REDE ILPF Projetos como integração lavoura-pasto-floresta são elegíveis ao novo crédito (Crédito:Istock)

Um dos maiores desafios para o agronegócio brasileiro está dado. Caberá aos produtores do País a responsabilidade de suprir boa parte da demanda extra de 50% de alimentos que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima ser necessária para alimentar o contingente de mais de 3 bilhões de pessoas que o mundo ganhará até 2050, quando a população mundial ultrapassará a marca de 10 bilhões. Aumento de produtividade e tecnologia serão indispensáveis neste cenário, e para conseguí-los o campo precisará de recursos.

Dinheiro no mundo existe, mas, até hoje, a oferta de produtos financeiros para o produtor local era considerada escassa diante do tamanho do agronegócio que deve atingir Valor Bruto de Produção (VBP) recorde de R$ 806,6 bilhões em 2020. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), até agora eram três as fontes mais recorrentes: crédito rural oficial; trades, revendas de insumos, e cooperativas; e, capital próprio. Este ano, porém, uma iniciativa do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Climate Bonds Initiative (CBI) abriu caminho sem precedentes de acesso ao mercado de capitais, ao tornar o Brasil o primeiro país do mundo a emitir títulos verdes pelo novo critério de agricultura sustentável. Na operação, a Rizoma Agro e o Grupo Ecoagro captaram R$ 25 milhões de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) para financiar projeto de agricultura responsável. “Queremos dar escala à produção orgânica e regenerativa, aquela que deixa impacto positivo na natureza”, afirmou Alexandre Botelho, diretor financeiro da Rizoma. Nos planos da empresa, de acordo com Botelho, estão projetos de carbono neutro, de sequestro de carbono, proteção da biodiversidade, além de aumento de matéria orgânica e de água no solo.

“O agronegócio brasileiro é um dos mais promissores mercados globais de títulos verdes” Amaury Oliva, diretor da Febraban (Crédito:Divulgação)

HISTÓRICO A estreia do Brasil nas finanças verdes, no entanto, aconteceu há exatos cinco anos quando a BRF emitiu US$ 500 milhões para investir em projetos de ecoeficiência. De 2015 a 2019, o mercado foi aquecendo gradualmente com 36 emissões públicas de títulos relacionados à sustentabilidade, o que culminou em uma movimentação de R$ 9 bilhões no ano passado. Ainda que o País seja um importante emissor, o volume é considerado quase irrisório diante da movimentação global que contabilizou US$ 800 bilhões de 2014 até hoje, sendo US$ 250 bilhões somente em 2019. O valor, no entanto, representa apenas 3,5% do mercado total de títulos. Neste ano, considerando janeiro a setembro, a movimentação das operações no Brasil já acumulou R$ 15 bilhões, de acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “O agronegócio brasileiro é um dos mais promissores mercados globais de títulos verdes, tanto pela sua matriz energética sustentável como pelas riquezas naturais do País. Mas, temos um espaço grande para trilhar”, disse Amaury Oliva, diretor de Sustentabilidade, Cidadania Financeira, Relações com o Consumidor e Autorregulação da Febraban.

“O processo de estruturação do projeto traz especificações que permitem ao investidor saber exatamente onde e para que os recursos serão usados” Tatiana Assali, gerente de Relações Institucionais do CEBDS (Crédito:CACO PARISE)

Como estreante da categoria, a Rizoma Agro agiu com cautela quando decidiu analisar as finanças verdes como alternativa de crédito, desde o momento da elaboração da proposta ou Green Bond Framework — primeiro passo para a captação — , até a definição do valor. “É preciso ter a certeza de que você vai performar e entregar o resultado prometido ao investidor. O que fizemos nos últimos três anos foi conseguir provar, com capital próprio, que o nosso plano era factível em produção e custos”, disse Botelho. Atualmente, a empresa tem 1,2 mil hectares sob sua gestão, onde cultiva milho e soja para ração animal; feijão, aveia e grão-de-bico para alimentação humana. De acordo com André Escobar, responsável por novos negócios, a produtividade dos orgânicos nas duas fazendas do grupo já se compara à das culturas tradicionais, já o custo, por enquanto, ainda está 30% acima. “Estamos com um plano agressivo em pesquisa e desenvolvimento para reduzir essa diferença para algo entre 18% e 15% nos próximos dois anos”, disse. Outra meta da empresa é aumentar a sua área produtiva para 150 mil hectares em dez anos, com arrendamento de terras em regiões chaves para a construção de hubs orgânicos. Negociações para aquisição de novas áreas já estão em estágio avançado no interior de São Paulo, tanto que a empresa já prevê nova emissão de títulos verdes para o primeiro trimestre de 2021.

