Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa, fala sobre pesquisa, inovação e conhecimento, para enfrentar um futuro no qual o Brasil já é um protagonista global

Neste mês, a maior instituição pública de pesquisa do Brasil, a Embrapa, que quase dispensa a apresentação da sigla como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, tal é a sua presença no agronegócio, completa 44 anos. Embora tenha em seu portfólio trabalhos consolidados, que fazem o País economizar US$ 15 bilhões por ano, como é o caso da seleção de bactérias que sequestram nitrogênio do ar, nos dias atuais a instituição enfrenta uma série de desafios. Entre eles, conquistar uma maior presença no mundo, implementar um novo modelo de sucessão para o quadro de pesquisadores e o mais importante: como desenvolver conhecimento com orçamentos financeiros cada vez mais apertados? “Temos de ser criativos”, diz Maurício Antonio Lopes, presidente da Embrapa desde 2012 e pesquisador da entidade há 30 anos. “Porque nós somos acompanhados com lupa pelo mundo, o tempo todo.” Nos últimos tempos, Lopes tem viajado com ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em todas as missões internacionais, atitude poucas vezes vista na história recente da instituição. A entrevista seguinte, concedida à DINHEIRO RURAL, ocorreu três dias após o início da Operação Carne Fraca.

DINHEIRO RURAL – O ministro Blairo Maggi está dando conta de responder ao mundo o que ocorre no País, em função da Operação Carne Fraca?
MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES – Logo de saída, o ministro respondeu com a celeridade e a gravidade que o assunto exige. Obviamente, os fatos são sérios e precisam ser esclarecidos. O setor de carnes vem batalhando para construir uma imagem e presença no mercado internacional há muito tempo. Nem sequer se pode pensar que os fatos relatados, os problemas que a Polícia Federal levantou, sejam uma generalidade nesse setor, que definitivamente não é.

RURAL – Historicamente, a União Europeia, a China e os Estados Unidos tratam com muita dureza questões de sanidade, como ocorreu com a aftosa em 2005, por exemplo, ou a suspeita do vírus da vaca louca no rebanho brasileiro…
LOPES – Mas, desde esses últimos eventos que causaram preocupação e que colocaram em foco a produção de carne no Brasil, os avanços que nós tivemos foram substanciais. Até mesmo pelo rigor dos importadores na verificação e no acompanhamento sistemático das missões internacionais feitas para o Brasil de maneira constante . Elas exigiram do País um aprimoramento e uma sofisticação que nunca tivemos antes. Nós somos acompanhados com lupa pelo mundo, o tempo todo. A indústria da carne não tem garantido acesso a mercados de forma gratuita. Ela investe porque estamos em mercados muito complexos, exigentes e competitivos, inclusive o interno. Mas é certo que as demandas por cuidados e atenção nos sistema de defesa sanitária animal e vegetal só vão crescer e nós precisamos nos preparar para dar respostas a elas.

O Brasil precisa ollhar para a Ásia e entender como as suas instituições funcionam

No mundo: os países asiáticos são o principal foco para a abertura de laboratórios internacionais de pesquisa

RURAL – No quê as viagens que o sr. feito junto com o ministro Maggi ajudam a Embrapa a formular as políticas para a instituição?
LOPES – Essa aproximação é boa porque, afinal, somos o braço de ciência e tecnologia do Ministério da Agricultura. As missões são uma oportunidade de melhor definir a nossa agenda e identificar oportunidades a serem consideradas na nossa pesquisa. Além disso, elas enviam um sinal importante para os países com os quais nos relacionamos. O Brasil se destacou por desenvolver um modelo de agronegócio fortemente baseado em ciência. A Embrapa tem cerca de 400 acordos de cooperação nacional e internacional, 2,5 mil pesquisadores e 1,2 mil projetos em andamento, de mais de 100 temas, como tecnologias de precisão, defesa, sistemas integrados, alimento, nutrição e saúde.

RURAL – Qual tem sido o espaço para a Embrapa agir durante essas missões internacionais?
LOPES – Participamos de maneira bastante ativa em seminários organizados. Neles, mostramos o que é a agricultura tropical, o que estamos fazendo agora e o que pretendemos daqui para o futuro. Estamos em todos os momentos de discussões bilaterais, nas reuniões multilaterais, no âmbito do G-20 e no BRICs, o grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China.

RURAL – Qual a extensão dos trabalhos dos Labex, os laboratórios virtuais no exterior, que começaram a surgir em meados dos anos 1990?
LOPES – O Labex com os Estados Unidos, através do Agriculture Research Service (ARS), é o mais antigo, com cerca de duas décadas. Ele não é o único, mas é de fato uma presença estratégica consolidada. Foi através desse projeto que trouxemos ao Brasil toda a coleção de recurso genético de soja americana. São 22 mil amostras de germoplasma de soja que os pesquisadores do país coletaram em todo o mundo. Temos uma presença forte na Europa, a partir de Montepellier, na França. Assim, estabelecemos cooperação com o Reino Unido, a Alemanha e a Holanda. Na África, temos o Brasil Market Place, onde cooperamos em conjunto com cerca de 30 países, com suporte da Fundação Bill Gates, da FAO e vários outros financiadores internacionais. Nos últimos anos, procuramos nos aproximar da Ásia por questões muito óbvias: é o grande mercado de hoje e será o grande mercado do futuro. O Brasil tem de olhar mais para a Ásia, ir para lá entender como as instituições funcionam. É um mundo muito diferente do Ocidente, do ponto de vista das organizações.

