Da manga rosa, quero gosto e o sumo. Melão maduro, sapoti, juá. Jabuticaba, teu olhar noturno, beijo travoso de umbu, cajá.” Assim, Alceu Valença, compositor pernambucano, cantou a diversidade da fruticultura brasileira. Mas nem mesmo o sucesso de Morena Tropicana, que em 2022 completará 40 anos desde que foi apresentada ao público no álbum Cavalo de Pau, tornou populares as frutas nativas do País. Resultado: poucas delas ganharam escala comercial. Das citadas por Valença, somente a manga e o melão compõem a lista dos destaques das exportações. Ao seu lado na cesta, a uva, a maçã e o mamão fazem do País o 23º maior exportador de frutas do mundo.Mesmo com potencial pouco explorado do lado de fora da porteira, o Brasil está em terceiro no ranking global de produção, com faturamento projetado de mais de US$ 1 bilhão para este ano.

O primeiro semestre do ano indica que a temporada será boa. De janeiro a julho foram exportadas 515 mil toneladas de frutas, 29% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. O volume permitiu alcançar receita de US$ 440,1 milhões, 40% maior que a de 2020, de acordo com a Associação Brasileira dos Exportadores de Frutas (Abrafrutas). Os principais destinos foram a comunidade Europeia, seguida por Estados Unidos e Inglaterra. Para Guilherme Coelho, presidente da Associação, os dados são animadores e mostram o interesse crescente do mercado internacional pela mercadoria brasileira. “Historicamente, as exportações são mais tímidas no primeiro semestre. Agora, no segundo, elas vêm com mais força”, afirmou.

A uva foi o principal destaque, com 21,7 mil toneladas embarcadas de janeiro a junho, volume 110% superior em relação ao mesmo período de 2020, seguida por maçã (93 mil, +80%), manga (79,3 mil, +46%), mamão (25,5 mil, +26%) e melão (86,4 mil, +9%). Os fatores que mais contribuíram – e seguem colaborando – para o crescimento das exportações são o câmbio favorável, a busca por um cardápio mais equilibrado pelo consumidor e o aumento da produtividade no campo brasileiro. De acordo com a assessora técnica da Comissão Nacional de Fruticultura da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Letícia Fonseca, o trabalho do País no desenvolvimento de novas tecnologias está sendo determinante. “A tecnificação da produção tem garantido não só o aumento de produtividade, mas também da qualidade dos frutos”, afirmou. O crescimento dos terrenos irrigados, atrelado às tecnologias implementadas e condições favoráveis de clima e solo, está tornando a região Nordeste, por exemplo, uma potência de produção frutícola, segundo Letícia. “E permite ainda a produção de algumas frutas o ano inteiro, como a uva”, disse.

O trabalho de abertura de novos mercados é um dos principais gatilhos para o aumento da produção brasileira de frutas

VOCAÇÃO Com o aumento da produção do fruto, que passou de 1,1 milhão de toneladas na safra 2017 para 1,7 milhão na estimativa para 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil está crescendo no mercado internacional. Edis Ken Matsumoto, presidente da Cooperativa Agrícola Nova Aliança (Coana), destaca o aumento da presença da uva brasileira nos mercados. “O Chile, um dos principais exportadores de uva, teve parte da sua produção perdida com as chuvas no começo do ano. Isso abriu uma oportunidade para o Brasil”, disse. A cooperativa, localizada em Petrolina (PE), aproveitou o bom momento e embarcou 2 mil toneladas no primeiro semestre, ante as 631 toneladas de 2020, o que resultou em um faturamento 405,8% superior ao mesmo período do ano passado. Além disso, em 2020 o Brasil começou as exportações para a Bolívia, o que colaborou para que os resultados fossem melhores.

