As vacas magras que, literalmente, assombraram o mercado pecuário nos últimos quatro anos parecem estar relegadas a pálidas lembranças de um passado inglório. Indústria e pecuaristas olham para o futuro com otimismo e se preparam para um ano de ganhos em um 2008 que bate à porta. Em poucas ocasiões se viu um mercado tão ajustado. O preço da arroba, até o fechamento desta reportagem, de acordo com o índice Esalq/USP, no valor pago a vista, chegou a R$ 69,22, ante R$ 56,60 no mesmo período de 2006. Ou seja, uma valorização de 22%. Levando-se em conta apenas o acumulado do ano, os resultados são ainda melhores. A primeira cotação do ano cravou R$ 53,03, o que significa incremento de 30% no preço da arroba, até meados de novembro. Numa pequena comparação, isso significa que o mesmo boi, com peso médio de 16,5 arrobas, era cotado a R$ 875 em janeiro e a R$ 1.114 em novembro. Num projeto médio para abate de 100 cabeças mensais, a receita saltou de R$ 87,5 mil para R$ 111,4 mil mensais. Para analistas, essa pode ser a diferença entre se manter na atividade ou ganhar dinheiro com ela.

“Mato Grosso do Sul voltará a exportar carne, mas teremos de reconquistar os mercados perdidos”

ADEMAR SILVA JUNIOR, presidente da Famasul

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Mas essa diferença de preço tem motivo. Existe no mercado uma oferta de carne reduzida. Em outras palavras, falta boi para abater. O “problema” não coloca em risco o abastecimento ou as exportações, mas é o bastante para fazer a indústria abrir a carteira para comprar o que há de boi disponível na praça. Mesmo com os preços em alta para o pecuarista, o consumidor ainda não sentiu esses efeitos nas prateleiras dos supermercados. Por isso todos ganham. Levando em consideração os dez maiores frigoríficos do País e seus projetos de compra e ampliação de novas plantas, há em curso mais de R$ 20 bilhões em volume de investimentos circulando Brasil afora. Uma das explicações está no custo do concorrente, ou seja, o bom e velho frango, que, devido aos seguidos aumentos de preço da soja e do milho, principais matérias-primas, teve seu valor repassado para o consumidor.

“Os preços devem se manter firmes e com boa rentabilidade em 2008”

IAN HILL, diretor da Agropecuária Jacarezinho

Outro aspecto que vem sofrendo mudanças é o relacionamento entre pecuaristas e frigoríficos. Ambas as partes têm se enxergado como partes complementares da mesma cadeia e tentam traçar planos conjuntos para o futuro, cujos ventos parecem soprar favoravelmente.

Essa pelo menos é a opinião do pecuarista Ian David Hill, diretor da Agropecuária Jacarezinho, do Grupo Grendene. A empresa, que possui um rebanho de 30 mil cabeças e fatura R$ 30 milhões ao ano, está otimista. “Os preços devem seguir firmes em 2008 e a rentabilidade será mais alta do que observamos em 2007”, afirma. Mas, mesmo com bons negócios pela frente, alguns ajustes são necessários. A Jacarezinho está mudando seu rebanho de Valparaíso, região noroeste de São Paulo, para o município de Barreiras, no extremo oeste da Bahia. “Estamos construindo uma usina de açúcar e álcool, mas continuamos firmes na pecuária de corte”, afirma Hill.

Ir para longe, em busca de terras mais baratas, parece não ser uma tendência exclusiva de pecuaristas. Empresas frigoríficas também têm fincado suas bandeiras em diversos Estados brasileiros. A próxima tendência, segundo especialistas, é a busca por regiões que ofereçam boas condições de criação e, acima de tudo, que possibilitem uma engorda mais fácil. Por isso, regiões produtoras de grãos aparecem como boa opção para novos investimentos. É o que diz o diretor do Frigorífico Independência, Miguel Graziano Russo. A empresa, que vem realizando uma série de aquisições nos últimos anos, planeja se instalar em Mato Grosso. O Estado foi escolhido justamente por ser um grande produtor de grãos. O município ainda é incerto e estudos estão em curso. Seja como for, o fato é que o Independência segue a tendência de outros gigantes, como Marfrig e Friboi, que pretendem se instalar em Sorriso, um dos mais produtivos municípios de Mato Grosso. Mas, para Graziano, o importante mesmo é manter os bons preços pagos aos produtores, porque isso é o que dará sustentação ao mercado nos próximos anos. “Não podemos matar nossa galinha dos ovos de ouro”, brinca. Ele avalia, porém, que o Brasil ainda exporta muitos cortes dianteiros, considerados menos nobres, e que essa tendência deve mudar nos próximos anos.

A mesma tese é compartilhada pelo presidente da Federação Agrícola de Mato Grosso do Sul (Famasul), Ademar Silva Júnior. O Estado possui o maior rebanho brasileiro, com aproximadamente 25 milhões de cabeças. “Temos certeza que 2008 será o ano da virada”, diz. Isso porque Mato Grosso do Sul foi declarado livre de febre aftosa, com a vacinação pelo Ministério da Agricultura no último dia 6 de novembro. O anúncio, realizado pelo governador André Puccinelli (PMDB-MS), coloca fim a um embargo de dois anos, quando três focos da doença varreram o Estado do mapa dos exportadores. Mas o caminho pela frente não será simples. A Organização Internacional de Epizotias (OIE) tem de chancelar a decisão. “Isso deve acontecer até abril do próximo ano”, revela Silva Júnior. Na opinião do analista de mercado Fabiano Tito, da Scot Consultoria, o ano que se aproxima deve ser mesmo de bons negócios. “Boi não é como frango ou suíno, em que a produção pode crescer de forma rápida”, avalia. Segundo ele, apenas em meados de 2009 haverá uma oferta de carne mais folgada, o que pode, talvez, pressionar para baixo os preços pagos aos pecuaristas. “Até lá, há boas possibilidades de bons negócios”, diz. “Parece que chegou, enfim, a vez do boi.” É essa a torcida de grandes e pequenos pecuaristas espalhados por todo o território nacional.