Sem cerimônia, um convidado inesperado se sentou à mesa do produtor e da família brasileira há pouco mais de um ano e de lá não saiu mais: o dragão da inflação. No acumulado de 2020, o Índice de Preços ao Produtor de Grupos de Produtos Agropecuários (IPPA), calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA-Esalq/USP), cresceu 18,95% em comparação a 2019, refletindo as altas reais nos grupos de grãos (29,69%), pecuária (15,54%), café e cana (2,58%). A queda ficou restrita aos hortifrutícolas com retração de 0,63%. Além da pandemia, que gerou uma corrida ao supermercado no início do isolamento social, a grande culpada da situação é a desvalorização do Real.

Para 2021, nenhuma mudança. “Trouxemos o problema do câmbio do ano passado”, afirmou à RURAL Geraldo Barros, coordenador científico do Cepea. “Isso encareceu os insumos (sementes, fertilizantes e pesticidas), elevando o preço dos grãos com impacto em toda a cadeia”, disse. No primeiro semestre de 2021, o IPPA foi de 11,5%.
Os grãos foram, novamente, os impulsionadores da inflação no campo, com alta de 25,6%, reflexo das fortes elevações observadas para soja (27,9%) e milho (25,9%), seguidos de algodão (24,4%) e arroz (11,5%). Mas o pacote tecnológico teve peso considerável. Com cerca de 80% do NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) importado, o produtor observou alta de até 83% no preço de alguns produtos no acumulado de 12 meses. Já no início da safra, o custo do fosfato monoamônico (MAP) estava 65,6% mais caro do que em junho de 2020; o cloreto de potássio (KCL), 57,1%; e a ureia, 41,9%. O impacto, segundo Isabel Mendes, assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ficou dentro da porteira. “Grande parte desse custo foi absorvida pelo produtor, que arcou com o prejuízo”, afirmou.

Inflação ao consumidor em 2020 chegou a 14,09%

NA PONTA FINAL Com a decisão dos produtores de absorver a alto dos custos, o consumidor, que sofreu com elevação de 14,09% no preço dos alimentos em 2020 (a maior elevação em quase 20 anos), viu os valores começarem a arrefecer nos primeiros meses de 2021. No acumulado de janeiro a julho, a inflação de alimentos e bebidas registrou alta de 3,3%, contra 4,1% em igual período de 2020. No caso de alimentação no domicílio, a alta foi de 3% ante 4,9%. Índices ainda altos, mas com viés de queda.

A alegria durou pouco. Em julho, os preços voltaram a subir, como consequência das adversidades climáticas que atingiram importantes regiões produtoras, conforme explicação de Felippe Serigati, coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio da FGV. “Em junho e julho, os preços dos alimentos no mundo tiveram uma retração, mas o Brasil não sentirá o movimento devido às secas e geadas que arrasaram as plantações”, afirmou.

Em junho, o índice de preços globais de alimentos da FAO, a agência das Nações Unidas para agricultura e alimentação, caiu pela primeira vez após 12 meses para 2,6% contra maio e voltou a cair 1,2% no mês seguinte, mantendo-se a comparação mensal. Ainda assim, está 29,1% acima do registrado no mesmo período do ano passado.
No Brasil, afirmou João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), um IPCA com alta acumulada de 8,99% de julho de 2020 a 2021, contra 2,31%, no intervalo anterior, indica um futuro sombrio. “Essa é a inflação no bolso do consumidor, que está gastando cada vez mais no supermercado”, disse.

O preço dos alimentos no mundo começam a ceder, mas o brasil não deve sentir o movimento devido aos impactos da estiagem

QUEBRA DE SAFRA Ainda é cedo para medir todos os prejuízos causados pelo clima, mas alguns sinais já são vistos. Em agosto, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revisou para baixo a projeção da safra de grãos 2020/21. A nova estimativa é de 254 milhões de toneladas, volume 1,2% menor que a safra anterior e 10 milhões de toneladas a menos do que a previsão feita em janeiro. Entre as culturas mais afetadas destaca-se o milho. A safrinha deverá ser 14,7 milhões de toneladas inferior à anterior (-19,6%).

“Grande parte desse custo (o do IPPA) foi absorvida pelo produtor, que arcou com o prejuízo” Isabel Mendes, CNA (Crédito:Wenderson Araujo)

As projeções de safra e da economia preocupam o professor Geraldo Barros, do Cepea. “O País está muito imprevisível e inseguro”, afirmou. Com a retomada da valorização do dólar, analistas já começam a trabalhar com aumento de mais 35% nos preços de fertilizantes e defensivos. “Se o câmbio era um problema, acrescente agora as questões climáticas”, disse.

Mecanismos como seguro agrícola e o proagro podem reduzir as perdas no campo e ajudar a segurar a inflação na ponta

Para tentar mitigar os riscos, Isabel Mendes oferece cinco recomendações da CNA. A primeira é o seguro agrícola. De acordo com a assessora, ainda que a área segurada tenha crescido nos últimos anos, ela ainda abrange somente 10% da área plantada, contra 90% dos Estados Unidos. “Os seguros rurais contribuem para a estabilização financeira dos produtores”, afirmou. As outras alternativas são o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que garante o pagamento de financiamentos rurais de custeio quando a lavoura tiver sua receita reduzida devido a eventos climáticos ou pragas e doenças sem controle; o hedge cambial; as operações de barter e a gestão agronômica.
Além das questões práticas, ainda vale torcer para que o governo tome medidas austeras para saciar o apetite desse desagradável convidado.