O avião monomotor Bonanza sobrevoa a Chapada das Mangabeiras, no Tocantins, para fazer seu pouso na Agrícola Rio Galhão, uma faixa de 40 mil hectares de terras que faz divisa com o Estado da Bahia. A bordo, o empresário Sérgio Bueno, sócio-diretor do projeto, comenta as transformações em curso. O local está no coração de uma das áreas mais pujantes do País, onde Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia formam uma macrorregião chamada Matopiba. Bueno acredita que o mundo viverá nos próximos anos uma demanda cada vez maior por alimentos e estar numa das regiões mais badaladas da agricultura brasileira é surfar a onda certa. Em 2008 ele foi personagem de uma reportagem da Dinheiro RURAL com o título “Plante que o mundo garante”. À época, ecoavam os primeiros gritos de que o crescimento populacional demandaria uma grande quantidade de alimentos e que grandes oportunidades se abririam. Ao que tudo indica, a tese levantada naquela edição estava correta e hoje Bueno não pensa em parar de crescer. “O produtor brasileiro está pronto para alimentar e há muita tecnologia ajudando nessa busca”, avalia. No ano passado, ele investiu R$ 2,6 milhões em equipamentos durante a Agrishow. “E neste ano pode ser que eu invista mais uns R$ 2 milhões por causa do crescimento do projeto”, afirma.

Desde que a equipe da Dinheiro RURAL visitou a Agrícola Rio Galhão, já se passaram cinco anos. Os índices de produtividade dispararam. Em talhões em que se colhiam 44 sacas por hectare, hoje as máquinas chegam a retirar 75 sacas por hectare. “Tivemos algumas partes da fazenda que sofreram um pouco com uma seca e produziram menos, mas na média, nesta região, quem faz 50 sacas por hectare sabe que não foi bem”, diz o fazendeiro, que produz acima de 55 sacas por hectare. O motivo para tamanha diferença num espaço tão curto de tempo está na aplicação de tecnologia de ponta, seja no manejo da terra, seja nas máquinas que trabalham a fazenda.

A ideia de comprar terras na região foi do pai de Sérgio. O advogado Fernando Bueno (entrevista na página ao lado) e seus sócios compraram 40 mil hectares pelo valor correspondente a duas sacas de soja o hectare, uma ninharia em comparação com as 90 sacas o hectare, nos dias de hoje. Naquele tempo, toda a região era um imenso deserto e pouco, para não dizer quase nada, se sabia da agricultura local. Os primeiros experimentos vinham de uma cidadela chamada Mimoso do Oeste, distrito de Barreiras que mais tarde se tornou a conhecida cidade de Luis Eduardo Magalhães. Passados quase 30 anos de uma compra cujo sucesso dependia do desenvolvimento de uma tecnologia que ainda não existia, um novo país desperta em meio ao Cerrado do Tocantins. Hoje, além de boa produtividade, essa terra oferece oportunidades tão inovadoras quanto a própria agricultura tropical.

O desenvolvimento da Agrícola Rio Galhão começou em 2002 quando a família decidiu colocar o projeto para andar. O investimento inicial para abertura dos primeiros 2.500 hectares veio da Santa Fé Portfólios, a empresa de gestão de recursos da família, o que inclui fazendas de cana-de-açúcar na região de Agudos, em São Paulo. Desde o ano passado, porém, uma parceria com o Grupo Ceagro, braço brasileiro da multinacional argentina Los Grobo, do empresário Gustavo Grobocopatel, tem acelerado o crescimento da Rio Galhão.

Os modelos implantados pela Ceagro são diversificados. Mas, basicamente, a empresa arrenda a terra para exploração de soja e milho. Os donos ficam com parte da operação, o que, no caso da Agrícola Rio Galhão, significa todo o plantio e cultivo. “Com o caixa que isso gera, estamos abrindo mais terras que serão exploradas pela Ceagro, eliminamos o risco agrícola e podemos avançar o projeto”, explica Bueno. Para Rogério Grando, da Ceagro, também há vantagens. “Não precisamos imobilizar uma quantia grande de dinheiro em terras e podemos produzir da mesma forma”, avalia. Hoje, a Ceagro já é uma das maiores empresas agrícolas do País, com receitas acima de R$ 200 milhões e mais de 160 mil hectares cultivados.

Com a exploração da soja e do milho nas mãos da Ceagro, o projeto se desmembrou em dois negócios distintos. A dona das terras é a Agrícola Rio Galhão S.A., que recebe o arrendamento e faz uma série de operações, como plantio e cultivo, todas remuneradas como uma empresa terceirizada.

Para que tudo aconteça sem sobressaltos, novas máquinas e equipamentos  foram adquiridos na Agrishow do ano passado. “É importante aproveitar momentos como o dessa feira porque está tudo num lugar só, com linhas de crédito interessantes e todos os concorrentes juntos para que se possa tirar qualquer dúvida”, diz Bueno. “Fizemos investimentos importantes porque vamos abrir mais sete mil hectares e precisamos de tecnologia de ponta para começar as operações”, completa.

Com um fluxo de caixa definido e um contrato de dez anos, a Agrícola Rio Galhão se transformou no que se chama Land Company, uma empresa especializada na gestão de terras. Grupos como SLC, Cosan e a própria Ceagro possuem estruturas à parte para gerir seus patrimônios. “Como tenho uma previsão de receita em contrato, consigo gerar um recebível, que é um título que eu desconto, levanto capital e faço as benfeitorias na terra sem precisar recorrer a financiamentos”, explica o proprietário.

