O inventor do primeiro balão dirigível com motor a gasolina, o mineiro Alberto Santos Dumont, sequer imaginava, nos idos de 1898, que um dia as suas máquinas voadoras cruzariam pelos céus transportando toneladas de cargas e centenas de pessoas de uma só vez. Muito menos que elas serviriam para aplicar defensivos para combater pragas e doenças em imensas lavouras, ou semear extensas áreas de pastagens. “Foi um ataque de gafanhotos na região gaúcha de Pelotas que levou os agricultores a utilizarem, pela primeira vez no País, um avião para combater pragas no campo”, diz Marcelo Gerulaitis, gerente comercial do Ipanema, modelo de avião agrícola lançado há 45 anos pela Embraer, gigante com faturamento anual de R$ 6,7 bilhões. Ele conta que, com o apoio de um engenheiro agrônomo, um monomotor de fabricação nacional foi adaptado para a tarefa de exterminar os insetos.

A façanha aconteceu em 19 de agosto de 1947, data que anos mais tarde acabou virando o Dia Nacional da Aviação Agrícola. “Esta foi a primeira iniciativa brasileira de uso de uma aeronave no campo”, afirma Gerulaitis.

Hoje, os aviões agrícolas estão por toda a parte. De acordo com o Registro Aeronáutico Brasileiro da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), há exatas 2.083 aeronaves no campo, das quais 1.238 unidades pertencem a empresas aeroagrícolas, 727 a agricultores ou cooperativas e 28 ao governo, além de aparelhos de instrução, experimental ou protótipo. E elas em nada lembram os acanhados primeiros modelos que saíram das fábricas. O Ipanema 203, por exemplo, colocado no mercado no ano passado, tem tecnologias avançadíssimas, como altímetro a laser, controle de vazão de produtos, abertura e fechamento automático dos bicos de pulverização por meio do sistema de GPS, o que resulta em uma aplicação de precisão nas lavouras. O avião também tem ar condicionado, cinto de segurança com air bag e cabine mais alta do que o modelo anterior. “Essa nova geração possui 13,5 metros de envergadura de asa, dois metros a mais que a anterior, o que dá mais sustentação aerodinâmica à aeronave”, afirma Gerulaitis. “As melhorias atendem as demandas dos usuários e permitem o desempenho do trabalho com mais conforto e eficiência.”

Não por acaso, por causa da super safra que acaba de sair do campo, neste ano a companhia espera vender cerca de 20 aeronaves agrícolas. No ano passado foram apenas duas. A atual previsão é puxada pelo aumento da demanda do Matopiba, região formada pelos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) estima que 72 milhões de hectares de grãos, algodão, citros, cana, café, fruticultura e outras culturas são pulverizados por aeronaves. De acordo com Eduardo Cordeiro de Araújo, engenheiro agrônomo e consultor do Sindag, o Brasil é o segundo país que mais utiliza aviões agrícolas na aplicação de defensivos, atrás somente dos Estados Unidos. “A frota brasileira cresceu 44% em quase dez anos, a uma média de 5,5% ao ano desde 2008”, diz Araújo. “O Mato Grosso é o primeiro do ranking, com 462 aeronaves, seguido do Rio Grande do Sul, com 418, e por São Paulo, com 311 aviões agrícolas registrados.”

”Enquanto um avião agrícola faz a aplicação em mil hectares por dia, a terrestre faz somente 400 hectares” Marcelo Gerulaitis,diretor comercial do Ipanema (Crédito:Divulgação)

A frota cresceu por um motivo simples: custa menos tratar da lavoura voando. O custo médio de operação do avião Ipanema, por exemplo, é de até R$ 9 por hectare, dependendo da cultura. “Enquanto um avião agrícola faz a aplicação em mil hectares por dia, a terrestre faz somente 400 hectares”, diz Gerulaitis. “Também há economia de tempo e um aumento da produtividade em relação à operação terreste.” Um bom exemplo é o da Siderúrgica Gafanhoto, de Serrana (MG). Desde 2008, a adubação foliar da floresta de eucalipto da empresa é feita com aviões agrícolas. A madeira é utilizada como carvão vegetal para a produção de ferro gusa. “O custo fica bem mais barato, cerca de 30% menor comparado com a aplicação terrestre”, diz Antonio Kleber Álvares, presidente da empresa. “A aplicação é mais uniforme, mais homogênea e mais rápida.” De acordo com o executivo da Embraer, em média a economia é até 20% maior, mas há casos de até 50%. Mas, para ser dono de uma máquina voadora, a conta não é pequena. Cada unidade é vendida por R$ 1,5 milhão, o que deve representar neste ano uma receita de cerca de R$ 30 milhões para a empresa.

Embora haja modelos importados dos Estados Unidos, por empresas como a Thrush Aircraft do Brasil, com sede em Anápolis (GO), é a Embraer que domina esse setor no País. E história é o que não falta. Isso porque foi lá na década de 1960 que o Ministério Agricultura firmou um convênio com a então estatal Embraer, para produzir aviões agrícolas. Foi assim que os engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica projetaram uma aeronave e a testaram na fazenda Ipanema, em Sorocaba, no interior de São Paulo, dando nome à série de máquinas. “Em 1972, a empresa entregou o primeiro agrícola fabricado no Brasil, o Ipanema EMB 20, para uma fazenda de café em Catanduva (SP)”, diz Gerulaitis. Hoje, o modelo é o mais popular entre os aviões agrícolas utilizados Brasil. Desde que a empresa foi criada, cerca de 1,4 mil unidades já foram vendidas, das quais 1,1 mil ainda estão em uso. “Nós trabalhamos para manter 60% do mercado brasileiro”, afirma ele. “E vamos continuar crescendo.”