Os canaviais brasileiros estão pegando “fogo” e isso nada tem a ver com as queimadas que precedem as colheitas. As últimas medidas em relação ao plantio de cana no País têm acirrado os ânimos no campo. Primeiro a divulgação de um estudo conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente, que colocaria o etanol como um combustível mais poluente do que a gasolina, causou surpresa e indignação no setor sucroalcooleiro. Poucas semanas depois, o lançamento do Zoneamento Agroecológico da Canade- açúcar, que restringiu seu plantio nas regiões do Pantanal, Amazônia e Bacia do Alto Paraguai (ver mais no boxe na página 36), voltou a incendiar o setor. No centro das discussões está mais uma vez o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, cuja pasta coordenou tanto a polêmica pesquisa como também o programa de zoneamento da cana. Essa última, aliás, provocou declarações acaloradas, por parte do governador de Mato Grosso do Sul, no dia 22 de setembro. André Puccinelli (PMDB-MS), durante uma reunião com empresários, se referiu a Minc como “fumador de maconha” e afirmou que caso o ministro participasse da Meia-Maratona Internacional do Pantanal, ele teria que sair vencedor da corrida. “Senão eu o alcançaria e ele seria estuprado em praça pública”, comentou Puccinelli, que depois voltou atrás e disse que as declarações foram em tom de brincadeira. Mas Minc não baixou o tom. “É um truculento ambiental que quer destruir o Pantanal com a plantação de cana-de-açúcar”, declarou.

Setor ferve: ranking de poluentes e zoneamento da cana desagradam ao setor produtivo e levantam dúvida quanto ao posicionamento político do governo em relação ao etanol

Toda essa baderna começou por meio de malfadado estudo que colocou a eficiência ambiental do etanol em xeque. Na análise, o governo mostrou um ranking que indica os modelos de automóveis mais poluentes, fabricados em 2008. Os cálculos levaram em conta as emissões de três tipos de gases – monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos e óxido de nitrogênio -, mas deixaram de fora o CO2, responsável pelos gases de efeito estufa e que, por consequência, leva ao aquecimento global. “O ranking possui falhas de metodologia”, ponderou o consultor de emissões e tecnologia da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), Alfred Szwarc.

“Ele (Minc) é um fumador de maconha. Se eu o alcançasse, ele seria estuprado em praça pública”

André puccinelli: governador de MS

Os dados causaram apreensão no setor. Afinal, de uma hora para outra, o produto brasileiro perdia o seu status de combustível ambientalmente correto. Uma ideia que o mundo está, literalmente, comprando. Só em 2008 foram 5,16 bilhões de litros exportados. Um volume recorde, responsável por um mercado de cerca de US$ 6 bilhões. A divulgação de um estudo com metodologia duvidosa, em um momento em que o marco regulatório do pré-sal acaba de ser lançado, já levanta preocupações quanto ao posicionamento do governo, em relação ao etanol. O temor é de que esse tipo de pesquisa tenha um cunho político e sirva futuramente para justificar os investimentos na busca pelo petróleo. “A forma como foi divulgado esse estudo foi irresponsável”, esbravejou Szwarc.

Minc bem que tentou amenizar o impacto do estudo, reconhecendo que os dados não são tão confiáveis.

“Temos que fazer a defesa do álcool, sem dúvida o combustível que polui menos”, disse. No entanto, o estrago já tinha sido feito. “Não paramos de receber telefonemas de compradores internacionais querendo informações sobre o ranking.

Agora teremos que trabalhar para contornar mais esse problema”, analisa o consultor.

Um novo mapa para cana

Novo Zoneamento Agroecológico da Cana também provoca discórdia no setor

O recém-lançado Zoneamento Agroecólogico da Cana-de-açúcar criou um novo “mapa” para o plantio da cultura no País. Nessa nova demarcação, restam 66 milhões de hectares para o cultivo dos canaviais, que fica proibido em 92,5% do território brasileiro, incluindo Pantanal, Amazônia e Bacia do Alto Paraguai. Mesmo reconhecendo que a medida pode trazer benefícios para o setor, ajudando a fortalecer a imagem do produto no Exterior, alguns pontos já causam polêmica. Um deles é a incorporação de áreas já consolidadas, o que pode prejudicar projetos implantados antes do zoneamento. Fato que irritou o governador de Mato Grosso do Sul. Outro ponto é em relação à restrição de plantio com base no conceito de segurança alimentar. “Existe uma grande dificuldade de definição em relação ao conceito de segurança alimentar, uma vez que esta planta serve não apenas para produção de energia, no caso do etanol e bioeletricidade, mas também de alimentos, no caso do açúcar”, diz o comunicado oficial da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica).

Entre os critérios que definiram o zoneamento estão a opção por áreas que não necessitem de irrigação plena, com declive de até 12 graus para permitir a mecanização e eliminar as queimadas, e a utilização de áreas degradadas ou de pastagens. “Nosso objetivo é garantir a produção do etanol verde”, explicou o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.