Cerca de 40% do total de agricultores considera a segurança digital a principal barreira à compra online (Crédito:Tevarak)

A inesperada pandemia da Covid-19 acelerou a mudança de um hábito do consumidor que, antes mesmo de se tornar quase mandatório, conquistava cada vez mais adeptos no Brasil: a substituição de compras em lojas físicas pelas plataformas de e-commerce. Levantamento realizado pela Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico aponta que o volume de compras virtuais cresceu 98,74% no País na comparação entre abril de 2019 e o deste ano — primeiro mês completo de isolamento social — ultrapassando R$ 9,4 bilhões em faturamento. De roupas à feira semanal, quase tudo passou a ser comercializado virtualmente. A cadeia do agronegócio brasileiro que, de maneira geral, já experimentava o aumento gradativo do uso de canais de vendas digitais, deve observar um período de crescimento exponencial. O ritmo, no entanto, poderia ser muito mais forte se não fossem os gargalos com infraestrutura, segurança digital e com problemas na experiência do usuário com as plataformas.

Com menos de 10% da área plantada de grãos com acesso ao 4G, falar em 5G no campo parece sonho impossível (Crédito:Istock)
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Em estudo intitulado “A mente do Agricultor Brasileiro na Era Digital”, a McKinsey e Company aponta que 36% dos produtores brasileiros consultados entre janeiro e fevereiro deste ano costumam realizar compras online para a fazenda, contra 24% nos Estados Unidos. “Antes mesmo da Covid-19 já havia um grande apetite do produtor local pelo uso desses novos meios. Acredito que o interesse por alternativas tecnológicas para compra de mercadorias e escoamento de produção deverá aumentar exponencialmente após a pandemia”, afirma Nelson Ferreira, sócio-sênior da McKinsey.

“Acabamos fazendo a compra dos insumos e de tudo que é necessário nas fazendas via telefone e WhatsApp”, ’’ Gabriela Gobo, Estancia do Diamante

Apesar da disposição geral do produtor nacional, umas das principais dificuldades para a implementação de um e-commerce robusto é o próprio acesso à tecnologia. De acordo com o último Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 70% das propriedades rurais não possuem nenhum tipo de conexão com a Internet. Isso significa que mais de 3,6 milhões de fazendas do País ainda vivem na era analógica, e das mais de 7,6 mil áreas rurais habitadas somente 800 já navegam em rede 4G. A meta do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) é aumentar o número para cerca de 1,4 mil até o fim de 2023. Com menos de 10% da área plantada de grãos com acesso ao 4G, falar em 5G parece sonho impossível. “Para se manter competitivo na economia global, o Brasil precisa dar um salto tecnológico da porteira para dentro e da porteira para fora também”, avalia Robinson Cannaval, sócio-fundador e diretor do Grupo Innovatech.

Acesso limitado de um lado, desconfiança em sobra em outro. Ainda que o número de residências rurais em que ao menos uma pessoa acesse à rede tenha crescido 22% para 3,9 milhões de propriedades, segundo senso do IBGE de 2018, cerca de 40% dos produtores afirmam que a percepção de que os canais online são inseguros os impede de considerar ter presença em canais digitais. É essa mesma desconfiança que faz com que parte de proprietários rurais escolham não estar conectados. A fundadora da Estância do Diamante, Gabriela Souza Gobo, de 27 anos, enfrenta uma situação típica desse cenário dentro de casa com seu pai, o produtor rural Eliseu Gobo.

A família é proprietária de um sítio e duas fazendas de gado na cidade de Jundiaí. “Se eu falar para o meu pai que estou comprando algo online, ele vai estranhar. Aos 57 anos, foi só agora, durante o isolamento provocado pela pandemia, que conseguimos convencê-lo a ter um celular”. A resistência não vem só do patriarca. “Tudo que é feito nas fazendas é muito familiar. Isso explica o fato de não fazermos aquisições online e não trazermos tanta modernidade para o manejo”. Na fazenda, o único canal digital para fazer qualquer transação comercial é telefone e o whatsapp, ferramenta utilizada por cerca 85% dos agricultores, segundo estudo da McKinsey. “Acabamos fazendo a compra dos insumos e de tudo que é necessário nas fazendas via telefone e WhatsApp, pois já conhecemos o contato e as empresas com as quais nos relacionamos”, afirma Gabriela.