O objetivo da Agrícola Rio Galhão é se consolidar em dez mil hectares em produção nos próximos três anos. O solo, se tudo der certo, estará apto a abrigar algodão, além da soja e do milho. O investimento para isso será alto, principalmente para a implantação da cotonicultura. “O Cerrado não é a pampa úmida argentina e é preciso muita correção e nutrientes para conseguir produzir algodão”, explica o consultor Landino José Dutkievicz, que atua na região do Matopiba. Hoje, os custos estimados para o plantio do algodão estão em R$ 8 mil reais por hectare, ante R$ 1,5 mil para a soja. Mas, segundo o especialista, é um investimento que vale a pena. “O retorno do algodão é muito maior e a região é propícia para a cultura, desde que utilizada a tecnologia correta”, pondera.

Acertar o modelo de negócios de uma propriedade não é tarefa fácil. Importantes grupos que cresceram escorados em altas taxas de alavancagem acabam, cedo ou tarde, pagando o preço das dívidas acumuladas. Pensando nisso, e com a experiência de quem conhece bem o mercado financeiro, todos os investimentos foram acontecendo aos poucos. As primeiras áreas abertas também contaram com parceiros, como o grupo inglês ARG Britânia, além de investidores nacionais. Nesse período, foram abertos os primeiros 2.500 hectares. O custo de implantação da fazenda, com todos os investimentos em infraestrutura, gradeamento, abertura de área e afins, passou de R$ 11 milhões. Até que a parceria com a Ceagro fosse firmada, outras propostas apareceram. Uma delas dava conta de uma possível sociedade com a Fazenda Jacarezinho, do empresário Alexandre Grandene, uma das mais importantes empresas na criação de gado. “Na época ficamos um pouco chateados, porque precisávamos de um parceiro para crescer, mas hoje, com a Ceagro, podemos fazer tudo o que sempre desejamos”, avalia.

Enquanto desenvolve seu projeto com a Ceagro, Bueno ainda administra outra fazenda de sua propriedade, com 1.755 hectares abertos. Com os lucros das operações, já comprou até uma colheitadeira nova que substituiu outros quatro equipamentos. “Só não pode quebrar, porque senão fico em problemas”, brinca. Segundo ele, as terras próprias servem como laboratório na região e como paixão. “Plantar alimentos é uma atividade nobre e uma paixão.” Quanto ao negócio principal, ao final do contrato com a Ceagro, serão muitas as possibilidades. “Teremos uma terra totalmente corrigida e produzindo, com dez mil hectares, um total de 20 mil agricultáveis”, explica Bueno. Três opções serão possíveis. A primeira e mais provável, segundo ele, é renovar a parceria. A segunda, retomar o projeto e tocá-lo sem uma parceria. E a terceira, liquidar a Rio Galhão e partir para mais uma aventura em algum lugar distante. E pensar que tudo começou com um investimento de duas sacas por hectare…

O advogado Fernando Bueno comprou terras no extremo leste do Tocantins num tempo em que nem mesmo a Bahia havia se desenvolvido completamente para culturas como soja e algodão

Por que o sr. decidiu comprar terras num lugar pouco conhecido naquela época?
Tínhamos um negócio com cacau no município de Alta Floresta, em Mato Grosso, que não vinha dando o retorno que esperávamos. Resolvi vender essa fazenda, mas não queria perder a posição que eu tinha em terras. Um amigo meu, de muita confiança, me indicou essa área do Tocantins. Resolvi comprá-la e fazer uma aposta.

Mas naquele tempo o Cerrado era uma promessa…
Sim, é verdade. Mas já se ouvia falar de uma boa agricultura surgindo no distrito de Mimoso do Oeste, que hoje virou Luis Eduardo Magalhães. Do ponto de vista geográfico, essa é a mesma região em relação a altitude, relevo e pluviometria, por isso pensei que era uma questão de tempo até que essa nossa região se desenvolvesse.

Não tiveram problemas com grilagem?
Na verdade, o projeto começou quando tivemos que entrar com uma ação judicial para reintegração de posse. Nossas terras haviam sido invadidas e depois desse episódio percebemos que tínhamos que começar não só a tomar conta, mas a investir e fazer o projeto prosperar. A titulação das terras era totalmente correta, porque todo o processo de venda daquelas terras pelo Estado foi muito bem feito, por isso não era difícil identificar que tínhamos uma belíssima oportunidade.

E como foi o início do projeto?
Eu me lembro que levei meu filho, Sérgio, para ver as terras. Quando ele chegou lá e viu toda a região, lembro de ele me falar: “Pai, o senhor ganhou na loteria e não sabia.” Hoje, já com alguns anos de conhecimento da região, tenho a impressão de que estamos num local estratégico porque nossas chuvas têm se mostrado mais regulares se comparadas até mesmo com as chuvas em Luis Eduardo Magalhães ou Roda Velha.

O sr. trabalhou ativamente em processo em que os Estados da Bahia e do Tocantins disputavam divisas. Essa questão está resolvida?
No começo de abril aconteceu, finalmente, um acordo entre os Estados do Tocantins e da Bahia e essa disputa está encerrada. Nossas terras estavam justamente no meio dessa discussão. No fim das contas, o bom-senso prevaleceu e tudo fica como está porque os dois Estados tinham bastante a perder, caso mudanças acontecessem.

É possível dar um exemplo?
A Bahia poderia perder a região de Luis Eduardo Magalhães, o que os produtores não querem. E a Chapada das Mangabeiras passaria para a Bahia. No fim, tudo acabou bem para todos.