Um clima depressivo e nebuloso ronda os corredores do Frialto desde o final de maio. Com quatro plantas em Mato Grosso, receita anual de R$ 1,2 bilhão e, claro, dívidas, o frigorífico anunciou o pedido de recuperação judicial para não quebrar de vez. Assim como o Frigoestrela, o Margen, o Arantes, o Quatro Marcos, o Independência e tantos outros, o Frialto está com a faca no pescoço e, pior, abandonado por quem sinalizou auxílio, fez graça e, na hora H, abandonou o barco: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com argumentos vagos e “desculpas esfarrapadas”, conforme diz o presidente da Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, o banco alega que os recursos acabaram para o setor. E ponto final. O fato até seria aceitável se não fosse um detalhe: nos últimos dois anos, o BNDES investiu R$ 4,6 bilhões neste setor. Estes investimentos, porém, foram direcionados apenas para os grandes frigoríficos como JBS-Friboi, que enxugou R$ 1,4 bilhão do bolão. O Bertin, que mais tarde foi incorporado pelo próprio JBS-Friboi, levou mais R$ 2,4 bilhões. Dessa forma, o BNDES passou a ter 22,4% de participação acionária no novo grupo, pós-fusão. Ainda com vultosos investimentos, o Marfrig, do empresário Marcos Molina, abocanhou R$ 818 milhões. Neste emaranhado, ainda constam cerca de R$ 31 milhões para o Independência, que anunciou sua recuperação judicial em março de 2009 e ainda está em situação frágil. O banco tornou-se sócio de todos eles. Por isso, não sobrou dinheiro para os médios e pequenos. Agora, os órfãos do BNDES procuram desesperadamente uma solução para sair desse buraco negro e não parar de vez.

 

A Abrafrigo é categórica quando acusa o BNDES de ser o culpado pela crise no setor. “A ausência de políticas de financiamento do BNDES para os médios e pequenos frigoríficos deixa o setor fragilizado e pessimista sobre o seu futuro e dissemina a desconfiança para os produtores e o sistema financeiro, o que gera mais dificuldades para toda a cadeia produtiva”, explica Salazar. “O caso do Frialto é apenas mais um exemplo de insensibilidade da entidade diante dos médios e pequenos.” Segundo ele, o banco barra estes frigoríficos sem explicações, já que as empresas rejeitadas atenderam todas as exigências e ofereceram as garantias exigidas pela entidade ao solicitar o crédito. “Eles se limitam a dizer que os recursos para o setor estão esgotados.” Por meio de sua assessoria de imprensa, o BNDES não quis comentar as acusações. Em nota, a diretoria do Frialto também não quis se pronunciar sobre a rejeição que sofreu e informou que, neste momento, está empenhada em estruturar a recuperação judicial da empresa, que tem 2,4 mil funcionários.

De acordo com a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), com a recuperação judicial do Frialto sobe para 18 o número de plantas paradas somente em Mato Grosso. Somente neste Estado já havia o caso dos frigoríficos Quatro Marcos e Independência, que estão em processo de recuperação judicial porque não conseguiram financiamento do BNDES. O próprio Frialto já havia conseguido limar R$ 360 milhões de suas dívidas, mas não conseguiu mais linhas de financiamento para sanar outros R$ 400 milhões”, diz o superintendente Luciano Vaccari. “Todos os frigoríficos que não receberam o crédito do BNDES fecharam suas unidades ou tiveram que pedir recuperação judicial. O governo precisa rever os critérios e olhar para as indústrias de pequeno e médio portes”, completa. Das quatro plantas do Frialto na região, apenas uma, a de Matupá, que fica a 720 km de Cuiabá, voltou às atividades na segunda quinzena de junho, com capacidade reduzida de abate e a metade dos funcionários.

 

O problema, infelizmente, não é restrito ao Mato Grosso. No Estado de São Paulo também há empresas que não conseguiram realizar seus financiamentos. “Eles rejeitaram nosso pedido de auxílio alegando que não poderiam dar crédito a uma empresa que pertence à família de um parlamentar”, conta Rubens de Andrade Ribeiro Filho, controller do Frigoestrela, frigorífico localizado em Estrela d’Oeste, região de São José do Rio Preto, que pertence à família do deputado federal Vadão Gomes. “O BNDES anunciou em 2008 um plano de negócios para salvar o setor da crise e acenou positivamente para nós. Então, fomos lá, confiantes, entregamos estudos detalhados sobre a empresa e as garantias necessárias para levar um não a seguir, com esta alegação de que não poderiam nos ajudar.” Com o crédito em mãos, o objetivo do Frigoestrela era adquirir uma nova planta para saldar as dívidas. “Ficou impossível para a gente.”

Sem resposta do outro lado, Salazar está constantemente em Brasília e no Rio de Janeiro buscando uma justificativa racional para o setor. Nestas idas e vindas, passou a acreditar que o problema do setor é apenas a pontinha de um iceberg monstruoso que se esconde sob a armadura do BNDES. Nos bastidores correm boatos de pedidos de Comissões Parlamentares de Inquérito contra o banco e de que Luciano Coutinho estaria na mira da bancada ruralista. Mas, como todo boato não tem autor declarado, resta saber agora onde está a fogueira desta fumaça que forma a nuvem preta do setor.