O empresário capixaba Sérgio Giestas Tristão, 57 anos, economista formado pela PUC do Rio de Janeiro, é um homem de modos simples. Fala baixo, pausadamente, e, costumeiramente está sorrindo. Ele diz que sempre fez escolhas para ter tranquilidade e segurança na vida. Tristão, diretor da fabricante de café solúvel Realcafé e da Empresas Tristão, exportadora de café em grão e administradora de armazéns gerais, em Viana, no Espírito Santo, passa metade do dia na fábrica, onde supervisiona o trabalho dos funcionários e divide as tarefas de recursos humanos com a filha Tatiana, e a outra metade no escritório construído no alto de uma colina, a pouco mais de 500 metros de distância das caldeiras e torrefadoras. Além de sua sala, o segundo andar do prédio envidraçado comporta uma trading, um bar e os sommeliers que classificam a bebida, de onde também é possível apreciar o movimento de caminhões que chegam do interior do Estado carregados de sacas de café. Tristão diz que é um prazer olhar esse movimento, sempre com uma xícara de café nas mãos, preparada por uma barista que tem como tarefa servir quem passa pelo prédio. O aroma de café fresco é uma característica do lugar. “Tomar um cafezinho é tudo de bom”, diz Tristão. “Não importa se é um gourmet, um expresso, de coador, puro ou misturado com leite, canela ou chocolate.” No ano passado, as duas empresas sob o seu comando faturaram R$ 400 milhões, dos quais R$ 160 milhões com o café solúvel e R$ 240 milhões com o café em grão.

Entre as duas empresas, a que mais toma seu tempo para planejar o futuro é a Realcafé, apesar da receita menor. “O café solúvel é promissor, porque há um movimento em curso, que vai do produtor, passa pela indústria e chega ao consumidor”, diz. “A cadeia toda do café está meio estagnada, mas isso vai mudar.” No Espírito Santo, Tristão é parte importante de uma engrenagem que envolve os produtores de café da variedade conilon – base para a fabricação de solúvel –, o governo do Estado e o Instituto Capixaba de Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em busca de um café de melhor qualidade que a atual, para destravar o mercado. O movimento se justifica. A variedade conilon, também chamada de robusta, sempre foi considerada uma cultura de qualidade inferior, se comparada à arábica, variedade plantada principalmente em Minas Gerais no Paraná e em São Paulo, cultivada em 75% dos cafezais do País. Entre as duas variedades de café, o Brasil vai colher, na safra 2013/2014, cerca de 48,6 milhões de sacas de 60 quilos do produto beneficiado.

O conilon está quase todo concentrado no Espírito Santo e é ali que a batalha pela qualidade da bebida está começando, através do lançamento, neste mês, de novas variedades de plantas selecionadas em função de aroma, sabor e doçura do grão. “Por décadas, dizia-se no País que o conilon nem era café, de tão desprezado como bebida superior”, afirma Enio Bergoli, secretário de Agricultura do Espírito Santo. Mesmo assim, no ano passado foram cultivados no Estado 9,7 milhões de sacas de 60 quilos dessa variedade, volume equivalente a 78% do que foi produzido de conilon no País. A movimentação financeira, o chamado Valor Bruto da Produção (VBP), foi de R$ 2,4 bilhões, representando mais de 30% de toda a riqueza agrícola gerada no Estado.

Parte desse desempenho pode ser creditado à família de Tristão. Por isso, na terra do “Rei” Roberto Carlos, não há quem desconheça a marca Realcafé. O conilon completou 100 anos em 2012, no Espírito Santo, mas o crescimento da área plantada aconteceu somente a partir da década de 1960. Naquela época, enquanto o governo federal pagava para os produtores queimarem suas plantações para melhorar o preço, por causa de uma das tantas crises do setor, o pai de Tristão, Jônice Tristão, hoje com 83 anos, dizia: “Plante conilon que eu compro”. Atualmente, há 40 mil cafeicultores no Estado e apenas 12 municípios, entre 78, não cultivam o café. “Em 50 municípios, o café é a atividade principal”, diz Bergoli.

