“O escritório das startups está nas próprias fazendas.
É lá que a inovação precisa acontecer” Daniel Latorraca, economista,superintendente do Imea e coordenador do Agrihub (Crédito:Lucas Ninno)

O engenheiro químico José Augusto Tomé, 35 anos, não vê a hora de chegar o dia 23 de abril. A data deve se tornar um marco em sua carreira de 12 anos nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de negócios para a agricultura e a pecuária. Nesse dia, o Parque Tecnológico de Piracicaba (PTP), a 160 quilômetros da capital paulista, criado para abrigar empresas e startups, vai ganhar mais uma unidade de inovação tecnológica: a Agtech Garage Campus Vale do Piracicaba. Numa área de 2,5 mil metros quadrados – pouco menor do que metade de um campo de futebol –, estará o maior hub de inovação tecnológica para
o agronegócio da América Latina. E Tomé está à frente de tudo isso.

Segundo ele, a ideia é criar parcerias com grandes empresas do setor. “E todas poderão criar seus hubs aqui. Será o hub dos hubs”, diz o pesquisador. Na linguagem tecnológica, o termo inglês “hub” se refere a uma peça central que conecta vários aparelhos e dispositivos.

A partir dessa conexão, os dados são transmitidos e compartilhados. Os hubs de inovação seguem essa linha: um centro que reúne pessoas para criar, pesquisar, empreender, investir, compartilhar ideias e colocá-las em prática. Inaugurado em 2012, o PTP ocupa uma área de 2,2 milhões de metros quadros – quase 50% maior do que o Parque do Ibirapuera, em São Paulo – e abarca dezenas de empreendimentos, como o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, um campus da Faculdade de Tecnologia de São Paulo, um escritório da Raízen – a maior processadora de açúcar e etanol do País –, além de empresas iniciantes de tecnologia para a agropecuária, as chamadas agtechs, as startups do agronegócio. O nascimento desses hubs está desenhando um novo modelo de pesquisa e de inovação em vários setores da economia, como finanças, tecnologia
da informação e varejo. E, mais recentemente, o agronegócio.

“Tem valido a pena acreditar no potencial desses talentos. Somos uma fábrica de startups do agro” George Hiraiwa, agrônomo, coordenador do SRP Valley, queabriga cerca de 20 startups (Crédito:Gabriel Teixeira)

No caso do PTP, desenvolvendo soluções para o agronegócio. Plantar e colher com mais eficiência, controlar pragas com precisão, gerir rebanhos e a genética animal. Tudo isso é apenas o início de uma revolução em curso no campo e que ainda vai demandar muita inteligência humana na construção de ecossistemas sustentáveis. É exatamente esse o novo negócio que José Tomé está prestes a lançar em Piracicaba, com uma teia de outros hubs nascendo em várias partes do País. “Quem chega aqui e capta o conceito gosta”, diz ele. “Esperamos até produtores rurais no hub, para ficarem próximos dessa nova onda tecnológica.”
A alemã Bayer, do segmento de defensivos, sementes e biotecnologias, e a cooperativa de crédito gaúcha Sicredi, instituição financeira, já confirmaram presença no PTP. Para o agrônomo Dirceu Ferreira Junior, diretor do Centro de Inteligência em Agricultura Tropical da Bayer, a presença no hub serve para complementar as tecnologias da empresa, além de ser uma oportunidade de investimentos. “Tudo isso está no nosso radar”, diz Ferreira Junior. “Se for o caso, podemos investir ou até comprar uma startup.” Para o diretor-presidente do Sicredi, João Tavares, a aproximação com a Agtech Garage significa estreitar laços com empresas da área de tecnologia, buscando alternativas para gerar oportunidades de negócios.

“Considerando a relevância do agronegócio, sendo um terço dos associados do Sicredi desse segmento, a presença em Piracicaba tem muita sinergia com nossos objetivos”, afirma Tavares. Há, ainda, a expectativa de que empresas de máquinas agrícolas, nutrição e saúde animal entrem no projeto.

VELOCIDADE DIGITAL A revolução dos hubs é rápida. Há uma década, seria impossível estabelecer uma lista de dez hubs de startups do agronegócio. Hoje, em Piracicaba também estão o Pulse, o hub da Raízen, inaugurado em 2017; o hub Usina de Inovação Monte Alegre, do empresário do ramo imobiliário Wilson Guidotti Júnior; e o Avance, da Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana). No Estado, ainda há hubs na capital e em cidades
do interior, como Campinas e São José do Rio Preto. E essa onda já alcançou todo o País.

