CACAU Produzido na Amazônia no modelo de agrofloresta (Crédito:WERTHER SANTANA)

Durante doze dias, encerrados em 12 de novembro, líderes de governos, ambientalistas, cientistas, dirigentes de empresas e de instituições financeiras se reuniram em Glasgow, Escócia, na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climá-ticas (COP-26). O objetivo, trocando em miúdos, era decidir qual realidade a geração que está no poder agora deixará para as que virão: um planeta com mais áreas desertificadas sem condições de vida humana nem de cultivo de alimentos, ou outro com a megabiodiversidade preservada, fruto de um modelo de desenvolvimento sustentável. A resposta, ao menos em teoria, todos sabem. Caso se confirme na prática, parte da solução que o mundo precisa para controlar o aquecimento global está bem aqui, no agronegócio brasileiro.

Técnicas de agricultura sustentávelem uso na Floresta amazônica comprovam potencial do brasil na economia verde

AÇAÍ Produto da bioeconomia paraense (Crédito:Brasil2)

Um dos mais urgentes e importantes eventos sobre o clima abriu grandes janelas de oportunidades para o produtor rural. Uma delas nasce com o acordo assinado por 40 países, incluindo o Brasil, de reduzir a emissão do gás metano (CH4) em 30% até 2030. A proposta foi lançada pelo presidente americano Joe Biden ainda em setembro, e se tornou um compromisso global durante a COP. “Uma das coisas mais importantes que podemos fazer nesta década decisiva para manter o alcance de 1,5ºC é reduzir nossas emissões de metano o mais rapidamente possível”, disse Biden, em seu discurso em Glasgow. Para surpresa de muitos, o governo brasileiro aderiu ao compromisso que, para ser cumprido, exigirá adequações de algumas atividades econômicas, como a pecuária.

“A meta é expandir a área com tecnologias ABC para 72 milhões de hectares até 2030” Tereza Cristina, Ministra da Agricultura (Crédito:Divulgação)

Na opinião de Muni Lourenço, vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), este acordo “pode vir a ser uma grande oportunidade para incrementar a produtividade da pecuária brasileira”, afirmou à RURAL. Eduardo Assad, professor do curso de Mestrado Profissional em Agronegócio da FGV, que antes do início do evento participou de diversas iniciativas para munir o governo com dados que relacionam as emissões de gases de efeito estufa com o agronegócio, afirmou que o Brasil tem bala na agulha para fazer essa transição e que, ao assinar o acordo, o País deu bons sinais tanto para o mercado interno como para o externo. “A gente começa a dar indícios de que precisamos profissionalizar o setor”, afirmou. Isso será bom para todos.

BORRACHA Extração valoriza manutenção da floresta em pé (Crédito:intararit)
“Onde há floresta, há muita pobreza” Joaquim Leite,Ministro do Meio ambiente (Crédito:Divulgação)

De acordo com o professor Assad, uma vez que não é possível sequestrar o metano da atmosfera, a maneira de evitar o aquecimento do planeta é reduzir sua emissão. Na pecuária, as práticas para cumprir este propósito permitirão também aumentar a produtividade e o resultado do pecuarista. Entre elas estão regenerar pastagens degradadas, promover o melhoramento genético do gado e reduzir o tempo de abate do animal. O desafio é financiar a adoção dessas técnicas em larga escala. “Os R$ 5 bilhões do Plano Safra são insuficientes”, afirmou Assad. Lourenço Muniz, da CNA, defende que parte do capital para investimento venha de fora. “É necessário que os fundos internacionais reconheçam os esforços do Brasil em adotar boas práticas e disponibilizem recursos que viabilizem as adaptações necessárias”, afirmou.

RECURSOS Os R$ 5 bilhões a que o professor Assad se refere foram os recursos anunciados pela ministra Tereza Cristina para o Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC) em junho deste ano, como parte do Plano Safra. Já naquela ocasião, o ABC, lançado há dez anos, veio com novidades, como a possibilidade de usar os recursos para financiar o manejo dos solos. No fim de outubro, dias antes da COP-26, a ministra apresentou versão ainda mais ambiciosa da iniciativa que passou a ser chamada ABC+. O objetivo final é aumentar a redução de emissão de carbono de 170 milhões de toneladas de CO2 da década de 2010-2020 para 1,1 bilhão de toneladas até o fim de 2030.

Para cumprir o desafio, Tereza Cristina anunciou compromissos complementares. “A meta é expandir a área com tecnologias ABC para 72 milhões de hectares até 2030″, afirmou. Se realizado, isso significará um incremento de 103% em relação à década anterior. “Estabelecemos assim as bases para que, no longo prazo, a totalidade da área de produção agropecuária brasileira adote sistemas de produção sustentáveis e resilientes”, disse a ministra. Os recursos para garantir a realização do plano, seu acompanhamento e mensuração, no entanto, não foram detalhados.
Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, ainda que o financiamento seja um obstáculo, o agro brasileiro tem que pensar alternativas viáveis. “Os países ricos têm que assumir o compromisso de ajudar financeiramente a transição para um modelo de desenvolvimento de baixo carbono, mas o Brasil não pode se condicionar a isso”, afirmou. “Temos condições de sermos protagonistas.” Ainda que a expectativa mundial fosse que a COP-26 terminasse com decisões mais concretas sobre a criação do fundo internacional para ajudar os países em desenvolvimento a realizarem a transição verde, nada de significativo foi acordado ou anunciado.

FLORESTAS Além do acordo do metano, o Brasil também assinou o Forest Deal. Com adesão de mais de 100 países, o documento determina o ano de 2030 como data para o fim do desmatamento global. O documento prevê, ainda, um fundo de US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para ações ligadas à preservação das florestas, combate a incêndios, reflorestamento e proteção de territórios indígenas.

Outra iniciativa global neste sentido foi a criação do IFACC (Inovação Financeira para a Amazônia, Cerrado e Chaco) em que oito instituições financeiras e empresas do agronegócio anunciaram um compromisso de criar um fundo de US$ 3 bilhões para a produção de soja e gado sem traços de ameaças à floresta. A The Nature Conservancy é uma das criadoras do projeto.“Queremos que uma parte do portfólio das instituições financeiras seja voltada para financiar a produção de soja e pecuária livre de desmatamento. Essa pequena mudança fará uma diferença enorme”, disse Anna Lúcia Horta, gerente de Negócios e Investimentos na TNC Brasil. Segundo a entidade, há hoje no País mais de 18 milhões de hectares abertos que podem receber soja. Já na pecuária é possível aumentar a produtividade de 1 arroba por hectare para 4 arrobas/ha com tecnologias disponíveis no Brasil.

Ao flexibilizar sua postura e assinar os pactos multilaterais na COP-26, o Brasil caminhava para melhorar a sua reputação ambiental diante da comunidade internacional. Mas tudo pode ter ido pelo ralo quando, ao discursar em Glasgow, no dia 10 de novembro, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, foi infeliz ao citar que “onde há floresta, há muita pobreza”. Além de dar margem para vários tipos de interpretações, a colocação reduz a importância econômica de modelos como agrofloresta, Integração Lavoura-Pasto-Floresta (ILPF), e dá ainda a entender que o ministro pouco conhece a realidade das propriedades rurais sérias que preservam até 80% da vegetação nativa e ainda assim contribuem para quase 30% do PIB brasileiro.