O governo indiano tem combatido a fome com a distribuição subsidiada de alimentos para milhões de pessoas, por décadas. Apesar desse esforço, mais de 250 milhões de indianos, quase 21% da população, come apenas o mínimo de calorias recomendado pela organização Mundial de Saúde (OMS) e 42% das crianças com menos de 5 anos estão abaixo do peso. Em setembro do ano passado, o governo do primeiro-ministro Manmohan Singh deu um passo à frente e aprovou uma lei que pretende garantir o acesso à comida subsidiada para mais de 800 milhões de pessoas de baixíssima renda.

O ato nacional de Segurança alimentar (NFSA, na sigla em inglês) quer garantir ao menos cinco quilos em grãos, como arroz ou trigo, todo mês para os beneficiados. “O NFSa é um marco na luta da Índia contra a fome e a desnutrição”, diz Manmeet Kaur, coordenadora na Índia do Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas. Segundo ela, a lei permite que 75% da população rural e 50% da urbana exijam seu direito por comida “altamente subsidiada”. O PMA assessora o governo da Índia sobre esse e outros programas para reduzir a fome no país. “Sem programas específicos, é impossível reduzir a fome e a desnutrição no mundo”, afirma Kaur.

Para que o programa funcione, o governo vai comprar 63 milhões de toneladas em grãos todo ano, cerca de 30% da produção indiana. Nos últimos anos, o país tem produzido mais do que o suficiente para alimentar a sua população. A fome é resultado da distribuição desigual, com preços de mercado que a maioria da população não pode pagar, somada à corrupção e à desorganização do governo, que impedem que a comida subsidiada chegue aos que precisam. “Os alimentos não devem ser apenas para os que podem comprá-los”, diz o representante das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, Alan Bojanic. “os governos têm a obrigação de garantir acesso à comida.”

Apesar de seu louvável objetivo, críticos afirmam que os subsídios significam gastos elevados e baixa eficiência. Sua ampliação vai significar um desembolso adicional de US$ 5 bilhões ao governo, totalizando US$ 19,6 bilhões ao ano – ou cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto (PiB) do país, que já tem déficit fiscal e uma moeda frágil. Defensora do programa, a economista Reetika Khera, do Instituto Indiano de Tecnologia (IIT), rebate as críticas. Ela compara seus custos com os subsídios dados aos fertilizantes, de US$ 11 bilhões, e aos combustíveis, de US$ 16 bilhões. “O espaço fiscal existe, é uma questão de comprometimento político e prioridades”, diz Reetika.

As gigantescas cifras que a Índia entrega à sua agricultura só podem ser entendidas ao se olhar para o que ocorreu nas últimas décadas. Em 1943, no episódio que ficou conhecido como “a grande fome”, quando o país estava sob o domínio britânico, 15% de todo o arroz da Índia era importado da vizinha Birmânia. Quando questões políticas e econômicas levaram à interrupção desse fornecimento, cerca de três milhões de pessoas morreram de fome e desnutrição. Para evitar a repetição de situações como essa, logo após a independência, em 1947, o governo criou sistemas de racionamento e distribuição de alimentos que foram se aprofundando com o tempo.

Em 1965, para incentivar os fazendeiros a aumentar sua produção, o governo garantiu que iria comprar, armazenar e distribuir todos os grãos colhidos naquele ano, desde que os produtores tivessem interesse em vender por um preço estabelecido. Esse pacto funciona até os dias de hoje e beneficia os agricultores quando os preços das commodities caem abaixo do preço tabelado, mas não os obriga a vender ao governo quando o preço do mercado internacional é mais atraente. Seu efeito colateral é o excesso de produção, com uma parte dela apodrecendo nos armazéns das províncias agrícolas e outra sendo exportada, afetando os preços internacionais.

Ainda que subsídios ao setor privado não sejam incomuns na Índia – setores como diamantes, fertilizantes e combustíveis recebem incentivos fiscais –, a aprovação do programa foi uma longa batalha. No dia da votação no Congresso, em setembro de 2013, governo e oposição debate ram e trocaram acusações por nove horas em plenário. Além de criticar os altos custos do NFSa, a oposição afirmou que ele era somente uma nova roupagem a auxílios que já existiam, proposto por motivos eleitorais.

Para ampliar a abrangência do programa, o governo quer alterar a maneira como os indianos acima da linha de pobreza são beneficiados e aumentar a distribuição aos que estão abaixo dela. Além disso, a nova lei inclui um auxílio mensal em dinheiro para mulheres grávidas, para a compra de gás de cozinha e nutrição para crianças com menos de 6 anos. 

Oo governo também espera que a melhora na distribuição dos alimentos reduza os desperdícios e evite que os estoques se deteriorem ou sejam desviados. “A maior dificuldade é transportar os alimentos a grandes distâncias e armazenar enormes quantidades”, diz Bojanic. De acordo com o representante da FAO, os indianos estão cientes dos problemas logísticos e têm investido na construção de armazéns e aprimorado os mecanismos de controle para evitar a corrupção. Entre 2003 e 2011, o desvio caiu de 57% para menos de 20%, segundo uma pesquisa realizada pela economista Reetika, do IIT. Ao mesmo tempo, o governo já trabalha para ampliar a abrangência do programa, incluindo alimentos mais nutritivos. “É um passo à frente, mas é necessário dar um salto”, diz a economista.