CRITÉRIOS Assim como feito pela Rizoma, qualquer agricultor pode recorrer aos títulos verdes para financiar suas operações – ainda que para os pequenos o processo talvez seja inviável pelo custo ainda elevado -, desde que os
critérios sejam cumpridos. Como regra fundamental, é mandatório aplicar 100% da captação nos projetos descritos no prospecto e que se enquadrem na classificação de agricultura sustentável. Entre as possibilidades financiáveis estão a recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta, produção de biofertilizantes, biodefensivos e biogás, energia a partir de dejetos e conservação florestal. “Com a nova taxonomia (agricultura), será possível destravar o potencial verde do agronegócio brasileiro de maneira mais rápida e com segurança jurídica reconhecida mundialmente”, disse Leisa Souza, coordenadora do projeto Agro da CBI.

CRITÉRIOS VERDES Os recursos só podem ser aplicados em projetos de agricultura sustentável como proteção de biodiversidade e  produção de biológicos

Outra regra é a obrigatoriedade da prestação de contas sobre a utilização dos recursos em relatórios anuais. “O processo de estruturação do projeto traz especificações que permitem ao investidor saber exatamente onde e para que os recursos serão usados, como será feito o monitoramento e como ele terá acesso às informações”, disse Tatiana Assali, gerente de Relações Institucionais do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Ainda que seja esse grau de transparência que mitigue os riscos permitindo a oferta de taxas mais atrativas, ele traz um desafio já que o agricultor tem que permitir uma certa participação do investidor na gestão dos projetos podendo provocar uma sensação de perda de autonomia. Mas, na medida em que os resultados estão em linha com o prospecto, uma onda de confiança se estabelece criando a possibilidade do crescimento do mercado de títulos secundários que tendem a ter condições mais favoráveis de oferta, taxas e prazos.

Para quem se enquadrar nos critérios, além do acesso a um capital antes indisponível, diversificação dos investidores e taxas atrativas, há um ganho reputacional. “Ao colocar o rótulo verde, o dono do projeto está atribuindo um valor adicional na sua produção, se destacando diante de concorrentes que também estão tentando acesso ao mercado de capitais”, afirma Leisa, do CBI. Além do benefício próprio, o produtor também contribui para a imagem do setor que sofre com constantes ataques das comunidades nacional e internacional que atribuem aos agropecuaristas o desmatamento ilegal, incêndios e emissões de gases de efeito estufa. “Temos que ter uma agenda positiva para combater os agentes que provocam os problemas ambientais que jogam contra o setor e precisam ser eliminados.

“É preciso ter a certeza de que você vai performar e entregar o resultado prometido ao investidor” Alexandre Botelho Diretor financeiro da Rizoma (Crédito:Divulgação)

Cabe ao governo tomar as atitudes cabíveis,” disse Milton Menten, CEO da Ecoagro. “Efetivamente o Brasil tem graves problemas ambientais que não estão endereçados, mas ainda assim é uma das principais potências mundiais da economia verde”, afirmou.

BANCOS Recentemente o agronegócio ganhou ajuda de peso nessa luta. No último mês de julho, representantes dos três maiores bancos do País foram ao governo federal apresentar um plano para a preservação e desenvolvimento responsável da Amazônia, em paralelo às instituições privadas aumentaram a variedade de linhas de créditos com taxas mais atrativas para empresas com compromissos ambientais. Dois meses depois, o Banco Central se juntou ao grupo e anunciou a criação do bureau verde do crédito rural. A iniciativa substituirá o Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro do BC, em um formato de open banking, em que os dados dos clientes ficam abertos para consulta por instituições financeiras. De acordo com diretor de regulação da instituição, Otávio Damaso, o bureau vai incorporar critérios que identifiquem operações com características verdes e também fará cruzamento com informações com dados de georreferenciamento. “Vamos conseguir identificar sobreposição com áreas de preservação ambiental e com áreas de terras indígenas. Se for constatada alguma irregularidade, a operação não será realizada”, afirmou. A meta é aumentar em até 20% os limites de contratação para operações de crédito rural que reúnam características de sustentabilidade.

Robustez para recorrer ao mercado de capitais, o agronegócio tem. Com os títulos verdes abre-se a possibilidade de as autoridades fazerem também sua parte sinalizando um compromisso institucional de proteção à biodiversidade e punição dos ilegais. Assim, fazem seu papel, ao criar condições para que o mercado internacional reconheça que o produtor brasileiro profissional não é o vilão ambiental que acreditam que seja.