Em outubro, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apresentou o primeiro levantamento de intenção de plantio da safra de trigo 2013/2014, que acontece nos meses de maio e junho. A produção prevista para o grão colhido entre setembro e dezembro do próximo ano é de 4,7 milhões de toneladas plantados em 2,2 milhões de hectares concentrados principalmente na região Sul. Caso não haja nenhum contratempo, como perdas de produção por clima adverso ou pragas, o crescimento em relação à safra 2012/2013, que está sendo colhida até o próximo mês, será de 9% em produção e de 15%, na área plantada. “O produtor fica estimulado a plantar porque tem demanda garantida no mercado interno”, dizia o ex-ministro e diplomata Sérgio Amaral, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), dias antes de embarcar de São Paulo para a Ilha de Comandatuba, na Bahia, onde conduziria entre os dias 20 e 22 de outubro o 20º Congresso Internacional do Trigo. O evento reuniu cerca de 500 pessoas de várias partes do mundo.

Em 2014, caso o consumo interno se mantenha como o deste ano – em 12 milhões de toneladas –, e se a safra vier como previsto pela Conab, o País precisará importar cerca de 7,5 milhões de toneladas do grão, um aumento de 7% em relação ao ano passado. A pergunta é: de onde ele virá e qual a política do governo para não desestimular os produtores a investirem na cultura? Os países do Mercosul, principalmente a Argentina, sempre abasteceram o mercado nacional. Mas os produtores do bloco vêm enfrentando problemas climáticos, como os uruguaios, e políticos, como os argentinos, que têm o preço do cereal tabe lado pelo governo. Segundo a Abitrigo, a produção prevista para o Mercosul é de 20 milhões de toneladas do cereal, para uma demanda estimada em 17,5 milhões. Para Christian Saigh, vice-presidente do Moinho Santa Clara, de São Caetano do Sul (SP), e presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo, deve ocorrer em 2014 o mesmo que vem acontecendo neste ano. Em pleno período de colheita, o País está importando o grão. “Não vai ter trigo no Mercosul para abastecer o Brasil até agosto/setembro do próximo ano e o Brasil deve se preparar para comprar trigo do Canadá e, principalmente, dos Estados Unidos”, diz Saigh. “Há empresas que estão moendo 100% de trigo americano. Eu compro o cereal há 20 anos, e nunca tinha visto isso acontecer.” Desde janeiro, já foi importado 1,5 milhão de toneladas do país, quase 50 vezes mais que a média histórica.

Apesar da dependência da produção americana, Amaral acredita em uma via alternativa. “Há um elemento novo no cenário mundial, que até então não existia”, diz ele. “Os russos estão interessados em vender trigo para o Brasil e dispostos a competir com os Estados Unidos.” Durante o Congresso Internacional, o presidente da Abitrigo pediu uma reunião com a delegação Russa presente ao evento, para discutir a questão. No iní cio do mês, Amaral já havia se sentado com o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Marcelo Junqueira, para ouvir as explicações de como estão as tratativas de acordo fitossanitário entre os países. Elas precisam ser fechadas, para que se iniciem importações. A Rússia é um dos maiores produtores mundiais da commodity, com uma safra anual estimada em 50 milhões de toneladas. “O país também pratica preços bastante competitivos”, diz Amaral. “Eles conseguem vender a tonelada por cotações até US$ 80 abaixo do produto similar americano.”

Para Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, não importa onde o País se abastecerá. O momento de impasse no mercado interno precisa ser bem gerenciado na questão da taxa de importação (TEC), zerada pelo governo desde abril. “O que está em jogo é se o governo brasileiro vai zerar a TEC em 2014, como fez neste ano”, diz Pih. Em 2013, do total de 2,7 milhões de toneladas importadas pelos moinhos brasileiros desde janeiro, 2,1 milhões entraram no País sem pagar impostos. “O governo está entre a cruz e a espada porque, se liberar a TEC, o preço do trigo nacional cai e desestimula o produtor a plantar na safra 2013/2014”, diz Pih. “Se o governo quer estimular a produção de um lado, e de outro tira do produtor a sua oportunidade de ganhar dinheiro, de ter uma receita maior, isso será contraproducente no futuro.”

Atualmente, os moinhos brasileiros têm uma capacidade de processamento de grãos de 16,5 milhões de toneladas, com expectativa de ir a 17 milhões com os atuais investimentos do setor. “Eu sou da indústria, não posso deixar de defendê-la, mas tenho que ser honesto”, diz Pih. “Naturalmente, para nós, seria uma vantagem muito grande se o governo desse mais cota de trigo, sem TEC.” No mercado interno, para o consumidor, mesmo com o mercado do trigo em ebulição, o preço da farinha – um item que pesa na composição do índice de inflação – não deve subir. Isso vai acontecer, mesmo se o governo não zerar a TEC em 2014. “O que explica a previsão é o câmbio”, diz Pih. “O dólar, que estava a R$ 2,45, hoje está a R$ 2,19. Essa redução do custo vem compensar qualquer imposto a pagar.”

Para o presidente da Abitrigo, é fundamental que isso ocorra. No Brasil há 65 mil padarias e elas são o canal pelo qual passa 50% do trigo processado pelos moinhos. Com a renda do brasileiro em ascensão, esse setor tem demandado, cada vez mais, por produtos de melhor qualidade. “No País, 50% da alimentação já é feita fora do lar e as padarias estão nesse jogo”, diz Amaral. “Quanto mais suaves forem as relações na cadeia produtiva, mais poderemos investir na sua integração total para agregar valor em todo o processo.”