Em Cuiabá, em Mato Grosso, está em ação o Agrihub. No Paraná, surgiu o SRP Valley, em Londrina. No Rio Grande do Sul, as iniciativas estão concentradas em Porto Alegre, na Pontifícia Universidade Católica (PUC). No Amazonas, existe um projeto da Natura. No Nordeste, há o Polo Digital em Pernambuco e o hub da fabricante de massas e biscoitos M. Dias Branco, no Ceará. Entre os projetos em andamento, um dos destaques é o hub do Grupo São Martinho, um dos maiores em bioenergia no País, em São Paulo. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) também já embarcou nessa onda de novos ecossistemas tecnológicos.

Para o administrador Francisco Jardim, CEO do fundo de capital de risco SP Ventures, um dos maiores investidores de startups do campo – com operações em torno dos R$ 130 milhões –, o Brasil é o grande protagonista dessa revolução inovadora que liderará o desenvolvimento de tecnologia para a agricultura. “Pela primeira vez na história, uma grande revolução tecnológica vai ser liderada pelo Brasil ou terá o País como epicentro”, afirma Jardim. “Essa revolução é a da produtividade por meio da agricultura digital.” Trata-se da era da informação indo cada vez mais fundo na tomada de decisão do produtor rural com a ajuda de algoritmos, robótica, internet das coisas, inteligência artificial e computação em nuvem. Assim, a tecnologia torna as operações no campo mais previsíveis. E essa revolução não se dará de portas fechadas. Ela estará escancarada. “Hoje, a dinâmica da inovação é a mais aberta e colaborativa possível”, diz Tomé.

Essa é a base dos hubs: a inteligência compartilhada. A Agtech Garage Vale do Piracicaba, por exemplo, é um desdobramento da Agtech Garage, que nasceu em 2013, de uma parceria entre dois sócios: os agrônomos Adriana da Silva, ex-pesquisadora do CTC, e Marcelo de Carvalho, CEO do Agripoint, consultoria e site de informação, principalmente do setor leiteiro. O projeto
inicial foi de um espaço de trabalho compartilhado (co-working) no centro de Piracicaba. A partir de 2016, empresa começou a conectar investidores com startups, mas apenas de modo virtual. Entre eles, estão as brasileiras Genesis Group e Ourofino e a americana John Deere. Há 4 meses, os sócios firmaram um acordo com a Aguassanta Desenvolvimento Imobiliário, braço do grupo Cosan, que pertence ao empresário paulista Rubens Mello. O prédio do novo hub, que pertence à Aguassanta, será inaugurado com 1,1 mil metros quadrados, com 12 salas privativas, cinco salas de reunião e um auditório para 70 pessoas. Com um custo inicial de R$ 4,5 milhões, o projeto já nasceu com duzentas startups. Até 2020, com sua ocupação total, o investimento deverá chegar a R$ 8 milhões. “Já fazia um tempo que estávamos pensando em expandir o negócio”, diz Tomé.

NEGÓCIO PROMISSOR Ainda não há dados precisos sobre o volume de recursos que o mercado brasileiro de agtechs movimenta – até porque nem todo investimento em capital de risco é revelado. Mas, de modo geral, o retorno esperado é de cerca de dez vezes o capital investido. No País, as estimativas indicam que existam cerca de 400 agtechs em atividade. Segundo um estudo de 2017, da consultoria paulista Distrito.me, com 135 agtechs analisadas, o faturamento anual estimado do grupo estava entre R$ 395 milhões e R$ 1,1 bilhão. Considerando o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio nacional, que é de R$ 1,4 trilhão, ainda há muito espaço para crescer. “Quem sabe, futuramente, não tenhamos mais hubs em outras regiões”, observa Tomé. “O futuro é promissor.”

Fora de São Paulo e do Vale do Piracicaba, onde estão grande parte das startups do agronegócio, há outras experiências na formatação de hubs. É o caso do Agrihub, em Mato Grosso. A ideia vai além de conectar empresas de fomento, investidores e grandes multinacionais do setor. O foco é incentivar os fazendeiros a olhar para os ecossistemas de inovação. A iniciativa reúne a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT) e o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Além da tentativa de atrair produtores, o modelo se diferencia do criado em Piracicaba por não possuir um prédio nem ficar numa região específica. Segundo o economista Daniel Latorraca, superintendente do Imea e coordenador do Agrihub, ele nasceu para ser disperso. “O escritório das startups está nas próprias fazendas”, afirma. “É lá que a inovação precisa acontecer.”

