Arnaldo Manuel de Souza Machado Borges, eleito presidente da ABCZ, fala sobre os seus planos para o setor

Nos 82 anos de história da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), a maior entidade de criadores se zebuínos do mundo, as eleições para a presidência sempre foram marcadas pelo consenso. A rigor, um nome era escolhido e, praticamente, aclamado pela maioria. A disputa mais recente, entretanto, será sempre lembrada pelo ferrenho duelo de ideias entre Arnaldo Manuel de Souza Machado Borges, 63 anos, e Frederico Cunha Mendes, de 46 anos. No mês passado, por uma diferença de 151 votos, Borges levou a melhor e se tornou o responsável por administrar e definir as estratégias da entidade. Trata-se de uma tarefa hercúlea: sob seu comando estão 23 mil associados que criam 80% do rebanho de 200 milhões de animais no País, todos das raças indianas nelore, brahman, guzerá, tabapuã, gir, indubrasil e sindi. À frente da ABCZ, Borges já definiu o tom de sua administração. “A entidade precisa de renovação.” Logo depois de sua eleição, ele concedeu a seguinte entrevista à DINHEIRO RURAL:

DINHEIRO RURAL – Por que essa eleição na ABCZ ocorreu em um ambiente de disputa eleitoral tão acirrada, em contraposição ao tradicional consenso na escolha de seus dirigentes?
ARNALDO BORGES –
Isso aconteceu porque, nesse mometo, a ABCZ precisa de renovação, já que um mesmo grupo de pessoas estava há sete gestões no comando da associação. A disputa também é resultado da falta de prática de eleição na entidade. A última disputa ocorreu há mais de duas décadas.

RURAL – Mas o sr. ainda é um dos vice-presidentes da atual diretoria, essa que apoiou o seu concorrente nas eleições. A ABCZ sai desunida do processo, já que o senhor concorreu em uma chapa sem o apoio de seus próprios pares?
BORGES –
De jeito nenhum. Reunimos uma diretoria composta de 96 pessoas para comandar a ABCZ. Levamos quatro meses para fechar o grupo. A princípio, são pessoas que estariam aptas a liderar a entidade a qualquer momento. Em relação à minha candidatura, comecei a participar da entidade muito cedo, aos 26 anos, e passei por várias diretorias. Já havia sido convidado à presidência, mas para tudo há um momento certo. Hoje tenho segurança em deixar meus negócios particulares, como pecuarista e consultor no Brasil e no exterior, para assumir o cargo na ABCZ. Antes era impossível. Agora, para me substituir nas tarefas particulares, conto com a ajuda da família, no caso meu filho que também é médico veterinário.


Mais tecnologia: a ciência está no campo, mas ainda há espaço para melhorar o seu uso

RURAL – O que o sr. deseja renovar na ABCZ?
BORGES –
A primeira coisa era a diretoria e isso conseguimos. Do total de integrantes da chapa vencedora, 87 participam pela primeira vez em cargos na ABCZ. Ao abrir espaço a essas lideranças queremos levar os mais de 20 mil associados a se sentirem verdadeiramente representados. Tivemos o cuidado de buscar integrantes com trabalhos diferentes e de todas as raças. Mas há outras tarefas. Uma delas é fazer com que o uso do do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ) cresça entre os grandes criadores de gado de corte de todo o Brasil.

RURAL – Como fazer isso?
BORGES –
  Ao longo da campanha eleitoral, muitos produtores que hoje estão fora da ABCZ manifestaram interesse em participar do PMGZ. O  programa gera muitas informações que podem contribuir na escolha de linhagens de modo a permitir ao pecuarista aprimorar características, como fertilidade e habilidade materna, por exemplo. A ABCZ pode orientar esses produtores porque possui uma ampla rede de 200 profissionais em seu corpo técnico, entre veterinários, zootecnistas e agrônomos, presentes em 22 Estados. E também porque vamos abrir novos escritórios técnicos, em Santa Catarina, por exemplo, e retomar o trabalho em outras cinco unidades que estavam fechadas.

