já em operação pela Bayer, então Monsanto, desde 2004, quando iniciou a venda da Roundup Ready – sobre a qual os royalties já caíram. A empresa é a única que já comercializa a semente geneticamente modificada (GM) no Brasil. A Syngenta deve ser a próxima a apresentar seu lançamento, enquanto Basf e Corteva se uniram à iniciativa antecipando futuras demandas. “As empresas decidiram fazer parte do projeto para que participem das decisões e quando lançarem suas tecnologias, ainda sem perspectiva, já estejam alinhadas ao modelo”, disse Silvia.

No documento de constituição da companhia, os advogados defendem que o uso de um sistema único representaria uma ampliação do acesso e não o fechamento do mercado de sistemas de retenção de royalties, mas antecipam um problema ao afirmar que “existe capacidade de fechamento de acesso a esses serviços a outras empresas que ainda não tenham previsão de lançar eventos transgênicos no Brasil”. Dentre as possibilidades, citam a Verdeca, que está desenvolvendo sementes modificadas de tolerância à seca no Brasil em parceria com a TMG; a AgBiome, que atua no Brasil por meio de uma parceria com a TMG para a cultura de algodão; e a Dabei, que possui um evento transgênico para soja tolerante ao glifosato e glufosinato de amônio.

“O modelo unificado garante a não duplicação de cobrança ao produtor rural” Silvia Fagnani Cultive Biotec (Crédito:Divulgação)

A criação da JV desagradou a Aprosoja, que por meio de comunicado afirmou temer uma possível concorrência desleal no estabelecimento de preços e prazo. Mas, ao que parece, ficou sozinha. No processo, ao menos sete empresas ouvidas pelo Cade, como a Coamo, a Croplife e a Associação Brasileira de Semente de Soja (Abrass), afirmaram que não viam riscos de práticas anticompetitivas. Considerando que 97% da soja brasileira é transgênica e que a produção da safra 2020/21 estimada em 135,9 milhões de toneladas, maior volume já registrado, dá para cravar que independentemente de opiniões uma nova gigante nasce no campo brasileiro.