O engenheiro agrônomo Fernando Orlando dos Santos, 27 anos, produz soja na fazenda São José, uma área de 3,1 mil hectares no município de Montividiu, em Goiás, e, ultimamente, tem gasto boa parte do seu tempo buscando tudo o que há de mais moderno e tecnológico para incrementar a sua produção. “Com frequência, entro em contato com as produtoras de insumos e fabricantes de máquinas para saber o que há de novidade no mercado”, diz Santos. Acostumado a compartilhar seus planos, ele não está sozinho nessa empreitada. O avô Vilmo Antonio Orlando, 77 anos, que divide com ele a lida do negócio, assina embaixo a ambição do neto: com alta tecnologia, a dupla quer cultivar a melhor soja para exportação e ganhar mais por ela.

“Produzindo com qualidade e quantidade, passo a conquistar de vez esse mercado”, afirma Santos. “Percebo como a gestão de meu neto pode transformar a nossa produção”, diz Vilmo. A crença do avô e do neto, embora separados por gerações, está no futuro das fazendas digitais como regra no campo. O conceito coloca no mesmo patamar de uso a agricultura de precisão, as comunidades online e a chamada internet das coisas, no qual as tecnologias vão conectar os dispositivos utilizados pelo produtor no seu dia a dia. Santos acredita que esse futuro não está muito longe. “Em cerca de um ano, a meta é acompanhar todo o fluxo de produção da lavoura em tempo real”, afirma ele. “Quero ter o controle da hora do plantio até a colheita.” Quando isso ocorrer, a tecnologia vai permitir ao produtor mudar rapidamente a gestão do negócio como, por exemplo, o espaço entre as linhas de um cultivo ou a velocidade de plantio de uma máquina, em função das condições de clima, sem perder a produtividade e o desempenho do trabalho no campo.

"Com a informação correta, o produtor pode chegar ao teto de produtividade de sua re­­gião” Michael Stern, CEO da The Climate Corporation
“Com a informação correta, o produtor pode chegar ao teto de produtividade de sua re­­gião” Michael Stern, CEO da The Climate Corporation (Crédito:Cristiano Borges)

Santos faz parte de um crescente grupo de produtores que estão se cercando de tecnologia por todos os lados. Como o agrônomo Felipe Schwening, 32 anos, da fazenda Pai Manoel, de Rio Verde (GO); ou o engenheiro elétrico e cafeicultor paulista Wagner Ferrero, 61 anos, da fazenda Pântano, de Patos de Minas (MG). Também há gigantes nessa busca, entre elas a estatal chinesa Cofco Agri, dona de quatro usinas de cana-de-açúcar no interior paulista. Para o químico americano Michael Stern, CEO da The Climate Corporation, empresa do grupo Monsanto e especialista em sistemas de agricultura de precisão, com o conceito de fazenda digital a produção no campo vai deixar de ser um negócio de gestão puramente humana. A inteligência artificial passa a guiar o agricultor nas decisões mais corretas a cada etapa de produção. “Essa é a revolução digital da agricultura”, diz Stern. “Nós, como desenvolvedores de tecnologia, vamos ajudar o produtor a ter a informação necessária para produzir mais e melhor.” A Climate, no Brasil desde 2015, passa a oferecer sua primeira plataforma de serviço no País para a safra 2017/2018, que começa em 1º de junho. Com ela, será possível traçar mapas de produtividade da lavoura, além de acompanhar o desenvolvimento de tarefas, como plantio, aplicação de defensivos e colheita.

Nos próximos anos, a companhia deve incorporar em seu sistema outras ferramentas digitais que trarão informações como condição climática, constituição e nível de fertilidade do solo e imagens via satélite. Nos Estados Unidos, onde o pacote de tecnologias já é completo, 38 mi­­lhões de hectares de lavouras já u­ti­li­zam o sistema. “A ideia é ajudar a diminuir o espaço que existe entre o melhor e o pior resultado em produtividade no campo”, afirma Stern. “Com a informação correta, o produtor pode chegar ao teto de produtividade de sua re­­gião.” No Brasil, como um período de experiência, 110 agricultores testaram a plataforma da Climate na safra 2015/2016, coletando dados por meio de sensores móveis nas máquinas.

O País é um terreno fértil para negócios como o da subsidiária da Monsanto, com foco no promissor campo das agtechs, como são chamadas as empresas de tecnologia aplicada ao agronegócio. Segundo dados da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (Abap), dos 77,9 milhões de hectares cultivados, apenas 9%, ou sete milhões de hectares são guiados pela agricultura de precisão. “Somente com a adoção da agricultura de precisão, o ganho é considerável”, diz o agrônomo Leonardo Mene­gatti, diretor da Abap e CEO da InCeres, empresa do setor, com sede em Piracicaba (SP). “Calculo, em média, um crescimento de até 15% na produtividade de uma lavoura.” Ou seja, o Valor Bruto da Produção (VBP) da agricultura, que, no ano passado, atingiu R$ 345,2 bilhões, poderia ter sido de R$ 392,3 bilhões.

