Lembro do início do movimento para formar o mercado do algodão, quando nos juntamos para exportar, mesmo com prejuízo”, diz Eraí Maggi, 60 anos. Dono do grupo Bom Futuro, com sede em Cuiabá, ele começou a cultivar a fibra na década de 1990. “Agora, temos de ir novamente aos nossos compradores, conhecer melhor o mercado externo e trazer esses clientes para visitar nossas fazendas.” Com três sócios, Maggi é um dos maiores produtores do País, dono de cerca de 500 mil hectares em Mato Grosso e com 1,7 milhão de toneladas de grãos e fibras colhidas por safra. Ao convocar o setor nos dias atuais, ele se refere a um segundo movimento necessário de consolidação, que começa a ser discutido no segmento: o acesso a mercados. Mas isso em um outro patamar. A cotonicultura precisa do reconhecimento e da percepção global de que o Brasil se tornou um protagonista na produção da fibra e pode, até mesmo, dar as cartas nesse jogo.

Eraí Maggi Um dos maiores produtores do País, ele chega a fazer 1,7 milhão de toneladas de grãos e fibras por safra. “Temos de conhecer melhor o mercado externo” (Crédito: Gustavo Epifanio/Folhapress)

Hoje, o País é o segundo maior exportador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que vende 3,5 milhões de toneladas de pluma. No ano passado, a exportação brasileira ficou em torno de 1 milhão de toneladas, comercializadas por US$ 2 bilhões, marca perseguida há 3 anos. Esse desempenho é ainda melhor, se considerada a safra – e não o ano corrente –, que vai de junho a julho. Nesse período, que está para ser encerrado, o Brasil deve exportar entre 1,5 milhão e 1,7 milhão de toneladas de pluma. “Em três anos, praticamente dobramos a produção”, diz Milton Garbudio, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). “E há a possibilidade de mais crescimento.” Neste ciclo, a área de hectares cultivados foi de 1,6 milhão de hectares, 33% acima do anterior.

No mês passado, um encontro na capital paulista reuniu cerca de 300 produtores para o 24º Clube da Fibra, promovido pela FMC Agrícola, subsidiária da americana de biotecnologias FMC Corporation. O principal ponto de discussão foi como pavimentar essa rota aos mercados asiáticos, ampliando o comércio além da China, para fazer frente a uma esperada reação americana. O evento ganha relevância na cadeia produtiva pela tradição e pelo peso do público presente.

Foco na ásia A China  é o maior comprador do algodão brasileiro, que quer ganhar espaço em outros países, como a Indonésia (abaixo) (Crédito:Yuan huanhuan)

PESOS PESADOS Criado há mais de 20 anos, o Clube da Fibra teve na plateia, além da própria Bom Futuro, os principais executivos e/ou controladores de grandes grupos, como a Amaggi, d família do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi; a SLC Agrícola, controlada por Eduardo Logemann; o grupo BDM, dirigido por Sérgio De Marco. A Amaggi, por exemplo, cultiva 102 mil hectares de algodão, em Mato Grosso. O calibre dos nomes é tão alto, que parte do encontro foi a portas fechadas. Os produtores tiveram acesso a informações que ainda não são públicas. “O evento nunca foi um fórum técnico, mas uma plataforma de como fortalecer a cadeia”, diz Ronaldo Pereira, presidente da FMC. “Daí, a importância de se discutir mercados neste momento.”

Para Marcos Jank, CEO da Aliança Agro Ásia-Brasil, entidade de fomento de negócios no exterior, a pavimentação do acesso a mercados passa por duas ações. Segundo ele, é preciso estar fisicamente no Sul e no Sudeste Asiático e organizar um plano de comunicação. “Nós éramos pequenos. Agora, estamos incomodando”, diz Jank. “Daqui para a frente, o aumento da exportação do Brasil dependerá da nossa capacidade de desenvolver e defender mercados. Não é mais só entregar.” A Ásia tem sido o destino de quase todo o algodão brasileiro. Em 2018, os asiáticos compraram 860 mil toneladas (84% da exportação nacional), por US$ 1,5 bilhão. Desse total, a China ficou com 303 mil toneladas (US$ 514 milhões), cerca de 35% dos embarques àquele continente. Nesta safra, até março, a Ásia já comprou 762 mil toneladas (US$ 1,3 bilhão) de algodão brasileiro, das quais 330 mil (43%) ficaram com os chineses (US$ 560 milhões).

Mushfiqul Alam

Uma ação estruturada, além da representação diplomática do Itamarati e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), visa a expansão do Brasil em três mercados: Indonésia, Vietnã e Bangladesh. Mas também podem ser incluídos outros clientes, como Coreia do Sul, Malásia e Turquia. Nos últimos anos, a indústria têxtil tem se deslocado da China para esses países, em busca de mão de obra mais barata.

“A indústria têxtil no Vietnã e em Bangladesh está em franco crescimento”, diz Jank. “De modo geral, a participação do Brasil no mercado global cresceu acima de 10%, bem superior aos demais países.” Ele se refere aos dois principais concorrentes do Brasil no mercado global: Austrália e Estados Unidos.

Segundo os especialistas, o Brasil precisa mirar nesses outros países asiáticos. A Indonésia e o Vietnã, por exemplo, na busca por preço e constância na entrega, têm mantido compras no País acima de 100 mil toneladas por ano, desde 2015. Bangladesh saiu de uma importação de 17,3 mil toneladas para 87 mil toneladas no ano passado – cinco vezes mais. No entanto, enquanto as compras chinesas no Brasil representam 25% de sua demanda anual – cerca de 1,7 milhão de toneladas –, em Bangladesh e Vietnã o algodão brasileiro representa apenas 10% das compras de cada um desses mercados. Para Garbudio, presidente da Abrapa, conta também nessa construção comercial a formação de um estoque de passagem – o algodão que vai de uma safra para a outra. Sua influência é direta nos preços praticados na Bolsa de Nova York. No final de maio, as cotações para o período de julho a dezembro mostravam a arroba acima de R$ 90, para o dólar cotado a R$ 4, um viés de baixa em função da larga oferta. “Nunca tivemos estoque de passagem que o mercado percebesse”, diz Garbudio. “Se o Brasil plantasse mais ou menos algodão, isso nunca afetava a Bolsa de Nova York. Agora, ela começa a se mexer por causa do volume do algodão brasileiro.” No final da safra 2018/2019, a estimativa do estoque final era de 1 milhão de toneladas, ante 200 mil toneladas no final da safra 2016/2017 e de 690 mil toneladas na safra 2017/2018. “Agora, os compradores podem vir ao Brasil a qualquer momento”, destaca. “É uma nova realidade. E se não comprarem hoje, podem comprar amanhã.” Isso significa um comércio permanente, e não apenas nos seis meses de colheita e entrega no exterior, como ocorre hoje.

Esse cenário deve melhorar para o Brasil. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), a produção brasileira para a safra 2019/2020 deve crescer 5%, com recorde de 2,7 milhões de toneladas. Garbudio prefere não arriscar, mas acredita que o resultado pode ser ainda melhor. “Mato Grosso, que planta 70% do algodão brasileiro, é imprevisível. Na safra 2015/2016, por exemplo, o Estado aumentou suas lavouras em 100 mil hectares, em apenas duas semanas, só porque os produtores viram demanda do mercado”.