Luís Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio

Quatro de agosto, uma segunda-feira de trânsito intenso na capital paulista, foi um dia cheio para Luís Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Antes das seis da manhã, Carvalho já estava a caminho do World Trade Center, onde aconteceu o 13º congresso da entidade, para recepcionar os convidados à abertura do evento, entre eles o governador do Estado, Geraldo Alckmin, o presidenciável Aécio Neves, do PSDB , e o ministro da Agricultura, Neri Geller. Na sequência, passaria o restante do dia recebendo outras autoridades, como o vice-presidente Michel Temer, pesquisadores e consultores, além de atender a incontáveis pedidos de entrevistas. Carvalho, formado em agronomia e mestre em administração, tem opiniões claras quando fala em nome da Abag: ele quer uma entidade forte, com peso para reivindicar melhorias em infraestrutura, aporte tecnológico e segurança jurídica no campo. Na semana que antecedeu o congresso da entidade, Carvalho recebeu a revista DINHEIRO RURAL para uma entrevista exclusiva.

DINHEIRO RURAL – Qual é o grande desafio para o agronegócio brasileiro?

LUÍS CARLOS CARVALHO – O século 21 é a era das inseguranças, mas continuamos a chamá-lo de o século da segurança alimentar e energética. O fato é que os limites existentes no planeta nos levam a uma luta por recursos, como água, minérios, terra, capacidade de expansão. Então, os recursos naturais passam a ter um grande valor. Lá no século 18, o economista Adam Smith dizia que a sociedade se moveria por trabalho, capital e recurso. Pois bem, estamos no tempo dos recursos, porque a primeira revolução industrial e a segunda, vindas do carvão e do petróleo, foram baseadas em trabalho e capital.

RURAL – Nessa nova era, a produção de alimento e a de energia são indissociáveis?

CARVALHO – Atualmente, sim. Até 2007, quando se olhava para as commodities agrícolas, seus preços andavam numa direção e os preços da energia eram baixos ou sem correlação com os mercados de
milho, trigo, óleos vegetais, soja, cana-de-açúcar e beterraba açucareira, por exemplo. Mas, quando esses produtos passaram a destinar mais de 10% da sua demanda à produção de biocombustíveis, o jogo
mudou completamente. 

RURAL – Qual jogo, especificamente?

CARVALHO – O jogo dos preços. As commodities passaram a acompanhar o preço do petróleo. Elas só não fazem uma linha paralela e perfeita por causa dos estoques, que às vezes variam. Mas, numa  análise estatística de regressão, chega dar 80% do tempo com paridade. Quando isso acontece, qualquer oscilação no preço de energia vai mexer no preço da commodity. Precisamos estar preparados para essa nova realidade, porque um certo risco é permanente.

RURAL – O que o Brasil deve fazer para se proteger?

CARVALHO – Precisa mostrar-se competitivo. Grandes temas estão por trás do que se entende por competitividade. O primeiro é a questão da segurança jurídica. Há um estudo do pesquisador da Embrapa Evaristo
dinheiro rural/118-setembro-2014 21 Miranda que mostra de forma apavorante o crescimento das áreas indígenas e quilombolas. No Congresso Nacional há uma lei que, de forma subjetiva, define trabalho escravo. Segurança jurídica é algo que limita muito a atração de capital ao País. E somos ricos em gente e recursos naturais, mas não temos capital. 

RURAL – E como ganhar competitividade em nível global?

CARVALHO – A questão da competitividade está ligada à governança institucional. O Brasil precisa se abrir mais para o mundo. Precisamos de mais acordos bilaterais. O País precisa largar um pouco da mão da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, por exemplo, e buscar uma aproximação com a União Europeia, que, por sua vez, vai fazer um acordo com os Estados Unidos. Esse acordo de americanos e europeus vai nos lascar. 

RURAL – Ao deixar de olhar para a América Latina, o País não corre o risco de perder influência na região?

CARVALHO – Chile, México e Colômbia têm acordos bilaterais com todo mundo. O Brasil tem com dois países. Nossa política está morta porque travou no Mercosul. Essa discussão tem de vir à tona. Diretores de multinacionais associadas à Abag dizem não conseguir mais explicar para a matriz o que acontece no Brasil.

RURAL – O que o sr. acha da aproximação do Brasil com a China e a Rússia?