O desempenho da maçã também surpreendeu, principalmente depois que Guatemala, Colômbia, Nicarágua e Senegal passaram a comprar diretamente de produtores brasileiros. A produção favorável, que ultrapassou 1,2 milhão de toneladas, foi motivo de comemoração para as empresas exportadoras. É o caso da Rasip Agropastoril, em Vacaria (RS), que exportou 9 mil toneladas de janeiro a julho, volume 61% maior se comparado ao mesmo período no ano anterior. Segundo Celso Zancan, diretor de operações da empresa, o resultado é só o começo de uma longa jornada. “A nossa produção está aumentando e o mercado interno não absorverá tudo isso. Precisaremos exportar ainda mais”, disse.

“A tecnificação da produção nos polos tem garantido não só o aumento de produtividade, mas também da qualidade dos frutos ” Letícia Fonseca CNA (Crédito:Wenderson Araujo)

Mas a grande surpresa mesmo aconteceu em 2019, quando o melão passou a ser exportado para a China. Segundo Pedro Rodrigues, assessor de relações internacionais da CNA, a aprovação abriu uma grande oportunidade para o Brasil. “É um mercado bilionário e que está registrando constante aumento de renda das famílias”, disse. A abertura, atrelada ao cenário favorável das exportações, trouxe bons resultados para a Agrícola Famosa, que embarcou 48,1 mil toneladas da fruta nos seis primeiros meses de 2021, 58% a mais do que em 2020. De acordo com Carlo Porro, fundador e CEO da empresa, situada na divisa dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará, o volume permitiu um faturamento de US$ 33,6 milhões, ante os US$ 18,9 milhões no primeiro semestre de 2020. “Investimos em melhoramento genético, o que gerou frutas de melhor qualidade e que chamam mais a atenção do importador”, disse.

OPORTUNIDADES E DESAFIOS Um dos principais gatilhos da alavancagem da produção brasileira, o trabalho de abertura de novos mercados é um dos focos da Abrafrutas, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e de outras instituições, como reforça o presidente da Associação. “Estamos estudando a exportação da uva, limão e avocado para a China. Assim como do limão para os EUA”, disse Coelho.

Para incentivar os produtores a exportarem e ajudá-los nos processos, o assessor de relações internacionais da CNA reforça a importância de incentivos, como o do AgroBR. “O programa visa capacitar e estimular os agricultores a venderem seus produtos lá fora, o que funciona ainda como uma mitigação de riscos caso o mercado nacional não esteja favorável”, disse Rodrigues.

Com mais interessados no mercado internacional, problemas terão de ser enfrentados. É o caso do valor do frete. Uma pesquisa realizada pela Talura, especializada em fretes internacionais, em parceria com 18 entidades do setor identificou aumento médio de 93% nos valores dos fretes marítimos nos últimos meses. Em alguns casos, os reajustes superaram 300%. Frederico Cabral da Costa, diretor comercial da Ibacem Agrícola, de Petrolina (PE), alerta que há mais obstáculos. “O custo com logística da fazenda para o porto subiu, assim como os preços das embalagens e insumos importados.”

As cinco frutas que foram destaque no primeiro semestre devem continuar puxando a demanda. As expectativas são altas, mas é preciso agir estrategicamente para que o caminho seja tão doce quanto os versos de Morena Tropicana.

Potencial além do grão

O Mato Grosso do Sul, quinto maior produtor de grãos do País, também sonha em se tornar um polo da fruticultura. De acordo com o presidente do Sindicato Rural de Campo Grande (MS), Alessandro Coelho, o estado que possui o segundo maior potencial hídrico do País só utiliza 5,6% de sua capacidade de irrigação, fator indispensável para o desenvolvimento de frutas. “Temos 95% do potencial a ser ampliado. Precisamos de profissionais especializados no setor para capacitar nossos produtores, e recursos financeiros para investirmos em infraestrutura”, afirmou. O Proirriga, programa do governo destinado ao financiamento da agricultura irrigada, que terá R$ 1,35 bilhão, com juros de 7,5% ao ano, será uma dos impulsos para que o estado se desenvolva.