Fabio Dutra, diretor de Desenvolvimento de Mercados e Clientes da B3, fala sobre gestão de risco e o mercado de capitais no setor do agronegócio

Com um valor de mercado de US$ 13 bilhões, a B3 quer mais protagonismo no agronegócio. A empresa é o resultado da combi­na­ção entre a BM&FBovespa e a Cetip, res­­pectivamente uma das mai­o­res bol­sas de valores do mundo e a maior depo­si­tária de títulos privados de renda fixa da América Latina. A B3 concentra a maior parte de seus deri­vativos (intrumentos cujos os valores derivam de outros ativos ou instrumentos financeiros) em taxas de juros e de câmbio. As commo­dities agrícolas são uma pequena fatia nesse bolo. Dos US$ 423,5 bilhões do PIB do setor, em 2016, US$ 14,5 bilhões passaram pela Bolsa. É pouco.“Há no setor quase que uma dependência total de financia­mento governamen­tal, através do Plano Safra”, afirma Fabio Dutra, 42 anos, diretor de Desenvolvimentos de Mercados e Clientes da B3. Acontece, entretanto, que a crise econômica fez os financiamentos minguarem e, praticamente, obrigou os produtores a buscarem outras fontes. “Hoje, fontes alternativas de financiamento, como o mercado de capitais, pos­suem um grande potencial de cres­ci­mento”, diz Dutra. Mas, para entrar no radar dos produtores e convencê-los de que a Bolsa é uma boa alternativa, é necessário muito esforço. Na entrevista que segue, Dutra conta como a B3 tem investido em ferramentas de acesso ao merca­do, sua educação financei­ra e revela as peculiaridades do setor. Acompanhe:

DINHEIRO RURAL – Qual o principal entrave para que o setor do agronegócio cresça fortemente, se ele continuar muito atrelado a fontes governamentais de crédito?
FABIO DUTRA – O mundo vê e espera que o Brasil cresça em uma velocidade maior do que vem crescendo na oferta de produtos agropecuários, tanto na cadeia de proteína animal como em grãos. Apesar do financiamento através do Plano Safra vir crescendo nos últimos anos, em uma velocidade exponencial, cresceu ainda mais a necessidade de financiamento por parte dos produtores. Mas, em um cenário de restrições cada vez maiores por parte do governo federal, isso faz com que haja menos capacidade de financiar a produção do País. A expectativa é que o quadro se acentue ainda mais, pois o governo não possui uma capacidade infinita de financiamento.

RURAL – O que resolveria esse impasse?
DUTRA – Para dar fôlego ao financiamento da produção agrícola são necessárias fontes alternativas, como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Como a base dele ainda é muito pequena, o CRA é uma alternativa que tem potencial de crescimento. Além dele, há outras fontes como empréstimos e debêntures, e as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que têm um potencial enorme de crescimento.

RURAL – Em que medida a dolarização desses papéis, como sugerem alguns, pode ajudar o mercado?
DUTRA – A medida abre a porta a novos investidores. Quando se pensa em CRA, se fala em mercado de capitais. Por isso, ele precisa ser um instrumento que funcione tanto para o emissor, como para quem está tomando o recurso. Nenhum investidor estrangeiro, por exemplo, vai querer um instrumento que tenha risco cambial. Com o CRA dolarizado esse risco cai e ele passa a ter um apelo muito grande para um investidor que até então não estávamos acessando.

RURAL – Como fazer com que o produtor passe a usar mais fontes alternativas de crédito?
DUTRA – Depende de alguns fatores. Conforme se dá a queda da taxa de juros, o produtor passa a olhar mais para ferramentas de investimentos nos mercados de capitais. Talvez até o final do ano ela esteja em um dígito e em um nível em que a diferença entre a taxa de mercado e a taxa subsidiada fique menor. Quão mais eficiente for essa relação, mais eficiente será financiar à taxa de mercado em vez da taxa baseada em subsídio. Uma melhor gestão de risco de preços por parte do produtor também auxilia o acesso ao mercado de capitais. Do ponto de vista de quem vai dar o crédito, como o banco, isso tem um valor enorme, porque aumenta a certeza de que haverá previsibilidade da capacidade de pagamento por parte do produtor.

Uma melhor gestão de risco de preços, por parte do produtor, também auxilia o acesso ao mercado de capitais

ANTENADO: o fácil acesso às informações de mercado é cada vez mais comum nas fazendas do Brasil

RURAL – Como a B3 contribui para esse movimento?
DUTRA – Temos trabalhado, por exemplo, com formadores de mercado para todos os contratos futuros de commodities, exceto o café. Isso dá o conforto para quem for negociar os contratos na bolsa de valores. A qualquer momento, esse negociador vai ter preço na tela do computador, com o spread máximo e com uma quantidade mínima de uma commodity a ser negociada.

