Ao longo de seus 55 anos, o argentino Ariel Maffi, vice-presidente da DSM no Brasil para a área de ruminantes, acompanhou diversas crises econômicas nos vários países latino-americanos em que viveu. Por isso, o executivo que está à frente da Tortuga, marca da gigante holandesa que produz suplementos e ração para animais, diz não se intimidar com a situação do Brasil. “Tenho mestrado em crises.” Nos últimos 11 anos, ele trabalhou em países como a Argentina, a Venezuela e o Equador, comandando a área de nutrição animal da DSM na América Latina. “No caso da criação de animais, a crise estimula o uso de suplementação, porque os produtores precisam aumentar a produtividade de seus rebanhos.” Prova do otimismo da companhia, que faturou US$ 10,1 bilhões em 2014, é o investimento de US$ 30 milhões na ampliação da unidade de Mairinque (SP) para atender a toda a América Latina. No final do mês passado, Maffi recebeu a DINHEIRO RURAL na sede da empresa, em São Paulo, para uma entrevista exclusiva.

RURAL – Do ponto de vista da nutrição, qual o principal desafio na criação de bovinos?
ARIEL MAFFI –
O principal desafio na pecuária é enfrentar o período de seca. É uma fase estratégica para a produção, na qual a suplementação com produtos energéticos e proteicos permite balancear uma dieta e manter o ganho de peso dos animais. Isso é muito diferente do passado, quando era comum a perda de peso por falta de suplementação. O período pós-parto das vacas também é crítico. Quando o bezerro está mamando, há uma alta demanda energética por parte dessas fêmeas na pecuária leiteira e também na de corte. Somente uma vaca bem nutrida volta a ovular 75 dias depois do parto, condição para que ela consiga gerar um bezerro por ano.

RURAL – A nutrição de precisão é um caminho sem volta na pecuária?
MAFFI –
A melhor forma de responder a esta pergunta é explicar o motivo que levou a DSM, que é uma empresa com foco em micronutrientes, a comprar a Tortuga em 2013. Isso porque a empresa aposta em uma intensa incorporação de micronutrientes na nutrição bovina de leite e de corte. Neste ano, nós começamos esse movimento com o conceito de OVN (optimum vitamin nutrition) incorporado às formulações dos produtos da marca. Exemplos são as enzimas, como a amilase e os óleos essenciais.

RURAL – Na criação de gado no pasto, sistema em que o Brasil se sobressai como produtor de carne, qual o espaço que a nutrição de precisão pode ocupar?
MAFFI –
A grande oportunidade está em expandir a suplementação na pecuária extensiva. Hoje, estimamos que 60% dos animais recebam uma dieta suplementada no pasto, desde o nível mínimo ao altamente especializado. Há um espaço muito grande para o crescimento da nutrição de precisão e a atual rentabilidade da pecuária estimula o produtor a incorporar tecnologias para encurtar o período até o abate dos animais. O desafio é como fazer isso. Hoje, nas pastagens brasileiras a lotação média é de 0,5 Unidade Animal por hectare (uma UA equivale a 450 quilos de peso vivo), com ganho diário de peso de 400 gramas, por animal. Isso ainda é pouco. Nas fazendas mais especializadas, por exemplo, a lotação pode chegar a quatro UAs por hectare, com ganho de peso superior a um quilo, por dia.


Bom retorno: a rentabilidade na pecuária vem estimulando um maior investimento na fase de recria dos animais

RURAL – A nutrição de precisão na bovinocultura pode alcançar a mesma amplitude já empregada na criação de suínos e aves?
MAFFI –
Nós observamos uma evolução em grandes estabelecimentos de gado de leite, principalmente naqueles que utilizam alta tecnologia. E também um incremento no confinamento, o que, consequentemente amplia o uso da nutrição de precisão. Acreditamos em um crescimento de 10% ao ano, com o Brasil confinando nove milhões de bovinos na safra 2020/2021. Sobre o total do rebanho, de 212 milhões de bovinos, o volume em sistema intensivo ainda seria pequeno. Mas isso já é suficiente para aumentar a procura pela nutrição de precisão. Ainda é preciso levar em conta o crescimento do semiconfinamento, com a suplementação animal no pasto. Estamos falando,
portanto, de até cinco quilos de ração a mais, por animal, de forma a encurtar o período até o abate.