A Realcafé processa, atualmente, 8,5 mil toneladas de solúvel à base de conilon, volume relativo a 280 mil sacas a 300 mil sacas de grãos colhidos no campo. Desse  total, 7,5 mil toneladassão exportadas para os Estados Unidos, o maior cliente, ao lado da Indonésia, e para a Europa. “Para o Exterior mandamos o café solúvel a granel, e cada cliente coloca a sua marca”, diz Tristão. No mercado interno, as mil toneladas vendidas fazem parte da estratégia de diversificação iniciada pouco antes da crise econômica de 2008. A decisão veio em boa hora. No Espírito Santo, a Realcafé é a maior produtora desse tipo de café e uma das maiores do País. Concorre com gigantes multinacionais como a suíça Nestlé, dona da marca Nescafé, a holandesa D.E Masters Blenders, que no Brasil detém as marcas Pilão e Damasco, e a japonesa Marubeni, com a marca Iguaçu. “É bom ter concorrentes desse peso, principalmente a Nestlé, que não vende café torrado e moído”, diz Tristão.

No mercado de cafés, a Nestlé vende somente o produto solúvel e é uma das mais exigentes na compra da matéria-prima. “Qualquer outra marca que queira concorrer com a Nestlé precisa agregar qualidade ao solúvel”, diz o empresário. A Realcafé produz para três marcas, sendo a principal delas a alemã Melitta, que absorve 50% da produção. Também possui uma marca própria, a Cafuso, vendida apenas no Estado para não gerar concorrência nacional com os clientes. “Não queremos dividir com eles as prateleiras dos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro”, diz Tristão. “Aliás, torcemos para que os nossos clientes cresçam, porque assim vamos juntos.” Além do solúvel, a Realcafé processa 35 toneladas de erva-mate por ano para a Coca-Cola, como mais uma estratégia de diversificação.

Aumentar o portfólio das Empresas Tristão e Realcafé evitou que o grupo ficasse à mercê do mercado de café em grão para exportação, um segmento que depende das oscilações da produção mundial e do câmbio. No ano passado, 600 mil sacas foram vendidas ao Exterior, ante 2,6 milhões em 2002, a maior exportação da história do País realizada em um único ano e por uma única empresa brasileira. “Mas esse é um mercado muito arriscado”, diz Tristão. “Poderia até ganhar mais dinheiro, mas, como empresário, prefiro o desafio do mercado interno que passa pela indústria e hoje quer qualidade.” Para o presidente do Incaper, Evair Vieira de Melo, degustador de café há 20 anos e com pós-graduação em análise sensorial, a variedade conilon, até uma década atrás, era um diamante não lapidado. “Para ter um fruto bom é necessário muita pesquisa”, diz Melo. No conilon, esse trabalho começou há apenas dez anos, quando o Incaper passou a mensurar dados de colheita, pós-colheita e longevidade de maturação dos grãos, entre outros itens. “Há menos de três anos, os dados começaram a aparecer com mais consistência.” Segundo Melo, os resultados obtidos nos 11 campos experimentais e o trabalho de assistência de 350 técnicos em 86 escritórios espalhados pelo Estado vêm seduzindo os produtores mais focados em tecnologia.

É o caso do ex-pecuarista Edson Costalonga, que criava gado leiteiro até quatro anos atrás e hoje é um dos cafeicultores mais produtivos do Estado. Na fazenda Mundo Novo, localizada no município de Fundão, Costalonga quer chegar a 2015 produzindo 3,6 mil sacas de café conilon, em 30 hectares irrigados. “Meu projeto é alcançar 200 mil pés de café irrigado”, diz o produtor. “Hoje, ainda tenho só 90 mil pés.” O que mais tem chamado a atenção dos técnicos do Incaper é a produtividade por área. Em dez hectares plantados em 2010, Costalonga está colhendo 175 sacas por hectare, ante a média de 35 sacas no Estado. “Hoje, poucos produtores conseguem tirar dos cafezais acima de 70 sacas de grão por hectare”, afirma o pesquisador e técnico José Antônio Lani. Por isso, a fazenda Mundo Novo, que conseguiu dobrar esse número, tornou-se a menina dos olhos do Incaper. “Queria fazer do conilon uma bebida que tivesse o sabor da roça da minha infância”, diz Costalonga. “Acho que estou chegando lá.”

Em junho do ano passado, Costalonga recebeu em sua fazenda 200 produtores durante a Conferência Internacional Coffea Canephora, nome científico do conilon. No grupo estavam cafeicultores do Vietnã, Japão, África do Sul, Índia, Inglaterra, França, Estados Unidos e Colômbia, interessados em conhecer o segredo de Costalonga. “Botei tecnologia. Sem ela não é possível ir em frente”, dizia o capixaba. Os estrangeiros vieram ao Brasil ver o conilon porque acreditam que também podem fazer o mesmo com a variedade robusta cultivada em seus países. No ano passado, o comércio mundial desse café foi de 46,6 milhões de sacas, ante 37,5 milhões em 2011.