RURAL – Quem é esse formador de mercado?
DUTRA – É um agente contratato pela B3 para garantir que exista um preço de referência na tela. Durante todo o dia, a função dele é exclusivamente colocar preços de compra e de venda das commodities agrícolas no sistema. O formador de mercado pode ser um banco, um fundo estrangeiro ou pode ser uma agroindústria. Por exemplo, a JBS é um formador de mercado de pecuária, a Alta Mogiana é um formador de mercado de etanol e o Itaú é um formador para os dois mercados. São sempre grandes nomes significativos no mercado de commodities agrícolas e que vão acabar estimulando um número maior de participantes a operar cada vez mais.

RURAL – Qual a meta de crescimento de negócios de agro na B3?
DUTRA – Não posso revelar esse número, mas digo que podemos crescer muito. Vemos uma mudança bem relevante para que isso ocorra. O mundo das commodities sempre foi calcado nos compradores. Inclusive do ponto de vista de formação de preços. Se olharmos há 50 anos, esses compradores eram muito pulverizados. Hoje, essa relação de força está se invertendo. São os compradores que estão espalhados pelo mundo inteiro, como nos Estados Unidos, na Europa e na China, por exemplo. Cada um desses compradores possui uma parcela muito relevante de poder de compra. Em compensação, os produtores que estão cada vez mais concentrados. São grandes potências, entre elas o Brasil. Achamos que isso vai influenciar o crescimento da importância dos mercados futuros de commodities no País. Para o produtor, a formação de preço é cada vez mais importante em uma negociação.

RURAL – Como a B3 atua para trazer o produtor à bolsa?
DUTRA – Investimos em parcerias com o que chamamos de multiplicadores, como agroindústrias, bancos e cooperativas agrícolas. Eles estão espalhados de ponta a ponta do País e fazem um esforço de catequizar o mercado sobre o que é operar na bolsa, principalmente o médio e o pequeno produtor. Já os principais produtores brasileiros, acessamos individualmente, porque temos um relacionamento muito próximo.

RURAL – Esse acesso tem ocorrido em função da mudança na gestão do negócio ou o produtor está sendo empurrado a ter uma melhor governança?
DUTRA – Acho que é a mistura desses dois pontos, porque há uma mudança de cultura do produtor rural. Essa nova geração de produtores tem uma educação muito melhor sobre o tema. Isso, inclusive, eleva o nível de discussão sobre as ferramentas de capitais, além de trazer mais pessoas preparadas, não somente na lida com o agronegócio como capazes de operar com a gestão de risco da fazenda. Estão mais preparados para olhar os instrumentos disponíveis no mercado de capitais, que vão ajudá-los na gestão de seus negócios.

RURAL – Se os clientes dos exportadores estão lá fora, não é melhor eles operarem no Exterior?
DUTRA – Sempre ouvimos que muitos produtores brasileiros preferem fechar a venda de suas commodities diretamente em bolsas, como as de Chicago, Londres ou Nova York. O problema é que, cada vez mais, o risco de base entre o preço brasileiro e o preço de fixação dessas bolsas tem se distanciado muito.

GRÃO DE OURO: o cereal do País ganhou status como uma commodity importante no mercado internacional
GRÃO DE OURO: o cereal do País ganhou status como uma commodity importante no mercado internacional (Crédito:Os contratos de milho na B3 cresceram muito no último ano e meio)

RURAL – E qual é o problema?
DUTRA – Conhecemos casos de grandes empresas que fizeram hedge nessas bolsas e perderam dinheiro. O produtor acabou tendo uma proteção de um contrato que não necessariamente seguiu o preço de seu risco. Quando se faz uma operação de hedge, a expectativa é que o preço da commodity esteja travado no mesmo nível de preço que foi estabelecido no momento de fechamento do contrato. Se eles não andam juntos, não há como saber o que vai acontecer no momento do vencimento de liquidar o contrato.

RURAL – O que influencia esse descasamento de preços?
DUTRA – O que ocorre é que no Brasil estamos acostumados a emendar uma crise em outra. Então, há sempre outros fatores de fundo que acabam escurecendo alguns tipos de riscos, como juros constantemente muito altos. O produtor acaba perdendo a perspectiva do impacto do juro em seu balanço ou na sua gestão de risco. Conforme a economia se estabelece novamente esses impactos passam a ser mais visíveis, e aí a perda de dinheiro é inevitável.

RURAL – A retomada da economia já impacta os negócios?
DUTRA – Sim. Por conta disso, temos visto um fluxo crescente de contratos fechados. O milho é um exemplo. Os contratos do cereal na B3 cresceram muito no último um ano e meio. Foi fruto desse efeito. Há muito mais gente olhando para os nossos contratos, porque o risco de base começou a virar um problema muito grande. Se verificarmos a correlação do contrato da B3 com o com o mercado físico, o preço chega a uma correlação acima de 90%. E se olharmos os preços de Chicago, por exemplo, essa correlação é de 50%. Então o produtor não está se protegendo, porque o contrato não será adequado para fazer a proteção do preço da commodity.