““Com a Bayer ficamos com o portfólio de produtos mais  equilibrado entre animais de produção e de estimação” Carlos Alberto Kuada, Vice Presidente Elanco (Crédito:Claudio Gatti)

No dia 3 de agosto, qualquer pessoa de fora da Elanco que tentasse uma reunião com o CEO Jeff Simmons daria com os burros n’água. A agenda do executivo estava bloqueada. Seu compromisso daquela segunda-feira se restringia a conversar com cerca de dez mil pessoas, divididas em duas grandes reuniões virtuais. Em um grupo, profissionais das Américas. No outro, da Ásia. Foi dessa forma, em meio a uma das mais sérias crises sanitárias do mundo e com a ajuda da tecnologia, que o executivo anunciou aos funcionários da Elanco e da Bayer Saúde Animal o fim do processo de compra da então concorrente alemã. Com a aquisição da quinta maior empresa do setor, a companhia americana que ocupava a quarta posição passa a ser a vice-líder no ranking mundial com faturamento de US$ 4,8 bilhões. No Brasil, fica em terceiro lugar, atrás da Zoetis e da MSD. “É um marco importante na jornada da Elanco, pois, queremos ampliar ainda mais o nosso posicionamento global sobre a necessidade de melhorar a saúde dos animais, das pessoas e do planeta. O acesso às carnes para alimentação e o vínculo que cultivamos com pets nunca foi tão importante” afirmou Simmons.

Do anúncio da venda até a conclusão do negócio avaliado em US$ 6,89 bilhões, passaram-se exatos 348 dias, tempo considerado curto para transações deste porte e que beneficiou tanto a Bayer quanto a Elanco. Para a Bayer, a velocidade é importante aliada nos planos de se desfazer de alguns ativos para sanar as dívidas que acumulou com a compra da Monsanto em 2019 por US$ 63 bilhões, e focar sua estratégia de expansão em Crop Science e saúde humana. É justamente por isso, que já deixou pública a informação que não ficará com os US$ 72,9 milhões em ações ordinárias que recebeu como parte do pagamento. Já para a Elanco, assumir o controle total da adquirida em pouco menos de um ano foi crucial para uma integração menos estressante, o que já permitiu a reestruturação dos negócios globais que passam a ser divididos em três unidades de negócio: animais de companhia; ruminantes; e o grupo aves e suínos.

Mercado de animais de estimação representa 25% da receita, com grande potencial
de crescimento

A movimentação foi bem aceita pelo mercado, o que levou o preço das ações da nova Elanco a uma alta de 20% no primeiro mês após a compra para US$ 28. “A Elanco já era um importante player neste setor e com a aquisição da divisão de saúde animal da Bayer, ganha um protagonismo ainda maior no mercado que é bastante promissor diante da demanda da China e das questões sanitárias que estão colocadas”, afirmou Humberto Tognelli Jr., sócio da PwC Brasil. O tempo para saber se a valorização das ações é consistente ou foi pontual ainda é insuficiente, mas as projeções apontam que a companhia terá bastante espaço para crescer. De acordo com a Organização para Saúde Animal (OIE), a demanda por carnes vermelha e branca está crescendo globalmente e deve chegar a 445 milhões de toneladas até 2050, contra cerca de 330 milhões previstas para 2020 pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU). O cenário impulsiona o mercado de saúde animal cuja Taxa Composta Anual de Crescimento (CAGR) até 2025 deve ser de 5,6% sobre a base de US$ 91,78 bilhões registrada em 2017.

“Sem as vacinas obrigatórias, cada boi no Brasil recebe
apenas R$ 10 em cuidados com a saúde ” Emílio Salani
Vice-presidente executivo do Sindan (Crédito:Divulgação)

No Brasil, as boas perspectivas se repetem. A indústria que vem crescendo em média 9% nos últimos anos, deve repetir o bom desempenho diante do faturamento de R$ 6,5 bilhões, registrados no ano passado. O volume é considerado baixo por Emílio Salani, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), diante do tamanho do mercado. “Hoje cada boi recebe R$ 17 em investimento em saúde animal por ano, tirando as vacinas obrigatórias, cai para cerca de R$ 10. Com um plano nacional para levar a sanidade animal ao status de prioridade, o mercado aumenta significativamente”, disse Salani. O plantel brasileiro é composto atualmente por mais de 210 milhões de cabeças de gado, 42 milhões de suínos, enquanto na avicultura o País tem em média 518 milhões de pintinhos alojados por mês. As estatísticas apontam que a cadeia está cada vez mais eficiente. Em bovinos, por exemplo, a produtividade aumentou 176% e a produção de carne cresceu 139%, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).