“Para dar certo o comércio eletrônico precisa manter a forma de relacionamento que o agronegócio já está acostumado” Rafael Sant’Anna, Agrofy Brasil (Crédito:Divulgação)

A despeito da resistência de uma parte do setor, os médios produtores já enxergaram no e-commerce uma alternativa eficiente às vendas físicas. A questão é que a complexidade do trabalho nem sempre é levada em conta na fase do planejamento e muitos desistem por falta de conhecimento ou estrutura. Ao criar o e-commerce próprio, o agricultor precisa ter uma plataforma robusta para aguentar o fluxo de visitas ao site, garantir uma comunicação visual eficiente aliada à fácil navegação do usuário, fazer uma boa curadoria dos produtos que quer expor com uma precificação adequada, rastrear o produto do estoque até a entrega final e ainda criar um pós-venda eficiente com uma estrutura de atendimento ao consumidor capaz de esclarecer todos os tipos de dúvidas que aparecerem. É muito trabalho na frente do computador, para quem tem como vocação o cultivo de plantas ou criação de animais.
Para ajudar os produtores a entrarem neste novo mundo, começam a surgir empresas especializadas em comércio eletrônico com o foco no agrobusiness como a InstaAgro do Brasil. O sócio fundador, Daniel Bachner, conta que a plataforma começou como um e-commerce, mas diante da alta demanda, se transformou em marketplace. A diferença é que enquanto no e-commerce o empresário produz a mercadoria que vai vender e cuida de todo o processo da venda até a entrega, como marketplace, ele passa a ser um agregador de várias lojas voltadas para o campo permitindo que o usuário compre em mais de uma loja, pagando todos os itens juntos. “Mudamos o modelo de negócio para conseguir atender melhor a grande demanda de produtores que estavam fora do mundo virtual e que agora querem fazer parte desse meio”. A plataforma, que está no mercado há mais de três anos, registrou aumento de 300% no faturamento nos últimos 12 meses. “O tráfego da nossa plataforma quadruplicou. Tivemos que reforçar o time de SAC com mais agrônomos para atender melhor o nosso público”, conta Bachner.

“Mudamos o modelo de negócio para atender a grande demanda de produtores que estavam fora do mundo virtual e que querem participar” Daniel Bachner, InstaAgro do Brasil (Crédito:Divulgação)

Atraídos pelo potencial de demanda do campo por serviços de comércio digital, o canal de vendas argentino Agrofy decidiu investir no País. “Chegamos aqui em 2018 e vínhamos registrando uma taxa média de crescimento de 22% em tráfego online, o que nos permitiu chegar em 1,6 milhão de visitas no mês. Com a pandemia a taxa de evolução subiu para 38%”, afirma Rafael Sant’Anna, country business manager da empresa. Se depender das estatísticas apuradas pela McKinsey, a velocidade dos negócios deve se manter já que de acordo com o levantamento da consultoria 33% do total de agricultores estão dispostos a comprar sementes, fertilizantes e defensivos online para as próximas duas safras.

Sant’Anna alerta que para funcionar um canal de comércio digital deve se preocupar em fornecer uma jornada agradável e coerente para quem a utiliza. “O nosso modelo de negócio busca não gerar nenhuma disruptura na cadeia de distribuição. Ao contrário, para dar certo o comércio eletrônico precisa manter a forma de relacionamento que o agronegócio já está acostumado”. Atualmente, a empresa comercializa 17 categorias de produtos e serviços incluindo venda de grãos, cana, café, algodão, pecuária, hortifrúti, até equipamentos.

O empresário e fazendeiro, José Nunes de Faria Júnior, de 41 anos, é um dos entusiastas das compras virtuais. “De insumos a pequenos equipamentos, compro diversos itens para a minha fazenda por meio de plataformas online”. Para ele, os benefícios são muitos. “O e-commerce traz inúmeras vantagens, como a autonomia de escolher o que quero sem interferência, até a facilidade de não precisar me locomover até o local para adquirir os itens necessários”, finaliza.

Onde há demanda, há oportunidades. Seja via e-commerce próprio, ou inclusão em marketplaces, há espaço para o produtor rural compor sua renda com as vendas virtuais. “Apesar do crescimento do comércio eletrônico ter sido impulsionado pela pandemia, o pequeno e médio produtor rural precisa enxergá-lo como um canal relevante de comércio. Quem não vê o mundo online como oportunidade de receita, já está atrasado”, afirma Felipe Brandão, secretário executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Afinal, o bom vendedor está onde o cliente está.