Jacyr Costa Filho, diretor do grupo Tereos Brasil e presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, fala sobre as eleições no País e o ambiente de negócios para o setor

Jacyr Costa Filho, 61 anos, diretor da região Brasil do grupo francês Tereos, tem dividido o seu tempo de executivo em duas agendas. Uma delas, que paga o seu salário, é a gestão da subsidiária da cooperativa de agricultores europeus que se tornou a segunda maior produtora global de açúcar, com receita de cerca de € 5 bilhões no ano passado. A outra agenda, sem remuneração, é manter atuante o Conselho Superior do Agronegócio (Cosag), na Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), órgão no qual Costa Filho é presidente desde 2016. É nesse cargo que o executivo tem ganhado relevância para o setor, ao colocar em pauta uma extensa lista de necessidades do agronegócio, nas áreas tributária, ambiental, jurídica, sanitária e comercial. Algumas podem ser resolvidas de modo técnico, mas a maior parte necessita de muito empenho político. O Cosag tem 150 membros, entre representantes de produtores e da agroindústria, e seu raio de ação tem ido além das fronteiras paulistas. Confira a entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, na qual Costa Filho fala de eleições presidenciais, sistema financeiro e como o agronegócio pode atravessar uma de suas mais desafiantes tarefas: o salto tecnológico com qualidade para as cerca de cinco milhões de propriedades rurais no País.

DINHEIRO RURAL – Após as eleições presidenciais, qual deve ser a pauta imediata do agronegócio, a partir do dia 1º de janeiro de 2019?
JACYR COSTA FILHO – Acho que se deve criar um ambiente de desenvolvimento de negócio que seja favorável ao setor. Principalmente, destravar a burocracia. Por exemplo, tornar a aprovação de defensivos agrícolas mais rápida, ágil e segura. E fazer a reforma tributária, acabando com esse mundaréu de papeis. Na Tereos, temos 32 pessoas para cuidar de pagar impostos e 12 pessoas para vender açúcar, porque todo dia muda alguma coisa. Isso está invertido, não há lógica. Também é necessário tirar as ideologias das regulações ambientais. O Brasil precisa ser sustentável para se vender lá fora. E criar bases para uma efetiva garantia da qualidade dos produtos brasileiros. Precisamos de uma agenda agressiva visando ao comércio exterior. Isso me preocupa. Os candidatos a presidente, que hoje são líderes nas pesquisas, não têm uma agenda de comércio exterior. Em uma das reuniões do Cosag, o CEO da Minerva Foods, Fernando Queiroz, que a Minerva tem acesso a mercados mais rentáveis para a carne, mas o Brasil não tem acesso. Quem tem é a Austrália, os Estados Unidos e a Argentina, porque fizeram acordos comerciais. Hoje, a Minerva está lá. Ela é, também, o maior exportador do Paraguai, com
US$ 1 bilhão por ano. O Brasil precisa deixar de ser um país burocrático e regulado. Chega de criar emprego para funcionário público, vamos criar empregos para o funcionário privado.

RURAL – Que Brasil pode emergir após as eleições presidenciais?
COSTA FILHO – Nunca vi uma eleição tão polarizada como essa, que em boa parte é fruto da crise pela qual o Brasil passa. O País também passou por uma desconstrução da classe política e foi um erro. Essa eleição é muito singular até pelas escolhas dos vice-presidentes. Normalmente, uma pessoa de extremos escolhe um vice mais ao centro, para atrair esse grupo. Ninguém ganha uma eleição indo mais para os extremos. E aí Jair Bolsonaro escolhe um general, ou seja, indo mais para a direita do que ele. E Fernando Haddad, do PT, escolhe uma vice mais à esquerda. No entanto, o Brasil é um país de acolher, como fez com os imigrantes em sua história. Então, eu não vejo uma tendência natural do povo brasileiro para o radicalismo. Quem ganhar essa eleição vai encontrar instituições fortes. Pode se criticar aqui e ali radicalismos de juiz, posições do legislativo, mas são instituições que, bem ou mal, estão funcionando. Então, passado o afã da eleição, haverá uma tendência de construção do País, porque ninguém vai governar nos extremos. A oposição será muito forte e será preciso convergir para o centro, seja a esquerda ou a direita. Agora, se um candidato mais ao centro ganhasse, seria mais fácil atrair as bordas menos radicais de cada lado para governar o País.

RURAL – Que preço o setor está pagando por essa polarização e radicalismos políticos?
COSTA FILHO – Lamento, mas é o Brasil que está perdendo grandes oportunidades nos últimos tempos, porque os investidores vão aguardar para ver como ficarão as coisas. E como eu vejo o mundo? No caso dos Estados Unidos, os investidores estão se arriscando o mínimo porque não se sabe nunca o que vem de Donald Trump. A China é a China, um país difícil de lidar. A Europa está em crise. A saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, está mais traumática do que se imaginava. Então, havia uma grande possibilidade de que o dinheiro que está no mundo, e há muito dinheiro circulando no mundo, viesse para o Brasil. Mas acho que, infelizmente, esse bonde está passando. Então, espero que quem ganhe a eleição tenha juízo de fazer uma aproximação mais pró-mercado para que o País possa aproveitar essa onda porque ela ainda é favorável ao Brasil.

