Uma bela mesa de jantar foi posta num dos salões da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em Brasília, na noite de 10 de abril. Os tons de verde, vermelho e branco se misturavam entre os pratos, taças, talheres e arranjos de frutas que decoravam a mesa. Tudo foi cuidadosamente montado para remeter às cores das bandeiras dos países árabes.
A noite tinha um propósito: homenagear a comunidade árabe, integrada à cultura brasileira há cerca de 150 anos. E nos negócios, mais incisivamente há duas décadas. Participaram do jantar 37 embaixadores, representantes de 22 países que formam a Liga dos Estados Árabes (LEA), criada em 1945 e sediada no Cairo, a capital do Egito. Nesse grupo, estão países como Arábia Saudita, Emirados Árabes, Jordânia, Kuwait, Líbano e Síria.

Juntas, todas as nações da LEA somam cerca de 400 milhões de habitantes, o dobro de toda a população brasileira. “Foi um momento importante para nós, ao sermos recebidos pelo presidente da República”, diz Tamer Mansour, secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB), com sede na capital paulista. “O presidente até prometeu fazer visitas a diversos países da comunidade, o que é um excelente gesto. Mas é importante que o discurso do governo volte a ser de neutralidade, porque isso, no futuro, põe em risco nosso relacionamento comercial”, destaca.

Cautela Mansour, da CCAB, diz que os países da Liga Árabe
não vão baixar a guarda (Crédito:Rodrigo Rodrigues)

O “isso” frisado pelo secretário árabe faz referência ao ruído criado entre o Brasil e a LEA no início do ano, quando o presidente Bolsonaro reafirmou seu compromisso de campanha de transferir a Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.

Trocando em miúdos, isso seria o mesmo que considerar Jerusalém a capital de Israel. A declaração do presidente do Brasil criou enorme mal-estar entre os líderes do mundo árabe. Assim como cristãos e judeus, os muçulmanos consideram Jerusalém uma terra santa. O jantar em Brasília foi, então, uma espécie de pedido de desculpas, ainda que velado, do governo brasileiro por mais essa derrapada do mandatário da Nação. Tanto que, durante seu discurso de dois minutos, Bolsonaro sequer mencionou a palavra “embaixada”. “Reconhecemos a parceria do Brasil com a comunidade árabe”, afirma Mansour. “Mas se esse tom continuar, no longo prazo os países árabes poderão considerar outras nações como parceiros comerciais”, alerta.

panos quentes Apaziguar os ânimos dos representantes árabes sobre as intenções do governo brasileiro não é tarefa fácil. Afinal, os representantes desses países sabem muito bem do peso dos negócios realizados entre eles e o Brasil. Com Israel, que representa o pomo da discórdia, o País tem relação comercial pífia. Em 2018, os israelenses importaram cerca de US$ 320 milhões de produtos brasileiros e exportaram US$ 1,2 bilhão para cá. Com a LEA, a história completamente diferente. Os árabes responderam por 8,3% do faturamento das exportações do agronegócio brasileiro no ano passado.

Foram US$ 8,4 bilhões, na venda de 17,4 milhões de toneladas de commodities agrícolas, segundo o Ministério da Economia. Se incluirmos minérios na conta, esse valor salta para US$ 11,5 bilhões. Entre os produtos agrícolas, as principais commodities exportadas são açúcar, carne de aves e bovina, milho, soja e café. Os três principais compradores da Liga, com US$ 2 bilhões cada, foram Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes. Já as importações, que mostram uma balança extremamente favorável ao Brasil, foi de US$ 7,6 bilhões.

Atentos à polêmica, entidades do agronegócio e consultores de mercado têm relativizado a posição dos embaixadores árabes e tentam explicar o ocorrido, classificando-o como um incidente diplomático. Para Francisco Turra, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, que representa o setor de aves e suínos, o risco de uma ruptura com a Liga Árabe é algo distante da realidade. “O Brasil criou uma boa estrutura de abate halal (realizado de acordo com os preceitos islâmicas) de aves. Por isso, pode fornecer a esses países na medida e na qualidade que eles precisam”, diz Turra. O mercado de carne bovina segue a mesma linha, segundo o agrônomo Maurício Nogueira, sócio-diretor da consultoria de pecuária Athenagro. “Os embarques até aumentaram nesse período de rusgas”, diz Nogueira. “Mas, é claro, ter um bom relacionamento e não provocar é uma boa opção.” No primeiro trimestre de 2019, o comércio de carne bovina foi de 87,9 milhões de toneladas, 8,9% acima do mesmo período em 2018. Com exceção do açúcar, que sofreu uma baixa nos países árabes, por queda de safra, para as demais commodities o comércio deste ano permaneceu no mesmo ritmo do primeiro trimestre de 2018. Foram 3,6 milhões de toneladas de produtos agropecuários, vendidas por US$ 1,9 bilhão. Nesse mesmo período, as importações foram de 30,6 mil toneladas, comercializadas por US$ 35,4 milhões. De frango, as exportações renderam US$ 579,5 milhões ao Brasil, 1,2% a mais do que no primeiro trimestre de 2018.

A certeza de que o Mundo Árabe vai permanecer comprador dos produtos nacionais está na sua dependência. Segundo Turra, a Arábia Saudita é o exemplo perfeito dessa realidade. O país até tentou desenvolver uma criação própria de aves. Mas não conseguiu ir adiante, por causa das condições climáticas e da falta do principal ingrediente para a ração animal: o milho. “Eles realmente tentaram. Mas desistiram da ideia de se tornar independentes em carne de frango”, diz Turra. Mesmo assim, a Liga Árabe vai continuar comprando muito milho, um dos principais produtos importados do Brasil. No primeiro trimestre deste ano, foram 1,3 milhão de toneladas, 65,2% a mais do que o mesmo período de 2018. “O milho é uma fonte barata para a alimentação animal”, diz Sérgio Mendes, diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais. Para ele, se alguma retaliação árabe ocorrer, não será no milho. “Se acontecer, ela deve vir para mercados de maior valor agregado”, afirma.