MARATONAS DE INOVAÇÃO Criado em meados de 2016, o Agrihub faz a conexão de 13 agtechs a um grupo de 50 produtores de vários municípios de Mato Grosso. Dessa conexão saem projetos, ideias, produtos e serviços para aumentar a produtividade da fazenda, além de diminuir os custos e os riscos climáticos. Só no ano passado, essas agtechs executaram 40 testes pilotos em diversas propriedades. “Estamos focados em tecnologias de controle de pragas e doenças, conectividade no campo e previsão climática”, diz Latorraca. Para chegar ao grupo de agtechs, que é móvel e deve crescer com o tempo, são realizadas as maratonas de inovação tecnológica, também chamadas de hackathons. “É um jeito que encontramos de acelerar o desenvolvimento tecnológico”, destaca Latorraca. Desde 2017, já aconteceram 26 hackathons.

Em Londrina, o maior município do Paraná e um dos principais polos do agronegócio no País, o ecossistema
de inovação começou a ser formatado em 2016, com os hackathons durante a Expolondrina, feira agropecuária promovida pela Sociedade Rural do Paraná (SRP). Na ocasião, Londrina sediou o primeiro hackathon exclusivo para tecnologias agropecuárias. De lá para cá, já foram quatro eventos, e o próximo será realizado em abril. Com esse movimento, a SRP criou, em 2017, o seu hub de inovação, a aceleradora SRP Go, e um fundo de capital de risco, o Smart Valley Investment, com recursos aplicados da ordem de R$ 1,5 milhão. Sob a marca SRP Valley, a entidade abriga cerca de 20 startups. “Hoje, somos uma espécie de fábrica de startups do agronegócio”, afirma o agrônomo George Hiraiwa, coordenador do SRP Valley. “Tem valido a pena acreditar no potencial desses talentos.” No apoio às startups, fazem parte do ecossistema paranaense entidades de pesquisa, como a Embrapa Soja e o Instituto Agronômico do Paraná, e grandes cooperativas agrícolas, como a Cocamar e a Integrada.

“Na inovação do agronegócio, conseguimos reunir grandes mentorias para o desenvolvimento de tecnologia para as fazendas”, diz Hiraiwa. Por coincidência, é no Paraná onde estão as agtechs que mais têm faturado, segundo o estudo da Distrito.me, realizado em 2017. A faixa de receita das agtechs paranaenses varia de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões, enquanto que nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, essa cifra fica entre R$ 1,8 milhão e R$ 5 milhões.

Competição Hackathon, espécie de maratona de inovação, realizado em Londrina, no Paraná, totalmente voltado para o agronegócio (Crédito:Divulgação)

Para conectar todo esse movimento, os projetos de Londrina, Cuiabá e Piracicaba estão alinhados, desde o ano passado, por meio da plataforma on-line Agtech Brasil, que também funciona como chamariz para outros hubs. “A plataforma melhora o ambiente e a troca de experiências entre os ecossistemas”, afirma Hiraiwa. “Daqui em diante, o desenvolvimento no campo vai ser assim, de compartilhamento.” Iniciativas como essas atraem empresas do porte da americana IBM, companhia global de informática, cuja receita em 2018 foi de US$ 79,6 bilhões. Segundo Ulisses Mello, diretor do Laboratório de Pesquisas da IBM Brasil, a empresa está de olho no refinamento de tecnologias destinadas ao agronegócio. “O produtor quer tomar as decisões certas e monitorar as coisas sobre as quais não tem controle, como o clima e as pragas”, declara Mello. “Essa parte de previsão é a mais difícil, mas estamos evoluindo.” Aprimorando as suas ferramentas de inteligência artificial e de leitura computacional de todos os dados gerados por sensores e máquinas, a IBM considera o Brasil peça-chave nesse trabalho. Nada mais justo. Afinal, o País está se tornando uma gigantesca fazenda de hubs.

O pai de todos os hubs
Projeto da Raízen, o Pulse é considerado um modelo para o setor

Divulgação

 

A maior processadora de açúcar e etanol do País não quis ficar de fora do ecossistema de inovação e criou o seu próprio hub. Além de ser dona de 26 usinas nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul e de faturar R$ 86,2 bilhões, a Raízen está na vanguarda da inovação, abrigando cerca de doze agtechs. A RURAL entrevistou o engenheiro de produção Fábio Mota, vice-presidente de Tecnologia da companhia e responsável pelo Pulse, que em agosto completará 2 anos.