Crescimento acelerado: até 2025, a previsão é que o Brasil cultive 41,5 milhões de hectares de soja, volume 20,5% acima da atual área (Crédito:Divulgação)

RURAL – Qual o ânimo, o espírito pensante, que tem movido o agronegócio nesses tempos de economia em crise?
COSTA FILHO – Existe um ânimo que é do próprio setor do agronegócio. Ele continua ganhando uma projeção importante, porque o mundo permanece migrando de uma população rural para uma população cada vez mais urbana. Há demanda por alimentos e o Brasil é a principal fonte. E o País inovou muito. Nem é preciso ir muito longe. Há dez anos, as técnicas agrícolas utilizadas eram muito diferentes do que são hoje. Antes, havia fatores críticos de produção agrícola baseados, principalmente, na mão de obra e no clima. Claro que havia desenvolvimento e pesquisa, mas hoje o fator chave de sucesso é o uso mais intensivo de tecnologia e capital para implementá-la.

RURAL – Isso muda as relações no campo?
COSTA FILHO – Sim, porque as condições para utilizar essa tecnologia, visando ao desenvolvimento da produção, são mais relevantes do que eram no passado. É preciso outros tipos de equipamentos agrícolas. Muda, também, o modelo de dependência do governo e do crédito rural oficial, que está falido. O produtor precisa de mecanismos mais modernos de acesso a capital, mais afinados com o mercado. Basta ver o exemplo de empresas que surgiram no agronegócio baseadas no capital de bolsa, como a SLC Agrícola, a BrasilAgro. Elas se abriram para ter acesso a fontes de capital.

RURAL – O crédito oficial está fadado a desaparecer?
COSTA FILHO – O crédito rural hoje tem uma taxa de juros de 7% ao ano. A taxa básica de juros, que é a Selic, é de 6,5%. Há muito crédito rural que não foi tomado por falta de interesse. Porque o tomador de crédito vai buscar outros mecanismos de se financiar a produção e a expansão do negócio.

Alimento para mundo: as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 96 bilhões no ano passado, um aumento de 13% em relação ao ciclo anterior (Crédito:Santos Brasil)

RURAL – Mas um modelo de menor dependência do governo não afetaria o crédito aos milhões de médios e de pequenos produtores rurais?
COSTA FILHO – Eu acho que há um caminho e tudo tem uma transição. E o caminho é o cooperativismo para todo o País. Os pequenos e médios produtores vão ter de aprender a se agrupar em cooperativas, como é na Europa. Na Nova Zelândia o modelo é um sucesso. No caso da produção de leite, ela é uma cooperativa multinacional que está em vários países. No Sul do Brasil, como se formou o espírito cooperativista? Eram migrantes, precisavam se unir em um país desconhecido. E também pelo fato de as propriedades menores irem perdendo as condições ideais de produção de uma geração para outra. A cooperativa foi um instrumento para cuidar do comércio, da compra de insumos. Isso vai acabar acontecendo em Mato Grosso, por exemplo. Porque no momento que as propriedades médias e pequenas estiverem perdendo produtividade frente ao vizinho que está usando alta tecnologia, esses produtores vão se agrupar. É assim que começa o senso cooperativista. Além disso, as próprias cooperativas do Sul estão montando filiais para motivar e acelerar esse processo. A transição também passa pelo sistema bancário brasileiro, que é muito concentrado. O que pode dar maior base para os pequenos e médios se financiarem é o crescimento dos bancos médios, como é nos Estados Unidos. Nesse país há muitos pequenos e médios produtores que são muito fortes e são suportados pelos bancos locais e regionais. Mas aqui no Brasil eles sumiram.

RURAL – Sumiram em um movimento alinhado pelo governo, de concentração do setor a partir dos anos 1990.
COSTA FILHO – Sim, alinhado com o governo. Mas eu acredito que num livre mercado haveria uma facilitação de acesso à criação de novos bancos, de fintechs com foco no agronegócio. Haverá, sim, uma maior pulverização de agentes financeiros que vão se interessar pelo agronegócio. Pegue o exemplo da XP Investimentos e confira em quantos eventos do agronegócio essa corretora de valores participa. Então, mesmo que hoje haja um sistema de regulação bancária fechado, acredito que vá surgir alternativas. Em voos de São Paulo para Cuiabá (MT), a gente encontra um monte de garotos de fintches – que para mim 30 anos são garotos –, indo visitar clientes. O Rabobank, por exemplo, já montou uma filial no Estado. No setor da cana-de-açúcar, que é onde atuo, há uma tendência das usinas darem acesso a crédito a produtores. Esse crédito, com as usinas como garantidoras, não é uma novidade, mas está se tornando uma necessidade mais premente e em uma escala maior.