PLUGADOs: Felipe e Claudemir Schwening já contabilizam ganhos na colheita
PLUGADOS: Felipe e Claudemir Schwening já contabilizam ganhos na colheita (Crédito:Cristiano Borges)

CAMPO No caso de Santos, da fazenda São José, que acredita no seu negócio como algo ainda mais vantajoso do que é atualmente, o foco está na diferenciação. O produtor já planta a soja convencional (não transgênico), muito valorizada pelo mercado da exportação. Na sa­­fra passada foram cultivados 2,4 mil hectares do grão e 2,3 mil de milho. Em média, ele conseguiu R$ 5 a mais por cada saca de 60 quilos da soja. Seu faturamento apenas com a venda da oleaginosa foi de R$ 11,3 milhões e a receita deste ano foi de R$ 13,8 milhões, resultado 21,8% superior. “Mas, de agora em diante, monitorando a colheita com a tecnologia da Climate, posso avançar”, afirma Santos. “Posso saber de imediato se uma máquina está parada e não perder dinheiro por queda de produtividade dos equipamentos.” Embora não haja dados estatísticos para o setor, de acordo com os técnicos, cerca de 80% das quebras ocorrem nos mecanismos da plataforma de corte das colhedeiras, em peças como o caracol, o molinete e a barra de corte.

Pelo celular: Marcelo Andrade, da Cofco Agri, tem acompanhado a colheita de cana remotamente
Pelo celular: Marcelo Andrade, da Cofco Agri, tem acompanhado a colheita de cana remotamente (Crédito:Flávio Florido)

O produtor Schwening, que conduz a produção junto com seu pai, Claudemir, na fazenda Pai Manoel, e que na safra passada obteve uma receita de R$ 20,5 milhões, também foi um dos voluntários para testar o sistema da Climate. O monitoramento do ciclo já foi diferente. “As colhedeiras, por exemplo, já possuem até computadores de bordo que registram o desempenho das operações em pen drives”, diz Schwening. “Mas confesso que só dava tempo de ver as informações tarde demais, no final da safra.” Agora, com os sensores acoplados às máquinas, as informações são enviadas em tempo real para um tablet. “Podemos medir a produtividade de cada operador de máquina e recompensá-lo por isso.” Para o cultivo de 3,1 mil hectares de soja, mais o milho da segunda safra, ele dispõe de cinco equipamentos monitorados, entre eles pulverizador, plantadeira e colhedeira.

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Na Cofco Agri Brasil, subsidiária de uma gigante que, em 2016, faturou globalmente US$ 16 bilhões, as soluções tecnológicas compradas da paulista Imagem, especialista em sistema de inteligência geográfica, têm caído como uma luva. A Cofco possui no País 150 mil hectares de cana-de-açúcar na região de São José do Rio Preto (SP). Somente em colhedeiras são 130 equipamentos, além de outras centenas de tratores e caminhões. Há dois anos, com a geração de mapas via satélite, a empresa conseguiu elaborar uma robusta base de dados para guiar a automação das máquinas. “Isso permitiu, por exemplo, que as colhedeiras não passassem por cima da linha de rebrota de cana”, afirma Marcelo Andrade, CEO dos negócios de Açúcar da Cofco no Brasil. “Essa operação ajuda a manter a produtividade do canavial.” Como resultado, a Cocfo conseguiu uma produção de 84,3 toneladas por hectare no ano passado, semelhante a da safra 2015, embora em um período de séria estiagem. “Conside­ran­­do que o resto do setor sofreu queda de produção por causa da seca, não temos dúvida de que a tecnologia minimiza os riscos e leva a ganhos de produtividade”, diz Andrade.

No longo prazo, os dados são animadores, como tem ocorrido na propriedade do cafeicultor Ferrero, na região do Triângulo Mineiro, que há cerca de uma década vem digitalizando a sua propriedade de 1,1 mil hectares cultivados. Nesse período, a produtividade média passou de 38 sacas de 60 quilos, por hectare, para 67 sacas no ano passado. O desempenho foi 65,7% acima da média da região, no Estado, e 135,7% acima da média nacional. “Sou engenheiro elétrico, fascinado por inovações”, diz Ferrero. “Sempre quis ter o máximo de novidades, para produzir melhor o meu café.” O produtor fornecedor da marca Nescafé Dolce Gusto, da suíça Nestlé, e, somente em 2016, viu sua receita crescer 46,7%, chegando a R$ 22 milhões Há três anos, ele vem experimentando a ferramenta de monitoramento de pragas da Strider, empresa mineira de tecnologia. E credita parte do resultado a sistemas, como a aplicação precisa de adubos e defensivos, a irrigação por gotejamento e o monitoramento do tempo por uma estação meteorológica na fazenda. “Eu, por exemplo, sou o único na região que tem essa estação”, afirma Ferrero. “Por causa da rapidez nas decisões, tenho economizado na aplicação de defensivos.” As tecnologias têm levado a uma redução de custo de cerca de 30%: saiu de R$ 15 mil por hectare em 2014, para R$ 10,5 mil em 2016. “Mas quero melhorar ainda mais esse índice e a digitalização dos processos é o caminho.”

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