O agricultor Milton Martins Kussler, 63 anos, viveu até agora em função do cultivo do tabaco para a indústria do cigarro. Ele58 nasceu em uma família de produtores e também é neto de fumicultores. Há 38 anos começou a plantar sua própria lavoura de 8,2 hectares, uma minúscula área equivalente a não mais do que sete campos de futebol. A produção sustenta a família: a esposa Beatriz e os filhos Maiquel, 32 anos, e Jeferson, 25, além de pagar as contas da propriedade de 32 hectares em Santa Cruz do Sul (RS). Kussler não é exceção nesse município gaúcho, que abriga grandes indústrias de cigarro, entre elas a Souza Cruz e a Philip Morris. Cerca de quatro mil produtores vivem do cultivo do tabaco em Santa Cruz do Sul, mas hoje a atividade está em xeque.

Há uma pressão internacional para que o Brasil force os produtores desse setor do agronegócio a diversificar a produção agrícola de suas propriedades, e ela é cada vez mais crescente. Isso porque o País passou a ser signatário da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, de 2005, primeiro tratado internacional de saúde pública para o combate do tabagismo. No âmbito do governo federal, desde essa época, 16 setores integram uma comissão que acompanha o tema. A convenção prevê, entre várias medidas, o estímulo à produção de outras culturas para que os produtores não dependam exclusivamente do tabaco como fonte de renda. Em novembro do ano passado, no sétimo encontro Conferência das Partes, como é chamada a reunião dos países seguidores, foi estipulada a aceleração das metas da Convencão Quadro.

Kussler diz que até gostaria de gerir o seu negócio de outra forma, diversificando a atividade agrícola da propriedade. “Mas para mim não é viável fazer diferente”, afirma. O produtor cultiva milho, feijão, mandioca, batata e cria vacas leiteiras apenas para subsistência. “Já plantei milho em nove hectares para vender e tive prejuízo com o investimento.” Por causa das dificuldades, que não são apenas de Kussler, a tarefa de pensar a diversificação do tabaco no País tem mobilizado outros produtores, além do governo, de universidades, da pesquisa, da indústria do tabaco e de associações do setor.
Nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, 150 mil famílias cultivam tabaco e respondem por 97% da produção nacional. De acordo com a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afrubra), na safra 2015/2016, o Sul produziu 525,2 mil toneladas.

A pedido do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizou uma pesquisa que a princípio parece animadora. Cerca de 78,6% do total de produtores, o equivalente a 118 mil deles, cultivam outros produtos além do tabaco. O lado perverso da história é que somente metade dos produtores, cerca de 59 mil, conseguem alguma renda extra. Além disso, o Sinditabaco e a Afubra estimam que, do ponto de vista da gestão do negócio, o esforço dos produtores é algo sem sentido. Uma família que não diversifica a propriedade possui uma renda média mensal de R$ 6,6 mil, dos quais R$ 4,6 mil vêm da cultura do tabaco. O restante sai de outras fontes, como aposentadoria ou bolsas de estudo dadas por empresas da região, por exemplo. Já uma família que diversifica a área com outras culturas tem uma renda média mensal de R$ 7,8 mil, sendo 60% desse total do tabaco, ou seja, os mesmos R$ 4,6 mil. Isso mostra que mesmo com milho, soja ou verduras, o principal dwa renda vem do tabaco.

Outro entrave à diversificação é o acesso dos produtores ao crédito agrícola. Quem cultiva tabaco não tem direito a financiamento para investir na cultura com linhas de crédito a juros subsidiados, como ocorre no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Mas para outras culturas a contratação era possível desde o ano de 2003. Desse período, até a safra 2015/2016, o Banco Central (BC) aprovava crédito para produtores que comprovassem 20% da renda da propriedade vindos de outras culturas. Mas, para a safra 2016/2017, com a resolução 4.513 do BC, o governo decidiu apertar o cerco. A exigência passaria a 30% da área já nesta safra, indo até 50% no ciclo 2020/2021, em linha com a Convenção Quadro. Mas os produtores de tabaco protestaram e o governo voltou aos 20% neste ciclo (confira o quadro ao lado).

"Nós incentivamos a diversificação.  A questão é quem vai pagar pelo dinheiro que o produtor deixará de ganhar” Iro Schünke, presidente do Sinditabaco
“Nós incentivamos a diversificação.A questão é quem vai pagar pelo dinheiro que o produtor deixará de ganhar” Iro Schünke, presidente do Sinditabaco

Em julho do ano passado, após a publicação da resolução, a Secretaria Especial da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead), que pediu para o BC rever a resolução, realizou uma pesquisa com os produtores. O resultado mostrou que 70% deles não teriam como provar, através de notas fiscais, 30% de receita vindas de outras culturas. “O problema foi apenas adiado”, afirma o presidente do Sinditabaco, Iro Schünke. Para ele, a resolução do BC dificulta a diversificação porque impõe barreiras para que o produtor acesse o crédito com facilidade. Além disso, é muito difícil fazer com que outras culturas rendam tanto como o tabaco. A receita média de um hectare de tabaco é de R$ 19,2 mil, enquanto a mesma área de soja garante ao produtor R$ 3,5 mil. “Nós incentivamos a diversificação”, diz Schünke. “A questão é quem vai pagar pelo dinheiro que o produtor deixará de ganhar.” É o caso de Kussler, que não dispõe de área agrícola suficiente para diversificar a propriedade com segurança. “Para produzir outras culturas e vender, teria que reduzir a área do tabaco, que é uma cultura com garantia de compra, ou reduzir a área destinada para a subsistência”, diz Kussler. A área de cultivo é suficiente para 160 mil pés de tabaco, que ele entrega para a Souza Cruz, subsidiária da British American Tobacco no Brasil, que fatura R$ 6,2 bilhões por ano no País.

"É preciso orientação para o produtor ingressar em uma nova cultura e também a organização de uma cadeia alternativa” Hur Ben Corrêa da Silva, da Sead
“É preciso orientação para o produtor ingressar em uma nova cultura e também a organização de uma cadeia alternativa” Hur Ben Corrêa da Silva, da Sead

Para Hur Ben Corrêa da Silva, chefe da assessoria para Assuntos Internacionais e de Promoção Comercial da Sead, é preciso continuar tentando o caminho da diversificação. “Não há dúvida que a exigência é uma barreira para que outros produtores entrem no processo de diversificação”, afirma Silva. “Vamos reunir a cadeia produtiva para debater o programa de diversificação e o que pode ser feito em relação à resolução daqui para a frente.” Ele se refere ao Programa de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, que nos últimos três anos contou com um orçamento de R$ 150 milhões para assistência técnica aos agricultores. Ele está em linha com a Convenção Quadro e atualmente presta assistência a 30 mil agricultores, 20% do total de produtores de tabaco do Sul do País. “Se em uma mesma área forem cultivados diferentes produtos é possível, inclusive, superar a receita obtida com o tabaco”, diz Silva. “Mas é preciso orientação para o produtor ingressar em uma nova cultura e também a organização de uma cadeia produtiva alternativa.”