Em que tipo de inovação a Raízen estava interessada ao criar o Pulse?
Estávamos de olho em soluções que vão das operações de preparo de solo, plantio, tratos culturais e colheita e à melhor forma de entregar a cana na usina.

Já foi apresentada alguma solução prática?
Sim. E já temos startups rodando projetos no campo.

Qual o balanço desses primeiros 18 meses de Pulse?
Foram realizados 15 projetos pilotos e quatro contratos assinados com startups. Para a nossa surpresa, o resultado de apenas um deles já pagou todo o investimento que fizemos no Pulse.

Quais os próximos passos?
Vamos continuar apostando no hub e expandir para outras temáticas, como inovações de processo logístico e de varejo.

A Raízen achou a fórmula certa para a inovação?
Ainda estamos longe disso. No mundo das startups, nem sempre um caminho linear leva ao acerto. O sucesso também pode nascer a partir de fracassos.

Uma empresa do porte da Raízen consegue se adaptar a um ambiente que aceita a ocorrência de falhas?
As grandes corporações ainda não conseguem lidar muito bem com a falha. Mas isso está mudando, porque vem se espalhando essa cultura da inovação, mesmo que exista o risco.

Quais são os ganhos nesse tipo de cultura?
Há benefícios intangíveis para a empresa, como a proliferação de outras iniciativas. Nós, que fomos os pioneiros, estamos vendo o nascimento de outros hubs para o agronegócio. E isso é ótimo, porque estamos num estágio de colaboração. Estamos longe de ter um mercado de agtechs saturado. Queremos levar esse ecossistema à maturidade.

Uma ponte para o futuro
A parceria como modelo da Embrapa para entrar no mundo das agtechs

A inovação está no DNA da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), desde o seu nascimento, no início da década de 1970. Foram as suas pesquisas que revolucionaram a agropecuária tropical. Agora, a estatal quer dar um salto de qualidade e acelerar ainda mais sua missão no desenvolvimento científico. “Há uma nova mudança de paradigmas dentro da pesquisa e do desenvolvimento de tecnologias para o agronegócio”, diz o agrônomo Cleber Oliveira Soares, pesquisador e diretor executivo de Inovação e Tecnologia da Embrapa. “O produtor tem demandado mais celeridade entre a pesquisa e o campo.”

Para dar mais fôlego a essa tarefa, a Embrapa e o fundo de capital de risco Cedro Capital, de Brasília (DF), criaram, em 2016, o projeto Pontes para Inovação. A iniciativa põe nas mãos de startups os ativos tecnológicos (pesquisas, processos e serviços) da Embrapa, para transformá-los em produtos ou serviços inovadores e com apelo de mercado. O arsenal tecnológico é gigante. São cerca de 4 mil ativos tecnológicos, dos quais 836 podem chegar ao campo por meio de soluções vindas de startups. Para isso, elas podem contar com recursos de até R$ 6 milhões, caso o projeto seja selecionado pela instituição.

Na primeira edição do Pontes para Inovação, foram aprovadas seis startups. Realizada no fim do ano passado, a segunda rodada aprovou oito finalistas. A iniciativa da Embrapa também conta com o apoio do fundo SP Ventures, da construtora de negócios e aceleradora corporativa Acceleratus, da aceleradora e consultoria de fundos de investimento Cotidiano e do Parque Tecnológico de Brasília (BioTIC), uma subsidiária da Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal.

O Vale do Silício do agro
Com peso científico e empreendedor, Piracicaba é o grande pólo da inovação agrícola. E pode trazer bilhões de dólares à economia brasileira

Mundo afora
A startup Agrosmart, da CEO Mariana Vasconcelos,
já atua em oito países, entre eles Argentina e Estados Unidos

N o mundo da inovação, o termo “unicórnio” é usado para identificar empresas que nasceram como startups tecnológicas e que alcançam valor de mercado de US$ 1 bilhão. Não é fácil ostentar esse título. No Brasil, há um celeiro de boas tentativas, grande parte delas no município de Piracicaba (SP).

