Os portos do País estão saturados. No mês passado, mais de 200 navios ancorados chegaram a aguardar até 16 dias pela carga de soja nos dois principais terminais brasileiros, o w de Santos, no litoral paulista, e o de Paranaguá, no Paraná. Em São Paulo, uma fila de 30 quilômetros de caminhões na rodovia Cônego Domênico Rangoni, que leva ao porto de Santos, fez com que os motoristas esperassem mais de 20 horas para descarregar o grão. Mas não é tudo. Acrescente a isso armazéns insuficientes, rodovias em péssimo estado de conservação, malha ferroviária precária e a falta de hidrovias e se terá a receita para um caos como há muito não se via no transporte brasileiro de grãos. Justamente no ano em que o País colhe a maior safra agrícola de sua história.

A pergunta é: o Brasil chegou ao fundo do poço logístico? Há quem acredite que sim. Ao que tudo indica, os problemas para embarcar os grãos da safra recorde de 183 milhões de toneladas estão apenas começando. E se existe um porão no fundo desse poço, os agricultores brasileiros estão prestes a descobrir. Até julho, estão previstos embarques mensais da ordem de 7,2 milhões de toneladas de soja e milho da primeira safra. Sem contar que para este mês já foi agendado o carregamento de 1,3 milhão de toneladas de açúcar, sendo que 77% desse volume será embarcado no porto de Santos.

Para completar o cenário calamitoso, em julho entra o milho da segunda safra, a chamada safrinha, que desde o ano passado já é maior que a primeira safra. Dos cerca de 40 milhões de toneladas do grão que serão colhidos, mais da metade deixará o País por rodovias e portos. No ano passado, 80% dos grãos que chegaram aos terminais foram transportados por rodovias em condições precárias e apenas 20% pela curta malha ferroviária. Em termos de faturamento, antes do início do caos, era estimado um valor de US$ 32,5 bilhões apenas para a soja. “Está feito. O apagão logístico de fato chegou”, afirma Marcos Jank, consultor de mercado e ex-presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). “Daqui para a frente, a safra congestionada vai fazer parte do nosso dia a dia.” O tamanho do prejuízo já pode ser medido: de acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), as perdas para os produtores de soja e milho, provocadas pelo caos logístico, devem chegar a pelo menos US$ 4 bilhões nesta safra.

Para o consultor da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Lucas Galvan, se do lado de dentro da porteira o agricultor brasileiro vem fazendo a sua parte, com investimento em tecnologia e aumento da produtividade, do lado de fora, a falta de infraestrutura logística está tirando a sua margem de lucro e a competitividade internacional. A falta de fluidez dos caminhões e navios e a escassez de armazéns para os grãos geram custos. “E é o produtor que paga a conta”, afirma Galvan. No Brasil, 86% da safra de grãos é escoada pelos portos do Sul e Sudeste, distantes da região do Cerrado, onde estão localizados os maiores polos de produção. O restante sai pelos portos da região Norte. O porto de Santos, que realiza um movimento médio anual de 17 milhões de toneladas, e Paranaguá, 15 milhões de toneladas, por exemplo, já operam acima de suas capacidades. Graças à somatória de mazelas, o Brasil conquistou um incômodo e indesejado 130º lugar (de um total de 144 países analisados) em eficiência e qualidade portuária, no ranking do The Global Competitiveness Report, do Fórum Econômico Mundial. “O porto de Santos ainda tem o agravante de não possuir cobertura”, diz Jank. “Quando chove, para tudo porque grão e água não servem para exportação, servem apenas para fazer sopa.” Desde o início do ano, por conta do clima, o terminal portuário da Baixada Santista teve de paralisar suas operações por 27 dias.

Atualmente, o custo médio de demurrage (jargão do setor para multa) de um navio parado, à espera de carga, pode ultrapassar US$ 30 mil por dia. Em terra, por conta do aumento no tempo de espera dos motoristas, o valor pago pelo transporte da tonelada de soja, que era de R$ 120, chegou a passar de R$ 200. Enquanto isso, na Argentina e nos Estados Unidos esse valor é de R$ 50 por tonelada de grão. Por causa da espera sem-fim para embarcar grãos no País, o agricultor brasileiro perde entre R$ 6 e R$ 8 por saca de soja ou milho. Sem contar que os atrasos estão gerando queda nas cotações e até cancelamento de cargas, como fez a Sunrise, a maior trading chinesa. No mês passado, os chineses cancelaram o embarque de dois milhões de toneladas da oleaginosa, ao todo 33 navios, e foram buscá-la na Argentina. A alegação foi o caos portuário. Mas, segundo Steve Cachia, analista de commodities da Cerealpar, corretora de cereais em Curitiba, essa não foi a primeira nem será a última vez que os chineses cancelam uma compra no Brasil. “A estratégia é reduzir o preço pago pelo grão”, diz Cachia. “Os chineses voltarão ainda nesta safra a comprar no Brasil, porque precisam.” Resta saber a que preço. A China deve importar cerca de 66 milhões de toneladas de soja, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), volume que representa 40% das exportações brasileiras de grãos.

Para Galvan, da Famasul, o País precisa de um planejamento de longo prazo para que o agronegócio brasileiro continue crescendo. “O prazo de instalação de um porto, em condições de operar, leva em torno de sete anos”, diz. Para que ele seja viabilizado é preciso muito investimento. “Precisaríamos de pelo menos R$ 40 bilhões no sistema por tuário”, afirma Jank. Esse valor é quase três vezes maior que a soma prevista nos programas PAC-1 e PAC-2 do governo federal. “A aprovação da Medida Provisória 595, a Lei dos Portos, em tramitação no Congresso Nacional, abriria caminho para investimentos.” No entanto, há controvérsias quanto ao conteúdo da medida que podem se estender por anos, até que os grupos de interesse entrem em um consenso. A MP dos portos também colocaria gás na viabilização da logística no Norte do País, que compreende o escoamento dos grãos pelos portos de Itacoatiara, no rio Madeira, e Santarém, no rio Amazonas, mais o porto de Vila do Conde, na confluência do Amazonas com o Pará. No mesmo eixo paraense ainda estão os portos de Marabá e Miritituba, ambos no rio Tapajós, e no Maranhão, o porto de Itaqui (confira essas rotas no mapa). Também seria preciso completar a pavimentação das rodovias BR-163 e BR-158, e terminar a construção das Ferrovias de Integração Norte-Sul (FNS), Centro-Oeste (Fico), Oeste-Leste (Fiol) e Transnordestina. “Com esses corredores seria possível realizar embarques em navios capesize, que transportam 120 mil toneladas de grãos, o dobro da capacidade dos navios panamax utilizados atualmente”, diz Jank. De acordo com o consultor, com a passagem desses navios pelo Canal do Panamá, o frete marítimo seria reduzido em pelo menos 20% para a China, até 2014.