RURAL – Como sistema de engorda, as taxas de crescimento do gado confinado têm sido pouco significativas. O que impede uma expansão mais acelerada?
MAFFI –
Embora a terminação em confinamento permita um ciclo mais curto na pecuária, o Brasil ainda dispõe de muita área para engordar gado. Assim, o confinamento não é intenso porque a produção no pasto é competitiva e permite a produção de bois de alta qualidade e de forma rentável. Isso explica o motivo de 90% da produção ser neste formato e também mostra porque o Brasil nunca chegará ao patamar de confinamento dos Estados Unidos ou México, países nos quais o gado é todo terminado em cocho.
RURAL – Que tecnologias são necessárias para encurtar o período de recria?
MAFFI –
O uso do creep feeding, que é a suplementação do bezerro ainda ao pé da mãe, no período de lactação, permite um rápido ganho de peso adicional no desmame. Esta é a chave do êxito para encurtar o ciclo da pecuária de corte. Hoje, o abate de animais destinados à produção de carne ocorre entre os 36 meses de vida, até 40 meses, em média. Com a incorporação de suplementação é possível fazer essa média baixar para 24 meses, até o máximo de 30 meses. Isso significa um ano a menos no ciclo bovino para animais comerciais. 

RURAL – O que é fundamental em um bem sucedido programa de nutrição?
MAFFI –
O tema abrange todos os componentes de uma dieta, como proteína, micronutrientes e macronutrientes. Por isso, é importante entender a produção de cada propriedade para que se possa complementar a alimentação dos animais. Por exemplo, em uma fazenda de pecuária extensiva, é preciso saber qual é o tipo de pasto, o que está faltando ao animal e em que momento deve ser realizada a suplementação estratégica.


Apoio na engorda:  alimentar o bezerro no período de lactação traz ganhos para toda a vida do animal

RURAL – Quais são as tendências em nutrição animal?
MAFFI –
Para o pecuarista, o importante é aumentar os seus lucros por meio de uma maior produção de carne por hectare. Isso é possível adicionando tecnologias às dietas, como as enzimas, que melhoram a digestão, e os óleos essenciais, que garantem o bom funcionamento do rúmen. O importante, assim como ocorre com aves e suínos, é buscar uma alta produtividade na pecuária com uma dieta de baixo custo. Isso não significa utilizar matérias primas de menor preço, mas aumentar o ganho de peso com uma dieta que incorpore tecnologia.

RURAL – Até quando vai durar a boa fase financeira que a pecuária atravessa?
MAFFI –
A bovinocultura de corte tem um bom momento confirmado para os próximos meses, e talvez para todo o ano de 2016. Especialistas apontam preço firme e sustentado para a arroba do boi gordo, e a disponibilidade de bezerro seguirá limitada. Isso é o resultado do intenso abate de fêmeas nos anos de 2013 e 2014. Agora, está começando um ciclo de retenção de fêmeas para a reprodução. Caso isso se confirme, em 2017 o setor deve encontrar um equilíbrio entre a demanda por bezerro e a oferta.

RURAL – Quais são as perspectivas para a exportação de proteína animal?
MAFFI –
Acredito que a situação atual do dólar estimula as empresas exportadoras e faz o Brasil ser mais competitivo. A abertura para a exportação de carne bovina in natura aos Estados Unidos, por exemplo, pode trazer um alto impacto aos negócios da pecuária. Embora ainda não esteja regulamentada, há expectativa de que o Brasil possa capturar parte do mercado americano quando os embarques começarem. Além disso, a China, apesar de crescer a taxas menores atualmente, na comparação com anos anteriores, segue como um mercado atrativo para o Brasil.

Rural – Até 2025, é possível atingir a projeção feita pelo governo federal de produzir, anualmente, 34 milhões de toneladas de carne bovina, suína e de frango?
MAFFI –
Do ponto de vista tecnológico e de disponibilidade de terras, o Brasil pode alcançar essa meta facilmente. A grande questão é se a demanda interna vai acompanhar o volume esperado de produção, porque essa projeção foi realizada em um outro momento de mercado. Acredito que o aumento das exportações não deve ser suficiente para compensar uma possível redução do consumo interno. Em todo o caso, a experiência que temos mostra que quando há crises, o que ocorre não é a redução do consumo de carnes, mas a migração de produtos mais caros, como a carne bovina, para proteínas mais baratas e o frango é o maior exemplo.