CARVALHO – Numa das reuniões da Abag, perguntaram na mesa qual foi o melhor governo para o agronegócio brasileiro, e a resposta veio rápido: o governo da China. Em julho, quando aconteceu o encontro dos países do Brics , chineses e russos concordaram na criação de um banco do Brics . Vão investir em logística, mas o que eles querem do Brasil são contratos de commodities. Na demanda, China e Rússia podem ser as maiores oportunidades do século 21. 

RURAL – Como o sr. analisa o agronegócio no contexto das eleições presidenciais deste ano?

CARVALHO – Precisamos arrumar a casa. Atualmente, há dez ministérios que interferem no agronegócio. Só para a agricultura, há dois ministérios, se contarmos o do Desenvolvimento Agrário. Há um ministério para a pesca. Vivemos no meio de um tiroteio. Nossa inflação se aproxima de 7% ao ano, com 1% de crescimento do PIB. Em crescimento, estamos perdendo para países da América Latina e até para alguns africanos.

RURAL – Mas o Brasil tem uma atratividade, em termos de possibilidade de investimento, que esses países não possuem…

CARVALHO – Aí bate com muita força o custo Brasil. Está ficando muito pesado investir no agronegócio, um setor que é a essência da balança comercial brasileira. Isso nos deixa assustados para 2015 e 2016. Vença quem vencer as próximas eleições, o novo presidente terá que dar uma paulada na economia. O ano que vem será um horror para crédito. E o agronegócio depende muito de crédito para custeio, por exemplo. 

RURAL – Em que medida o governo federal tem atendido às reivindicações do agronegócio?   

CARVALHO – Para nós, da Abag, o agronegócio não vem sendo prioridade há muitos anos. Veja a logística, em que tudo vem sendo feito muito devagar. Quando uma carreta de soja sai de Mato Grosso e chega ao porto, apanha da Argentina e dos Estados Unidos. O que salva é que dentro da porteira, na fazenda, ela bate nos dois. 

RURAL – Com a virada de investimentos em logística para o Norte do País, a tendência não é de melhorar?

CARVALHO – Essa é a nossa expectativa. O Brasil aumentou muito a produção, mas se olharmos para a logística, o crescimento ficou lá atrás porque uma coisa é o discurso e outra foi o que de fato aconteceu. 

RURAL – Os planos estão dando errado?

CARVALHO – É isso que a gente acha, até agora. Na logística, os pleitos de hoje são os mesmos de 20 anos atrás. No governo Fernando Henrique perdemos o bonde, nos dois mandatos de Lula também, e agora
com a Dilma Rousseff está quase tudo no discurso. Já perdemos muito tempo. A grande crítica é que estamos cansados de planos que não são executados. A saída para o Norte, que anda devagar, é um plano muito antigo. Se fosse prioridade, as obras já estariam prontas. 

RURAL – Se desde FHC as coisas patinam, o sr. acha que caso a Dilma saia do governo isso tende a mudar?

CARVALHO – Depende dos compromissos assumidos. E isso está no centro de nossas reivindicações: como transformar discurso em prática, em pressão para que as coisas aconteçam. O agronegócio nunca provocou tanto os candidatos a presidente do País como nessas eleições. 

RURAL – Como planejar o futuro em meio às incertezas atuais?

CARVALHO – Há uma previsão de demanda crescente por alimento no mundo, por causa do aumento da população e da mudança de hábitos. Por outro lado, há uma produtividade global negativa, com índice muito
próximo de menos 1%. A produção mundial cresce, mas a produtividade não é positiva. Foi isso que levou a FAO a acender a luz amarela para a segurança alimentar. Precisamos de sustentabilidade para atender
a esse processo. Para isso, são necessárias tecnologia e inteligência no agronegócio.

RURAL – Como fazer esse processo andar?

CARVALHO Passa pela volta de investimentos pesados em pesquisa, o que pressupõe equipes mais fortalecidas e robustas e políticas de estímulo a elas. No governo do expresidente FHC foram criados os fundos de ciência e de tecnologia, mas isso têm que engordar mais.

RURAL – Programas como o Ciência sem Fronteira, do atual governo, não estão cumprindo esse papel ?

CARVALHO – Isso é uma coisa importante, que precisa ser estimulada ao máximo. O que foi a Embrapa na década de 1970? O governo da época mandou todo mundo para fora estudar e, ao voltarem, quatro anos
depois, o patamar de conhecimento no País subiu rapidamente. Acho que assim como há a lei Rouanet para a cultura, precisamos de mais mecanismos de incentivo à pesquisa.