A região é o epicentro da inovação tecnológica para o campo e sedia uma das instituições de ensino mais antigas do País, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), inaugurada há 117 anos e ligada à Universidade de São Paulo (USP) desde 1934. No campo de estudo de Ciências Agrárias, a Esalq está em sexto lugar no ranking aa editora U.S. News and World Report, que classifica as melhores faculdades do mundo em vinte e duas áreas. Foi na sua área de influência que começou a se formar o maior ecossistema de inovação para o agronegócio. Assim, liderado pelo agrônomo Mateus Mondin, da Esalq, nasceu a marca Vale do Piracicaba (Agtech Valley), oficialmente lançada em 2016. O nome é uma alusão ao Vale do Silício, na Califórnia, nos Estados Unidos, berço de gigantes mundiais da tecnologia, como Apple, Facebook e Google. Atualmente, o Vale do Piracicaba reúne 75 agtechs. Nesse espaço, há 85 empresas, entre elas, grandes brasileiras como o Centro de Tecnologia Canavieiro (CTC) e a Totvs, além das americanas Caterpillar, Valmont e CNH Industrial. Segundo Mondin, o ecossistema é livre e democrático, sem regras ou controle de algum grupo. “É a essência que tornou forte todos os ecossistemas empresariais do mundo”, diz ele. A região exerce uma forte atração sobre quem deseja ver ou ser visto por investidores.

É o caso da Fast Agro. Fundada em 2009, em Rondonópolis (MT), pelo agrônomo paulista Fernando Reis, 37 anos, a empresa fabrica biofertilizantes e produtos de fisiologia para soja, milho, feijão e algodão. Em 2015, Reis abriu a Gênica, em Piracicaba. “Precisávamos estar presentes num forte ecossistema de agtechs do País”, afirma o agrônomo. “E Piracicaba atrai muitos investimentos e bons negócios.” Os resultados em soluções biotecnológicas já começam a aparecer. Até o ano que vem, a startup deve produzir uma vacina contra a ferrugem asiática, praga da soja que causa prejuízos de US$ 2 bilhões por safra. Hoje, a Gênica trabalha com cerca de 250 produtores no Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais e Tocantins.

Uma das startups de maior destaque no Vale do Piracicaba é a Agrosmart, empresa de monitoramento climático e de irrigação por meio de sensores de solo e de imagens de satélite, cuja sede fica em Campinas (SP), a menos de 100 quilômetros de Piracicaba. “Acredito muito nesse tipo de ecossistema”, declara Mariana Vasconcelos, 27 anos, co-fundadora e CEO
da Agrosmart. “É um ambiente que conspira para que as coisas dêem certo. O Vale do Silício é exatamente assim.” Aliás, a Califórnia tem sido um dos destinos usuais de Mariana. Por lá, os laços da inovação conectam a Agrosmart com a universidade Singularity e a Nasa, a Agência Espacial Americana. Além do Brasil, as soluções da Agrosmart já são utilizadas em oito países, entre eles África do Sul, Argentina e Estados Unidos. Mariana não revela dados financeiros da sua companhia, mas estimativas do mercado indicam que ela está a caminho de se tornar um unicórnio entre as agtechs brasileiras.

FUNDO EXCLUSIVO

Para o fundo de investimentos SP Ventures, as startups do campo têm tudo para se tornarem unicórnios. “De capital de risco eu entendo”, afirma Francisco Jardim, CEO da SP Ventures. “Foi a metodologia que provou ser capaz a construção de uma empresa de US$ 50 bilhões a US$ 100 bilhões a cada cinco anos.” Ele dá como exemplo as americanas Amazon, a mais valiosa do mundo – com cerca de US$ 820 bilhões –, Apple, Google e Facebook. Jardim começou a investir no agronegócio operando um fundo de R$ 20 milhões do BNDES. “Imaginava que meu foco seria o tradicional do Vale do Silício, como empresas de software e comércio eletrônico”, conta. “O agronegócio nem passava pela minha cabeça.” De 2007 a 2012, porém, das oito empresas investidas, metade eram agtechs. No segundo fundo, de R$ 105 milhões, a participação das startups do agronegócio foi de 80%. E agora, com um fundo de cerca de R$ 280 milhões, ele será exclusivo para as inovações no campo. Entre os investidores, estão a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Financiadora de Estudos de Projetos (Finep), o Sebrae-SP e o Banco de Desenvolvimento da América Latina.

Os modelos de investimento vêm se multiplicando.

A Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio (Fundepag), que administra capital público e empresarial para o financiamento de pesquisas, também entrou no jogo. Em 2018, foram destinados R$ 3 milhões para as startups do campo. Para este ano, a previsão é de que esse valor chegue a R$ 4,2 milhões – aumento de 40%. “Há muitos motivos para participar mais ativamente desse mundo da inovação”, afirma Antônio de Oliveira, diretor-presidente da Fundepag, que tem um fundo de cerca de R$ 50 milhões para investir no agronegócio. Segundo Oliveira, os planos incluem um hub de inovação da própria fundação.