INTEGRAÇÃO Com o mercado mundial e brasileiro jogando a favor, a nova Elanco trabalha com rapidez para integrar toda a nova estrutura. Aspectos críticos como os sistemas de faturamento e folha de pagamento estão resolvidos. Para facilitar a sensação de pertencimento do time que chegou, a empresa investiu em uma semana de treinamento, conforme reza a cartilha da administração. “Em processos de fusões e aquisições, temos que sair do termo de mudança de cultura para cultura de mudança. A comunicação é a chave deste negócio, porque é natural que as exigências mudem e levem a um processo de insegurança e vulnerabilidade na empresa adquirida”, afirmou Viviane Narducci, PHD em administração e presidente da Narducci Consulting. Este cuidado não é novidade para a Elanco que em 2014 adquiriu a Novartis Animal Health por US$ 5,4 bilhões. “A integração de organizações deste porte nunca é fácil, mas com o respeito aos pilares culturais, à estratégia e à visão da empresa ela acontece de foma mais orgânica”, disse Carlos Alberto Kuada, vice-presidente Comercial Sênior da companhia para América Latina.

Com os processos internos em andamento, a empresa se organiza para crescer. A estratégia é se apoiar no tripé Inovação, Portfólio e Produtividade (IPP). Em Inovação, a expectativa é lançar 25 produtos globais até 2024, sendo cinco deles até o fim de 2021. Em Portfólio, aumentar em 50% as receitas provenientes do segmento de animais de estimação. Já no pilar Produtividade, a expectativa é entregar entre US$ 275 milhões a R$ 300 milhões em sinergia até 2025. “Após o período de adaptação, o que o mercado ganhará com a nova Elanco é uma enorme capacidade de pesquisa e desenvolvimento”, disse Salani, do Sidan. No ano fiscal de 2019, o investimento total da empresa em P&D foi de US$ 270 milhões. Como a verba é definida com base em um percentual do faturamento – que deve crescer de US$ 3,1 bilhões quando só Elanco para quase US$ 5 bilhões com a Bayer, levando-se em conta os faturamentos atuais – esse volume deve ter um salto.

LANÇAMENTOS Entre as novidades no portfólio estão previstos também produtos voltados para demandas locais. No Brasil, um dos maiores desafios são as doenças tropicais como as causadas por carrapatos. Outra frente que deve ter novidades é a aquicultura, com o desenvolvimento de soluções voltadas para criações de tilápia e camarão, fruto da estratégia da companhia em focar em proteínas do futuro que são as carnes brancas. Em aquicultura, a empresa já tem presença relevante no mercado mundial, mas na América Latina a participação é quase nula, com exceção do mercado chileno onde atende a criação do salmão. Para conseguir maior eficácia na fase de crescimento dessa nova Elanco, a empresa anunciou novas lideranças para suas três unidades de negócio no País.

Bruno Henrique Dias assume a direção da unidade de negócios de aves, segmento em que a Elanco tem a liderança, e suínos que é uma grande aposta da empresa devido ao maior apetite do pecuarista em adquirir produtos de qualidade para tratar o plantel. “Os mercados de suínos e aves estão entre os maiores faturamentos do agronegócio brasileiro, com histórico contínuo de crescimento e exportação”, disse Dias. Na comparação com outros mercados, é o que mais cresce na empresa com taxas de 8%, contra 7% de ruminantes, unidade de negócio que ficará sob comando de Lidson Guimarães. “Dentro da BU vamos explorar e desenvolver dois segmentos de mercado: Linha OTC, produtos veterinários que não têm necessidade de receita, e Linha Nutrição, assim reforçamos nossa participação nesses pilares importantes da cadeia de produção animal”, afirmou o diretor. Juntas, as operações que compõe o pilar de saúde para animais de produção representam 75% do faturamento global.

Os demais 25% são resultados da unidade de negócios voltada a animais de estimação. “O Brasil se tornou o segundo maior mercado de produtos pets no mundo. Com a aquisição da Bayer, ampliamos as opções que vamos oferecer aos consumidores brasileiros”, disse Denis Frota Daflon, diretor da unidade de negócio do Brasil, que antecipou que a companhia já pensa em investir em nova estratégia de se comunicar com os clientes. Somando todas as linhas, a nova Elanco passa a somar 90 marcas em seu portfólio somente no Brasil. “Nosso mercado é muito fragmentado. Mas, com a compra da Bayer, a combinação dos portfólios e o pipeline de inovação, criamos sinergia para ser uma empresa que está sendo construída para ser líder do setor”, afirmou Kuada.