RURAL – Há planos de abrir unidades Labex na Ásia
LOPES – Nós já tivemos unidades na Coreia do Sul e na China. Em função da nossa situação econômica, tivemos que dar uma segurada. Mas muitos dos nossos pesquisadores estão em sintonia com Japão, China, Índia e demais países asiáticos. Com o Japão está praticamente acertada a abertura de uma unidade. E recentemente assinamos um acordo com a Índia, porque temos muito interesse em manter profissionais brasileiros nesse país. A Índia é um país com crescimento bastante estável nos últimos anos.

RURAL – Qual o atual orçamento da Embrapa e o que seria o justo para a instituição?
LOPES – A pesquisa sempre trabalha com orçamentos apertados. E estão mais apertados, à medida que a ciência avança com uma rapidez muito grande. Vivemos um momento em que a ciência avança a passos muito largos. Olhe a transformação digital, o que ela significa para as nossas vidas e, obviamente, o que significa para uma instituição como a Embrapa. Quando a gente avalia países de uma agricultura tão grande e pujante quanto a do Brasil, eles destinam algo como o dobro do nosso orçamento, que atualmente é de R$ 3 bilhões anuais. A gente tem de trabalhar com muita criatividade.

RURAL – A Embrapa poderia ser privatizada, como forma de aumentar os recursos à pesquisa?
LOPES – Não há a mínima chance da Embrapa ser privatizada. Seria uma insanidade. Pesquisa e inovação são funções que o Estado precisa cumprir. O setor público na pesquisa funciona como uma locomotiva limpa trilho: a gente vai na frente, abraçando os desafios de maior risco, de longuíssimo prazo que o setor privado jamais faria. O exemplo dessa revolução que está estourando agora na agricultura brasileira, dos sistemas integrados, é um exemplo. Nós estamos desenvolvendo o sistema de lavoura-pecuária-floresta há 30 anos e agora ele está decolando. É um investimento que o setor privado jamais faria. A Embrapa cria valor. Um único exemplo consolidado é a tecnologia da fixação de nitrogênio, pesquisa desenvolvida ao longo de 50 anos. Nesse período, foram selecionadas as bactérias presentes na raiz da soja e que sequestram o nitrogênio do ar. Esse grão brasileiro não usa um grama de adubo químico nitrogenado. Isso equivale a uma economia de US$ 15 bilhões por ano. Então, uma única tecnologia gera por ano, em benefício, cinco vezes mais do que tudo que o País aplica em pesquisa agropecuária.

Não há a mínima chance da Embrapa ser privatizada. Seria uma insanidade

Geração tecnológica: a Embrapa possui 2,5 mil pesquisadores que respondem 1,2 mil projetos no campo

RURAL – Como deve ser a relação da Embrapa com o setor privado?
LOPES – O setor privado faz pesquisa para o curto e médio prazos. Os empresários são mais pragmáticos, visam o lucro e estão certíssimos. Agora, cada vez mais, a Embrapa precisa encontrar um modelo de se aproximar dessa pesquisa privada, para que os ativos que ela desenvolve possam se transformar em riqueza. A pior ciência para o País é aquela descompromissada com o seu crescimento.

RURAL – Então, como aumentar as fontes de recursos para a Embrapa?
LOPES – Temos que fazer parcerias com o setor privado, ir para as arenas internacionais em busca de recursos. Temos feito um esforço enorme para aumentar as parcerias com empresas nacionais e internacionais. Temos procurado estabelecer uma relação mais próxima com o BNDES. Hoje há projetos importantes que recebem o seu apoio, com a aquicultura. Desenvolvemos uma ação estruturante para o País ganhar capacidade de produção de peixes, com suporte de R$ 40 milhões do BNDES.

RURAL – Como tem sido a contratação de pesquisadores?
LOPES – Essa é uma discussão travada hoje com os ministérios com os quais temos um vínculo direto e indireto, no caso o Mapa e o Planejamento. A Embrapa não está em uma situação ruim porque em 2009 tivemos um concurso público e incorporamos cerca de mil profissionais. Mas queremos conquistar um modelo diferenciado de renovação de quadros na seguinte lógica. Hoje, em um determinado momento, a empresa negocia com o Planejamento a abertura de concurso. Queremos um sistema automático. Por exemplo, chegar a 300 profissionais aposentados nos daria automaticamente o direito de abrir concurso. Um sistema não episódico garatiria um futuro mais tranquilo.