RURAL – O que de mais importante aconteceu na ABCZ, desde que o sr. começou a atuar na entidade?
BORGES –
Integrei o departamento técnico por 38 anos. Nesse período, presenciei mudanças importantes. A criação do PMGZ, que aconteceu em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mudou a maneira de enxergarmos o zebu. As avaliações genéticas, baseadas na ciência, fizeram a pecuária evoluir de tal maneira que elas colocaram o Brasil como o maior exportador mundial de carne bovina. Isso é um feito espetacular. É o programa de melhoramento genético que dispõe das ferramentas para que os criadores realizem um trabalho correto de seleção do gado. Também dou destaque à informatização da ABCZ nos anos 2000. Ela levou a uma melhor organização do banco de dados, das informações coletadas no campo, especialmente do PMGZ, e permitiu que as demandas dos criadores fossem atendidas mais rapidamente. Por último, considero um grande passo o Programa de Qualidade Genética do Rebanho Bovino Brasileiro (Pró-Genética), criado em 2006 para vender em feiras agropecuárias, aos pequenos e médios criadores, touros jovens de raças leiteiras e de corte, com certificado de procedência.

RURAL – Mas o Pró-Genética, que faz o intermédio da venda de cerca de mil touros por ano, ainda está concentrado em Minas Gerais. Como expandir esse programa para todo o País?
BORGES –
É normal a sua abrangência regional, porque o Pró-Genética ainda é um projeto novo. Mas ele já foi implantado em outros dez estados e, claro, poderia ter andado mais rapidamente. Mas não andou. Por isso, os técnicos devem estar mais presentes no campo. O Pró-Genética pode crescer mais rapidamente, justamente a partir do momento que atendermos o grande comprador de touro, além dos pequenos e médios.

RURAL – A ABCZ conta com uma receita anual de cerca de R$ 55 milhões, parte repassada às associações de raças. A distribuição do recurso tem sido justa, já que o nelore representa 80% do rebanho zebuíno?
BORGES –
A ABCZ deve direcionar à Associação de Criadores de Nelore do Brasil o mesmo grau de dedicação que tem com as demais raças zebuínas, em todas as regiões do País. E isso não vai mudar. É claro que com um rebanho de cerca de 136 milhões de animais, a raça nelore sempre terá uma participação mais efetiva na entidade. Mas vou dar igual apoio a todas as raças. Um exemplo é a cangaian. Embora sejam poucos os criadores no Brasil, há dois representantes da raça na nova diretoria que vai tomar conta dos destinos da ABCZ.

RURAL – A ABCZ também promove duas grandes exposições no ano, a Expozebu, identificada com o gado de elite, e a Expogenética, referendada para o gado de campo. Do ponto de vista genético, quando essas feiras falarão a mesma linguagem?
BORGES –
Os dois eventos são importantes porque mostram o que está sendo produzido e o modelo do que o criador e os técnicos preconizam como um animal produtivo e funcional. O que devemos ter como objetivo é que o animal apresentado na Expozebu precisa ser o mesmo da Expogenética. Ambos devem refletir a produção de carne ou leite, independentemente do modelo da feira. Mas o compromisso da ABCZ não é apenas com Uberaba, onde essas feiras ocorrem. Na campanha a presidente fui cobrado pela ausência da entidade em eventos no interior do Brasil. Voltar a fazer parte deles é uma de nossas metas.


Potencial: com rebanho de 212 milhões de cabeças, o País tem tudo para produzir carne de melhor qualidade

RURAL – Como o sr. vê o futuro destas feiras?
BORGES –
A função delas é promover o melhoramento animal, bem como permitir  trocas de informações técnicas e negócios. Para que isso continue a evoluir, os bovinos apresentados nas duas mostras devem passar por avaliações objetivas, não importa de onde venham, sejam de raças de corte ou de leite. O foco de toda a pecuária deve ser o aumento da produtividade. Por isso vamos manter uma agenda de discussões técnicas na ABCZ e com todas as associações de raças zebuínas.

RURAL – Como aumentar a produtividade do rebanho?
BORGES –
É preciso apostar no aprimoramento da reprodução e do manejo, fatores que precisam evoluir juntos. O Brasil é um dos países que mais utiliza técnicas de reprodução no mundo, como inseminação artificial, fertilização in vitro e inseminação artificial em tempo fixo (IATF). Mas há espaço para inovação, como o programa da central da ABS (empresa inglesa de inseminação), o ABS-NEO, que teve seus primeiros resultados mostrados na Expogenética, no mês passado. O objetivo dele é a produção e a transferência de embriões sob medida para o criador. Ou seja, a pecuária pode refinar ainda seus instrumentos para levar o Brasil a ser um grande e eficiente produtor de alimentos com maior valor agregado. Gosto de dar como exemplo de mudança o que ocorreu na pecuária da Bolívia. Comecei a trabalhar no país em 2007, quando a ABCZ ajudou os criadores do país a implantar o sistema de registro genealógico dos animais. Levamos para lá veterinários e agrônomos. Hoje, o Brasil e a Bolívia possuem hoje os melhores rebanhos zebuínos do mundo.